quinta-feira, 1 de setembro de 2016

O obituário da democracia brasileira

Por Rafael Tatemoto, no jornal Brasil de Fato:

Filha de mulheres e homens que dedicaram seu sangue e suas vidas à luta contra o autoritarismo, renasceu em 1985: processo de parto intenso que marcaria seu destino.

Objeto de ataques, teve infância complicada. Apesar das promessas em sua certidão de nascimento – a Constituição de 1988 -, passou por diversas crises.

Na década de 90, passou por um período de estabilidade a duras penas. Como resultado, viu o aumento do desemprego e a piora das condições de vida.

Recém atingida a maioridade, sua juventude parecia mais promissora. Nos anos 2000, a vida parecia melhorar: seus filhos passaram a frequentar universidades, viajar para o exterior, ter salários maiores e casa própria.

Apesar das dificuldades, em todo esse período, foi construindo um importante legado: o Sistema Único de Saúde, as cotas sociais e raciais, a Lei da Maria da Penha, experiências de participação social, a união homoafetiva.

Tal como no passado, foi vítima de um crime bárbaro. Os avanços que alcançou incomodaram alguns, os mesmos que a ceifaram em 1964. Em 2016, como naquele momento, sua presença passou a ser indesejável.

Embora aparentemente menos violenta, a ação - que se arrastou por meses, como uma doença - foi uma repetição de outras ofensivas: 1954, 1961 e 1964.

Morta por uma quadrilha, padeceu sufocada pelo mando de seus velhos inimigos - os interesses das minorias: o mercado financeiro, a imprensa tradicional e setores tradicionalmente conservadores do Estado.

Existência contraditória e cheia de defeitos, deixará saudades, ainda que, para muitos, sua morte tenha passado quase desapercebida.

Resistiu como pode, mas sucumbiu ante a impiedade e cinismo de seus algozes.

Morreu neste dia 31 de agosto, deixando órfãos milhões de cidadãos e cidadãs. Como outras vezes na história, pela mão de seus próprios filhos, renascerá: mais bela e forte.

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