Por Nilto Tatto, na revista Teoria e Debate:
Os governos Lula e Dilma foram bastante criticados pela atuação na pauta socioambiental. Esperava-se mais de um governo comprometido com direitos, visto que qualidade de vida para todos passa também pela qualidade da água, do ar, do espaço de habitação, pelo acesso a alimentos saudáveis, pela preservação e garantia do aproveitamento justo e sustentável da biodiversidade, para mencionar apenas algumas dimensões dessa pauta.
Estamos em déficit com a promoção da justiça ambiental no país porque permanecemos tímidos em relação a conflitos ambientais de grandes proporções, como a degradação dos solos, o comprometimento dos recursos hídricos e a contaminação do ambiente, por exemplo. Os ônus são sentidos com mais intensidade pelas populações desfavorecidas e socialmente invisíveis, e a superação dessa situação está intrinsecamente ligada à superação das desigualdades abissais entre indivíduos, bairros, municípios e regiões.
Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer avanços importantes que aconteceram naquelas gestões. Em função de um conjunto de políticas públicas, obtivemos uma queda de mais de 80% nas taxas de desmatamento a partir de 2004, reduzindo expressivamente as emissões de gases de efeito estufa do país. Foram importantes investimentos em monitoramento, mobilização e integração entre órgãos de governo, fortalecimento e modernização das estruturas de licenciamento e fiscalização, entre outros.
Junto com a implantação de dezenas de Reservas Extrativistas (Resex) e Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS), nas quais os recursos naturais são explorados de maneira sustentável e a cultura e o modo de vida de populações tradicionais são protegidos, tais políticas resultaram na proteção da biodiversidade, de funções ecossistêmicas, paisagens e diversidade cultural em todas as regiões do país.
Em grande medida, essas riquezas existentes no Brasil neste início de século 21 foram guardadas por populações tradicionais que, por séculos, viveram nas bordas da sociedade de capitalismo selvagem que aqui se constituiu. Indígenas, quilombolas, ribeirinhos, entre outros, enfrentando pressões frequentemente violentas, garantiram a conservação de habitats e biomas através de práticas de manejo sustentáveis.
Nos governos Lula e Dilma, avançou-se na construção de direitos para essas populações através de ampla mobilização e diálogo com diversos atores sociais, protagonizado pelas populações tradicionais. Essa construção, hoje abarcada na Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, envolveu iniciativas interministeriais para formulação e implementação de programas específicos e para reformulação de políticas públicas nos campos da educação, saúde, garantia dos direitos fundamentais, inclusão produtiva, reforma agrária e extensão rural, de modo a efetivar as particularidades reconhecidas na Constituição. Os programas para valorização dos produtos da sociobiodiversidade também foram importantes para viabilizar economicamente diversas comunidades e dar visibilidade social a esses grupos.
Além disso, demos início a políticas públicas para a promoção da agricultura sustentável, incentivando e apoiando a disseminação de práticas mais capazes de preservar o solo, os recursos hídricos e a biodiversidade, tanto na pequena quanto na grande produção agrícola. Esse é o caminho para garantir alimentação saudável e segura para toda a população e reduzir as emissões de gases de efeito estufa da agropecuária.
Com os investimentos em fontes alternativas de energia, a energia eólica está se consolidando como uma das fontes mais competitivas no Brasil. Dez anos atrás esse tipo de geração era praticamente inexistente no país e hoje os megawatts de energia eólica contratados em leilões já equivalem à energia produzida por Itaipu – se os investimentos continuarem, a metade entrará em operação até o final de 2017.
Os avanços da agenda socioambiental no Brasil qualificaram o país para protagonizar as discussões do Acordo do Clima, em consonância com a postura altiva em relação à geopolítica econômica mundial, alcançada através de atitudes propositivas, coragem, solidariedade e alianças Sul-Sul.
Tudo isso está, como todas as conquistas do nosso breve período democrático, sob risco de ruir.
Para compreender a amplitude das ameaças que rondam a agenda ambiental no plano federal, é necessário, em primeiro lugar, lembrar que os protagonistas das propostas de retrocesso são os apoiadores do golpe. São representantes das associações, conselhos, organizações, cooperativas e federações que reúnem os poderosos atores da mineração, do agronegócio, da indústria de agrotóxicos e cultivares.
Atuam de forma organizada em torno de propostas que se complementam e se reforçam mutuamente. Há mais de mil proposições no Congresso Nacional que incidem sobre a agenda socioambiental e visam defender interesses corporativos, penalizando o conjunto da sociedade. De forma breve, vale destacar os mais abrangentes, e com maior potencial de lesa-pátria.
A Medida Provisória 727/2016, que institui o Programa de Parcerias de Investimento (PPI), aprovada pelo Congresso Nacional em 8/9/2016, surtirá efeitos sobre todos os processos de licenciamento. É uma peça importante na diretriz de desestatização. Orientado à expansão da infraestrutura mediante parcerias com a iniciativa privada e as privatizações de empresas e instituições financeiras federais, institui uma governança de camarilha, centralizando decisões e ações em um grupo restrito em torno do presidente da República, e negligencia os princípios que regem as licitações públicas.
Além disso, no que diz respeito aos processos de licenciamento para os empreendimentos, a medida estipula que os órgãos da administração pública da União, dos estados e dos municípios “têm o dever de atuar (...) para que sejam concluídos (...) todos os processos administrativos necessários à sua estruturação, liberação e execução”. A liberação, entenda-se, se aplica a matérias de “natureza regulatória, ambiental, indígena, urbanística, de trânsito, patrimonial pública, hídrica, de proteção do patrimônio cultural, aduaneira, minerária, tributária, e quaisquer outras necessárias à implantação e à operação do empreendimento”. Não bastasse isso, os órgãos da União “convocarão” autoridades estaduais e municipais para consecução dos objetivos do PPI. A regra máxima para o licenciamento passa ser: licenciar. E, caminhando no campo da arbitrariedade, a autonomia dos entes federados é frontalmente violada.
Outras proposições legislativas complementares estão na mesa para sepultar de vez os princípios de licenciamento construídos nas últimas décadas. Por exemplo, a PEC 65 de 2012 substitui todo o processo pela simples apresentação do Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA) como garantia de autorização para a execução de uma obra, sem a possibilidade de suspensão ou cancelamento depois de aprovado. O PLS 654/2015 cria o “licenciamento ambiental especial”, eliminando audiências públicas e outras fases essenciais do licenciamento; define prazo curtíssimo, estabelecendo o “quem cala, consente”: o descumprimento de prazos será considerado como concordância.
As regras dos processos de licenciamento poderiam ser melhoradas? Provavelmente, através de um amplo debate com a sociedade. Os processos poderiam ser mais ágeis? Sim, especialmente se as estruturas dos órgãos públicos responsáveis fossem fortalecidas. O governo ilegítimo de Temer, contudo, vai na direção contrária.
Uma das pérolas do fundamentalismo liberal que se apossou do governo é a PEC 241/2016 que quer congelar, aos valores do ano recessivo de 2016, as despesas primárias do governo federal pelos próximos vinte anos. Na prática significaria o sucateamento dos serviços públicos em todas as áreas. A trajetória de ampliação das capacidades do setor público, também nas políticas socioambientais, está sendo abandonada.
Nesse cenário, não podemos esperar muito em relação ao cumprimento dos compromissos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris, pois estes certamente demandarão novas capacidades do Estado, novos serviços, novo planejamento com novos estímulos e restrições. A implementação do novo Código Florestal também pode ser comprometida.
A desnutrição do Estado, no projeto do governo ilegítimo, vem acompanhada da sanha da desregulamentação e da inobservância de preceitos constitucionais que atingem em cheio diversos temas sensíveis da agenda socioambiental.
A famosa PEC 215, se aprovada, será a principal ferramenta para inviabilizar a demarcação de terras indígenas e a criação de novas Unidades de Conservação, pois retira dos órgãos federais as responsabilidades perante deveres constitucionais, deixando na mão do Congresso Nacional (que não tem sequer competência técnica para tanto) o poder sobre essas áreas, inclusive as já existentes e reconhecidas pelo Estado. A forte bancada ruralista reivindica, junto com a revisão de desapropriações para reforma agrária, a revisão de demarcações e titulações de terras indígenas e territórios quilombolas.
A nossa biodiversidade é objeto de disputa na discussão do marco legal sobre recursos genéticos e sobre cultivares. Os portadores da pauta conservadora, representando inclusive interesses de multinacionais, querem excluir direitos das populações tradicionais na regulamentação da lei que dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético. Outro objetivo é fixar o direito de propriedade sobre variedades vegetais, o que contraria princípios éticos fundamentais, pois privatiza algo produzido pela natureza e pelo acúmulo de trabalho de gerações, prevendo severas restrições aos agricultores e induzindo a uma erosão ainda mais acentuada do patrimônio genético.
A alimentação de toda a população, os produtos agropecuários exportados, recursos hídricos e o ambiente de forma geral (incluindo o urbano) podem ter níveis de contaminação por agrotóxicos ainda mais elevados. Não bastasse sermos o país recordista no consumo destas substâncias, projetos em tramitação no Congresso Nacional visam uma regulação mais permissiva, sendo o carro-chefe o PL 3.200/2015, apelidado de PL do veneno.
O projeto, entre outras irresponsabilidades, retira os poderes de instituições púbicas de saúde (Anvisa) e de meio ambiente (Ibama) no controle desses produtos e cria um órgão todo-poderoso: a Comissão Técnica Nacional de Fitossanitários (CNTFito). De sua composição e atribuições emerge uma regulação paraestatal, praticamente privatizada. As proibições hoje previstas por lei – produtos com potencial cancerígeno, que causem má formação congênita, ou danos ao meio ambiente (entre outros) – dariam lugar a uma condição: que não apresentem “riscos inaceitáveis”. Quem determinaria este risco? A CNTFito, exclusivamente. Não é difícil imaginar onde isso vai parar, lembrando que o presidente ilegítimo sancionou, em junho de 2016, lei que permite a pulverização desses venenos em áreas urbanas.
Finalmente, vale lembrar que o governo usurpador tem forte propensão a vender para capitais estrangeiros recursos naturais estratégicos. Já começou a fazê-lo com o petróleo, e tudo indica que as terras e a água terão o mesmo destino em mãos golpistas. O volumoso grupo parlamentar de apoio ao governo golpista quer a supressão de qualquer limite para a compra de terras por estrangeiros (PL 4059/2012), ao passo que Temer deve participar, pessoalmente, de negociações sobre os termos de concessão (a empresas estrangeiras) do importantíssimo aquífero Guarani.
Está em jogo a alienação dos recursos em si – o que já é grave o suficiente – e também da possibilidade de planejar estrategicamente o futuro do país. Desregulamentação, desmonte do Estado, enfraquecimento da coisa pública e privatização já estão em rota de colisão com a construção de direitos desta e de futuras gerações.
As forças progressistas precisam compreender a importância estratégica da agenda socioambiental e articular amplas alianças para impedir a dilapidação rápida e irreversível das riquezas do povo brasileiro.
* Nilto Tatto é deputado federal pelo PT-SP.
Os governos Lula e Dilma foram bastante criticados pela atuação na pauta socioambiental. Esperava-se mais de um governo comprometido com direitos, visto que qualidade de vida para todos passa também pela qualidade da água, do ar, do espaço de habitação, pelo acesso a alimentos saudáveis, pela preservação e garantia do aproveitamento justo e sustentável da biodiversidade, para mencionar apenas algumas dimensões dessa pauta.
Estamos em déficit com a promoção da justiça ambiental no país porque permanecemos tímidos em relação a conflitos ambientais de grandes proporções, como a degradação dos solos, o comprometimento dos recursos hídricos e a contaminação do ambiente, por exemplo. Os ônus são sentidos com mais intensidade pelas populações desfavorecidas e socialmente invisíveis, e a superação dessa situação está intrinsecamente ligada à superação das desigualdades abissais entre indivíduos, bairros, municípios e regiões.
Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer avanços importantes que aconteceram naquelas gestões. Em função de um conjunto de políticas públicas, obtivemos uma queda de mais de 80% nas taxas de desmatamento a partir de 2004, reduzindo expressivamente as emissões de gases de efeito estufa do país. Foram importantes investimentos em monitoramento, mobilização e integração entre órgãos de governo, fortalecimento e modernização das estruturas de licenciamento e fiscalização, entre outros.
Junto com a implantação de dezenas de Reservas Extrativistas (Resex) e Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS), nas quais os recursos naturais são explorados de maneira sustentável e a cultura e o modo de vida de populações tradicionais são protegidos, tais políticas resultaram na proteção da biodiversidade, de funções ecossistêmicas, paisagens e diversidade cultural em todas as regiões do país.
Em grande medida, essas riquezas existentes no Brasil neste início de século 21 foram guardadas por populações tradicionais que, por séculos, viveram nas bordas da sociedade de capitalismo selvagem que aqui se constituiu. Indígenas, quilombolas, ribeirinhos, entre outros, enfrentando pressões frequentemente violentas, garantiram a conservação de habitats e biomas através de práticas de manejo sustentáveis.
Nos governos Lula e Dilma, avançou-se na construção de direitos para essas populações através de ampla mobilização e diálogo com diversos atores sociais, protagonizado pelas populações tradicionais. Essa construção, hoje abarcada na Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, envolveu iniciativas interministeriais para formulação e implementação de programas específicos e para reformulação de políticas públicas nos campos da educação, saúde, garantia dos direitos fundamentais, inclusão produtiva, reforma agrária e extensão rural, de modo a efetivar as particularidades reconhecidas na Constituição. Os programas para valorização dos produtos da sociobiodiversidade também foram importantes para viabilizar economicamente diversas comunidades e dar visibilidade social a esses grupos.
Além disso, demos início a políticas públicas para a promoção da agricultura sustentável, incentivando e apoiando a disseminação de práticas mais capazes de preservar o solo, os recursos hídricos e a biodiversidade, tanto na pequena quanto na grande produção agrícola. Esse é o caminho para garantir alimentação saudável e segura para toda a população e reduzir as emissões de gases de efeito estufa da agropecuária.
Com os investimentos em fontes alternativas de energia, a energia eólica está se consolidando como uma das fontes mais competitivas no Brasil. Dez anos atrás esse tipo de geração era praticamente inexistente no país e hoje os megawatts de energia eólica contratados em leilões já equivalem à energia produzida por Itaipu – se os investimentos continuarem, a metade entrará em operação até o final de 2017.
Os avanços da agenda socioambiental no Brasil qualificaram o país para protagonizar as discussões do Acordo do Clima, em consonância com a postura altiva em relação à geopolítica econômica mundial, alcançada através de atitudes propositivas, coragem, solidariedade e alianças Sul-Sul.
Tudo isso está, como todas as conquistas do nosso breve período democrático, sob risco de ruir.
Para compreender a amplitude das ameaças que rondam a agenda ambiental no plano federal, é necessário, em primeiro lugar, lembrar que os protagonistas das propostas de retrocesso são os apoiadores do golpe. São representantes das associações, conselhos, organizações, cooperativas e federações que reúnem os poderosos atores da mineração, do agronegócio, da indústria de agrotóxicos e cultivares.
Atuam de forma organizada em torno de propostas que se complementam e se reforçam mutuamente. Há mais de mil proposições no Congresso Nacional que incidem sobre a agenda socioambiental e visam defender interesses corporativos, penalizando o conjunto da sociedade. De forma breve, vale destacar os mais abrangentes, e com maior potencial de lesa-pátria.
A Medida Provisória 727/2016, que institui o Programa de Parcerias de Investimento (PPI), aprovada pelo Congresso Nacional em 8/9/2016, surtirá efeitos sobre todos os processos de licenciamento. É uma peça importante na diretriz de desestatização. Orientado à expansão da infraestrutura mediante parcerias com a iniciativa privada e as privatizações de empresas e instituições financeiras federais, institui uma governança de camarilha, centralizando decisões e ações em um grupo restrito em torno do presidente da República, e negligencia os princípios que regem as licitações públicas.
Além disso, no que diz respeito aos processos de licenciamento para os empreendimentos, a medida estipula que os órgãos da administração pública da União, dos estados e dos municípios “têm o dever de atuar (...) para que sejam concluídos (...) todos os processos administrativos necessários à sua estruturação, liberação e execução”. A liberação, entenda-se, se aplica a matérias de “natureza regulatória, ambiental, indígena, urbanística, de trânsito, patrimonial pública, hídrica, de proteção do patrimônio cultural, aduaneira, minerária, tributária, e quaisquer outras necessárias à implantação e à operação do empreendimento”. Não bastasse isso, os órgãos da União “convocarão” autoridades estaduais e municipais para consecução dos objetivos do PPI. A regra máxima para o licenciamento passa ser: licenciar. E, caminhando no campo da arbitrariedade, a autonomia dos entes federados é frontalmente violada.
Outras proposições legislativas complementares estão na mesa para sepultar de vez os princípios de licenciamento construídos nas últimas décadas. Por exemplo, a PEC 65 de 2012 substitui todo o processo pela simples apresentação do Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA) como garantia de autorização para a execução de uma obra, sem a possibilidade de suspensão ou cancelamento depois de aprovado. O PLS 654/2015 cria o “licenciamento ambiental especial”, eliminando audiências públicas e outras fases essenciais do licenciamento; define prazo curtíssimo, estabelecendo o “quem cala, consente”: o descumprimento de prazos será considerado como concordância.
As regras dos processos de licenciamento poderiam ser melhoradas? Provavelmente, através de um amplo debate com a sociedade. Os processos poderiam ser mais ágeis? Sim, especialmente se as estruturas dos órgãos públicos responsáveis fossem fortalecidas. O governo ilegítimo de Temer, contudo, vai na direção contrária.
Uma das pérolas do fundamentalismo liberal que se apossou do governo é a PEC 241/2016 que quer congelar, aos valores do ano recessivo de 2016, as despesas primárias do governo federal pelos próximos vinte anos. Na prática significaria o sucateamento dos serviços públicos em todas as áreas. A trajetória de ampliação das capacidades do setor público, também nas políticas socioambientais, está sendo abandonada.
Nesse cenário, não podemos esperar muito em relação ao cumprimento dos compromissos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris, pois estes certamente demandarão novas capacidades do Estado, novos serviços, novo planejamento com novos estímulos e restrições. A implementação do novo Código Florestal também pode ser comprometida.
A desnutrição do Estado, no projeto do governo ilegítimo, vem acompanhada da sanha da desregulamentação e da inobservância de preceitos constitucionais que atingem em cheio diversos temas sensíveis da agenda socioambiental.
A famosa PEC 215, se aprovada, será a principal ferramenta para inviabilizar a demarcação de terras indígenas e a criação de novas Unidades de Conservação, pois retira dos órgãos federais as responsabilidades perante deveres constitucionais, deixando na mão do Congresso Nacional (que não tem sequer competência técnica para tanto) o poder sobre essas áreas, inclusive as já existentes e reconhecidas pelo Estado. A forte bancada ruralista reivindica, junto com a revisão de desapropriações para reforma agrária, a revisão de demarcações e titulações de terras indígenas e territórios quilombolas.
A nossa biodiversidade é objeto de disputa na discussão do marco legal sobre recursos genéticos e sobre cultivares. Os portadores da pauta conservadora, representando inclusive interesses de multinacionais, querem excluir direitos das populações tradicionais na regulamentação da lei que dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético. Outro objetivo é fixar o direito de propriedade sobre variedades vegetais, o que contraria princípios éticos fundamentais, pois privatiza algo produzido pela natureza e pelo acúmulo de trabalho de gerações, prevendo severas restrições aos agricultores e induzindo a uma erosão ainda mais acentuada do patrimônio genético.
A alimentação de toda a população, os produtos agropecuários exportados, recursos hídricos e o ambiente de forma geral (incluindo o urbano) podem ter níveis de contaminação por agrotóxicos ainda mais elevados. Não bastasse sermos o país recordista no consumo destas substâncias, projetos em tramitação no Congresso Nacional visam uma regulação mais permissiva, sendo o carro-chefe o PL 3.200/2015, apelidado de PL do veneno.
O projeto, entre outras irresponsabilidades, retira os poderes de instituições púbicas de saúde (Anvisa) e de meio ambiente (Ibama) no controle desses produtos e cria um órgão todo-poderoso: a Comissão Técnica Nacional de Fitossanitários (CNTFito). De sua composição e atribuições emerge uma regulação paraestatal, praticamente privatizada. As proibições hoje previstas por lei – produtos com potencial cancerígeno, que causem má formação congênita, ou danos ao meio ambiente (entre outros) – dariam lugar a uma condição: que não apresentem “riscos inaceitáveis”. Quem determinaria este risco? A CNTFito, exclusivamente. Não é difícil imaginar onde isso vai parar, lembrando que o presidente ilegítimo sancionou, em junho de 2016, lei que permite a pulverização desses venenos em áreas urbanas.
Finalmente, vale lembrar que o governo usurpador tem forte propensão a vender para capitais estrangeiros recursos naturais estratégicos. Já começou a fazê-lo com o petróleo, e tudo indica que as terras e a água terão o mesmo destino em mãos golpistas. O volumoso grupo parlamentar de apoio ao governo golpista quer a supressão de qualquer limite para a compra de terras por estrangeiros (PL 4059/2012), ao passo que Temer deve participar, pessoalmente, de negociações sobre os termos de concessão (a empresas estrangeiras) do importantíssimo aquífero Guarani.
Está em jogo a alienação dos recursos em si – o que já é grave o suficiente – e também da possibilidade de planejar estrategicamente o futuro do país. Desregulamentação, desmonte do Estado, enfraquecimento da coisa pública e privatização já estão em rota de colisão com a construção de direitos desta e de futuras gerações.
As forças progressistas precisam compreender a importância estratégica da agenda socioambiental e articular amplas alianças para impedir a dilapidação rápida e irreversível das riquezas do povo brasileiro.
* Nilto Tatto é deputado federal pelo PT-SP.
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