Benito Mussolini e Francisco Franco |
Umberto Eco (1932-2016) é uma das personalidades que melhor poderiam definir o fascismo, pois nele se combinaram a experiência própria, a erudição e a lucidez analítica. Como italiano, viveu de perto o fascismo e suas consequências, e como intelectual dedicou-se a estudá-lo, entendê-lo e explicá-lo, mas, acima de tudo, a denunciá-lo e preveni-lo. De todos os males que o ser humano pode gerar a si mesmo, poucos são tão nefastos como um regime totalitário, em que normalmente o sofrimento é muito maior do que os possíveis benefícios.
Compartilho o fragmento de uma conferência que Eco fez em 1995 na Universidade de Columbia, em que elaborou uma rápida caracterização do que chamou “Ur-Fascismo” ou “fascismo eterno”, quer dizer, uma ideologia e vontade de governar que, independentemente das circunstâncias históricas, parece sempre estar ali, à espreita, esperando um mínimo descuido para se apoderar de um governo nacional, uma sociedade, um país. Eco reconhece que nem todos os regimes totalitários são iguais, mas ao mesmo tempo encontrou alguns traços comuns, ou, melhor dizendo, recursos que a maioria empregou para seduzir a população e tomar o poder político.
Muita gente acha que falar em fascismo é “banalizar” o termo, mas reparem que a extrema-direita hoje, representada por Donald Trump e seus supremacistas brancos nos Estados Unidos e aqui pelos MBLs e Bolsonaros da vida, se enquadra em cada uma destas características. Só não vê quem não quer. Fica a advertência de Eco: “O Ur-Fascismo pode voltar todavia com as aparências mais inocentes. Nosso dever é desmascará-lo e apontar o dedo sobre cada uma de suas novas formas, todo dia, em todas as partes do mundo”.
A seguir, as 14 características do fascismo segundo Umberto Eco. Leia o texto completo da conferência aqui.
1. Culto da tradição, dos saberes arcaicos, da revelação recebida no alvorecer da história humana, dos hieróglifos egípcios às runas dos celtas e aos textos sagrados, ainda desconhecidos, de algumas religiões asiáticas.
2. Rechaço do modernismo. O Iluminismo, a idade da Razão, são vistos como o princípio da depravação moderna. Neste sentido, o Ur-Fascismo pode se definir como irracionalismo.
3. Culto da ação pela ação. Pensar é uma forma de castração. Por isso a cultura é suspeita, à medida em que é identificada com atitudes críticas.
4. Rechaço do pensamento crítico. O espírito crítico opera distinções e distinguir é sinal de modernidade. Para o Ur-Fascismo, estar em desacordo é traição.
5. Medo ao diferente. O primeiro chamamento de um movimento fascista, ou prematuramente fascista, é contra os intrusos. O Ur-Fascismo é, pois, racista por definição.
6. Apelo às classes médias frustradas. Em nossa época, o fascismo encontrará seu público nesta nova maioria.
7. Nacionalismo e xenofobia. Obsessão pelo complô. Os seguidores têm de se sentir ameaçados.
8. Inveja e medo do “inimigo”.
9. Princípio de guerra permanente, antipacifismo.
10. Elitismo, desprezo pelos fracos.
11. Heroísmo, culto à morte.
12. Transferência da vontade de poder a questões sexuais. Machismo, ódio ao sexo não-conformista, como a homossexualidade. Transferência do sexo ao jogo das armas.
13. Populismo qualitativo, oposição aos apodrecidos governos parlamentares. Toda vez que um político lança dúvidas sobre a legitimidade do parlamento porque já não representa a voz do povo, podemos perceber o cheiro do Ur-Fascismo.
14. Novilíngua. Todos os textos escolares nazis ou fascistas se baseavam em um léxico pobre e em uma sintaxe elementar, com a finalidade de limitar os instrumentos para o raciocínio complexo e crítico. Devemos estar preparados para identificar outras formas de novilíngua, inclusive quando adotam a forma inocente de um popular reality show.
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