sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Brasil deve rejeitar os tribunais de exceção

Por Marco Aurelio Garcia, no blog Nocaute:

Judicialização da política, você já deve ter ouvido mais de uma vez essa expressão que pode parecer um pouco enigmática, o que significa? Significa completamente quando o poder judiciário se mete de forma indevida para resolver problemas políticos que são essencialmente de competências do poder executivo e do poder legislativo. Isto é um fenômeno que ocorre na maioria das vezes quando há crises políticas e sobretudo quando essas crises são agravadas por um crise econômica e social, como é o caso do Brasil hoje. 

O poder judiciário e os promotores, o chamado ministério público, de uns tempos para cá está tendo um papel muito importante na investigação de fenômenos da corrupção, todos nós devemos dar apoio à investigação da corrupção porém essa investigação não pode fazer fora da lei, ela não pode fazer ferindo o direito e garantias individuais por razão simples: porque ao poder judiciário e ao ministério público compete o resguardo da lei, a proteção dos cidadãos e não criar uma legislação seguindo a cabeça de cada um deles, até porque é o único poder cujo os membros não foram eleitos, o presidente, os governadores e prefeitos foram eleitos em eleições diretas, os parlamentares, deputados, senadores e vereadores também foram eleitos, eles são uma expressão muito mais direta da soberania popular.

Os juízes e promotores entram na carreira por concurso e eles entram fundamentalmente a partir do suposto que são conhecedores das leis e doutrinas, da teoria do estado e que eles têm como função proteger a legislação, fazer com que os atos dos governantes estejam de acordo com a legislação, com a constituição e as demais leis. O que nós estamos assistindo agora é uma exorbitância por parte de alguns juízes, por parte de alguns promotores das suas atribuições a ponto que eles inclusive levaram ao congresso nacional um conjunto de medidas que teriam sido elaborados ou não elaborados, mas consultadas com centenas de milhares até dois milhões de pessoas e que visavam completamente criar uma legislação mais firme e mais sólida do combate à inflação.

O problema que nós estamos enfrentando no momento atual é o seguinte: essas medidas, algumas interessantes e oportunas, necessárias mas algumas outras que ferem a lei. Por exemplo: aí está dito que deve se relativizar o habeas corpus, ele é uma garantia fundamental dos cidadãos contra o arbítrio, outra delas diz que algumas provas mesmo que se for obtida por via ilegal devem ser admitidas no processo. Como que nós podemos admitir que provas ilegalmente estabelecida sejam elementos que vão concretamente pesar na condenação no juízo que o poder judiciário fará sob os cidadãos acusados? Aqui no Brasil, como em toda democracia há um princípio, o princípio é que ninguém pode ser condenado sem provas e todo mundo é inocente até que prove ao contrário. Olha, a politização da justiça é uma conseqüência muito visível dessa judicialização de política, esses procuradores, alguns visionários, alguns inclusive com comportamentos quase fanáticos e inclusive exorbitando suas funções que não lhes cabe entrar em um debate político nacional, eles têm que manter a sua arbitrariedade, apresentar essas medidas o parlamento aceitou uns e rejeitou outras e agora para a surpresa de todos aqueles que respeitam o estado democrático de direito, esses senhores estão dizendo que ou aceitam as propostas que eles fizeram ou senão eles são capazes até de abandonar a operação lava jato que estaria investigando justamente o caso de corrupção. Isto tem um nome muito claro: isso é chantagem e esse comportamento é um comportamento que não pode ser admitido, nem por membros do ministério público e menos ainda por membros do poder judiciário.

Nós temos que ficar muito atentos para estas questões no sentido de rejeitá-las e mais do que isso, advertir a sociedade brasileira que elas fazem parte de um conjunto de iniciativas que tendem muito mais a criar um Estado de exceção no Brasil, eu não estou dizendo que nós tenhamos esse Estado de exceção, mas me parece evidente que algumas medidas que nos empurram na direção de um Estado de exceção na criação de verdadeiros tribunais de exceção onde o sujeito já entra condenado, como é que se da essa condenação? Se da muitas vezes com fragilidade de provas, onde todo mundo viu aquele show ridículo e absurdo do promotor Dallagnol, no qual sem consistência nenhuma, dizendo que quase não tenho provas mas tenho convicções, se procurava responsabilizar o presidente Lula e outras personalidades da política brasileira por crimes que não estavam em nenhuma lei documentados.

Isso é grave, nós temos vários antecedentes de erros judiciários gravíssimos, mas isso que é mais importante é que não se faz simplesmente a partir de uma espécie de aventura mental de que seria possuídos juízes e eventualmente promotores sobretudo promotores, isso se faz com uma cooperação ativa, ativíssima da impressa brasileira, os meios de comunicação na sua quase totalidade se soma a essa posição sectária, a essa posição conservadora, essa posição autoritária, de membros do poder judiciário e ministério público no sentido de condenar as pessoas, antes do julgamento. Isso faz parte, quero insistir daquilo que se caracteriza como Estado de exceção e esse risco que nós venhamos entrar em um Estado de exceção está cada vez mais presente. As razões são muitas, eu diria que, sobretudo elas estão ligadas à quadra econômica e social política que o Brasil está vivendo. Para colocar em prática, o plano que não foi apoiado pela sociedade brasileira, que não foi votado e que era o oposto daquilo de dois ou três anos atrás que a sociedade escolheu o que está acontecendo é um conjunto de atropelos. Na legalidade baseado na maioria do Congresso Nacional, grande parte dela inclusive acusada de corrupção e que em uma manobra de auto preservação, de auto reprodução tem apoiado completamente as iniciativas do usurpador Michel Temer, que hoje ocupa a Presidência da República. Eu insisto que estas questões são graves, insisto que a sociedade brasileira tem que se dar conta de que aquilo que se está pretendendo fazer a partir de uma lei que restringe os direitos e as garantias individuais e sobretudo de uma ação do Ministério Público e da Justiça que ataca completamente o direito de várias pessoas na vida brasileira, isso é uma coisa que pode estar hoje se voltando contra alguns, amanhã pode se voltar contra a todos.

Quem viveu aqui o período de exceção, aquele que mediou entre 1964 e 1984 sabe muito bem o que isso pode mudar. O que é mais grave com isso eu queria concluir é que está questão, essas políticas, essa intransigência, essa soberba daqueles que dizem inclusive ou aprovam isso ou nós saímos, parece o garoto que diz se o resultado aqui no campinho não for esse eu pego a bola e vou embora. Esses procuradores pensam que são os donos da bola e que eles podem substituir aqueles que foram eleitos pelo voto popular, bem ou mau, eu não tenho nenhum encanto pelos parlamentares que estão hoje no congresso nacional mas se eu quiser tirá-lo eu tenho que tirá-los por eleição. A mesma coisa em relação a outras funções da nossa República mas o que insisto que é grave é que esses juízes e procuradores em sua imensa maioria fazem parte de uma casta de privilegiados da sociedade brasileira, todos os dias nós temos denúncias grotescas, fatos absolutamente absurdos que se multiplicam por exemplo que grande parte desses senhores ganham o dobro do teto permitido no país, o teto permitido é em torno de 34.000,00 reais, tem muitos e muitos juízes promotores que ganham por baixo 70.000,00 em alguns casos 140.000,00 mil, 150.000,00 mil e isso tem sido publicado todos os dias sem falar nos auxílios moradia, auxílio paletó e mais uma série de outras coisas.

Mas isso nós vamos ver em outra ocasião, por uma razão muito simples, eu acho que esse país tem que discutir não só essas formas mais convencionais de corrupção, ele tem que discutir a forma mais grotesca de corrupção que é o estabelecimento de privilégios, daqueles que prestam serviços e não dão recibos, daqueles que sonegam impostos, daqueles que ainda não se esqueceram daquele período maravilhoso para eles que foi o período da escravidão. Nós precisamos discutir isso, porque se nós não discutirmos isso haverá uma tentativa de iludir a opinião pública de que os problemas que nós estamos enfrentando se devem aos atos de corrupção, que eu insisto muito claramente tem que ser combatido mas que não estão na essência dos problemas que o Brasil vive. O problema central do Brasil começou a ser enfrentado nos últimos anos e ainda está por ser concluído: é o tema da desigualdade.

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