Por Jotabê Medeiros, na revista CartaCapital:
Maior ferramenta de estímulo à cultura no País, responsável por cerca de 80% dos recursos destinados ao setor, a Lei Rouanet terminará 2016 com um baque de dimensões gigantescas. A queda no número de projetos aprovados até agora é de 43% em relação ao ano passado. E de 53% no caso dos recursos captados (583 milhões ante 1,2 bilhão de reais).
A queda abrupta tem mais a ver com a política do que com a crise econômica. A decisão de Michel Temer, abortada posteriormente, de rebaixar o status do Ministério da Cultura provocou uma paralisia de um mês e meio.
A pasta ficou 12 dias oficialmente extinta. A normalização das atividades, após o governo ceder à pressão dos artistas e manter a pasta, levou mais quatro semanas, período no qual incerteza e confusão se instalaram entre proponentes e financiadores.
Para piorar, a progressiva estratégia de criminalização da legislação, acentuada pela formação de uma insólita, e atrapalhada, Comissão Parlamentar de Inquérito na Câmara dos Deputados, piorou o cenário. Patrocinada pela chamada Bancada da Bala, a CPI expôs logo de cara o “preparo” de seus integrantes.
Um dos primeiros depoentes a ser convocado foi a artista plástica Tomie Ohtake, morta um ano antes. O mico, que entrou para o anedotário político, não bastou. Recentemente, a comissão pediu a quebra do sigilo bancário e fiscal de um empresário acusado de cometer fraudes. Detalhe: a Polícia Federal detém as informações há meses.
Os discursos dos deputados que conduzem a CPI parecem sempre destinados a uma espécie de vendetta política. Visam artistas de esquerda que porventura tenham apoiado Dilma Rousseff. Ao mesmo tempo, o momento político parece chacoalhar as pretensões dos novos profetas da moralidade: o presidente da CPI é Alberto Fraga, réu no STF e cuja grande façanha recente foi a defesa pública da anistia “em alguns casos” para o caixa 2.
“Investigar é importante sempre, mas tem de tentar diferenciar juízo moral de ilegalidades”, diz o advogado Fábio de Sá Cesnik, especialista em legislações de incentivo. Para Henilton Menezes, expert em Lei Rouanet, a CPI não tem como avançar mais do que a PF conseguiu nos casos dos fraudadores da legislação.
“O lado perverso é o afastamento de alguns patrocinadores que não entendem muito bem o que acontece, não conhecem a legislação e, com razões, não querem envolver suas empresas em um assunto alvo de uma CPI. O resultado será o volume de recursos captado em 2016, possivelmente bem abaixo de 2015”, afirmou Menezes, sem conhecer os números divulgados no primeiro parágrafo desta reportagem. Profético.
Há muito jogo para a plateia na sanha moralizadora da comissão, diz o especialista. “Quantificar o número de irregularidades, como se tenta fazer na CPI, é colocar no mesmo nível o desvio de milhões apontado pela polícia e a falta de uma logomarca numa peça gráfica, ou a falta de comprovação da participação de uma escola pública ou o uso de uma rubrica de 100 reais não prevista, mas necessária.”
Nesse cenário nebuloso e de caráter persecutório, acaba de assumir um novo ministro da Cultura, o deputado Roberto Freire. Responsável pela transformação do PPS em uma sublegenda a serviço do PSDB, ligado ao chanceler José Serra, Freire revela sua indicação a jato.
Foi indicado para o cargo meia horas depois da saída de Marcelo Calero, em um episódio de tentativa de achaque que arrastou ainda outro ministro, Geddel Vieira Lima, e afundou a gestão Temer em mais uma crise.
O novo ministro chegou com discurso conciliador, mas sua natureza política não é exatamente a de um bombeiro. Em entrevista ao Roda Viva, da TV Cultura, Freire admitiu, entre outras, ter sido o autor da ideia da extinção da pasta, “para economizar”.
Na entrevista, o ministro subverteu a noção de conservadorismo. Disse ter sido no passado um interlocutor amistoso de Chico Buarque, mas que, ao contrário deste, não se transformou em um “reacionário”.
A caminho do funeral de Fidel Castro, em Cuba, também fez questão de informar ao distinto público a sua leitura atual. O ministro debruça-se sobre Hereges, do cubano Leonardo Padura, curiosamente uma história sobre a tentativa de suborno de funcionários públicos, mas com intenções nobres.
O problema maior não está nas diatribes do novo titular da Cultura ou em sua leitura, mas no fato de demonstrar até agora ser um turista acidental na pasta. Para começar, Freire demonstrou não ter a mais pálida ideia do que seja a Lei Rouanet. Disse, no Roda Viva, acreditar que o projeto para substituir a legislação atual, o Procultura, amplamente discutido entre a sociedade civil e o Congresso, é “intervencionista” e “dirigista”.
Defende um modelo para aumentar a participação do Fundo Nacional de Cultura no financiamento do setor, sem aparentemente saber que o Procultura foi criado justamente para criar um sistema paritário de destinação de recursos (50% para o incentivo e 50% para um fundo de estímulo direto). O projeto também prevê os Ficarts, fundos com caráter lucrativo, espécie de parceria entre o Estado e a iniciativa privada.
A inexperiência de Freire coloca em risco, mais uma vez, a revitalização do sistema de incentivo cultural. O ministro diz preferir reformar a legislação por canetada. “É fundamental mudar portarias internas defasadas, de 2011, e esse mundo da cultura, onde as novas tecnologias talvez mudem mais rápido do que qualquer outro setor da economia, tem de acompanhar.”
O diagnóstico repete o argumento das grandes empresas que usam o incentivo cultural. Mas é sinuoso, parece um samba do burocrata doido. “Não é o Ministério da Cultura que destina. É o patrocinador, através da lei de incentivo. Por conta disso gera distorção. Você não pode ficar imaginando que o mercado vá patrocinar onde não se ofereça minimamente um retorno. Mas por isso mesmo é que o MinC não tem só incentivo, tem outros fundos, e você pode ter políticas de compensação”, disse acacianamente.
O ministro insiste. “Pega projetos da área do Sudeste, onde os mercados têm grande atrativo, e você ao mesmo tempo tem de atender e tentar compensações extras. Mas pode não fazer nada disso e fazer compensação nos outros fundos de incentivo, porque aí é de política pública do ministério, coisa que, infelizmente, os governos passados não se preocuparam. Tem um fundo que não foi nem implementado”, declarou a CartaCapital pouco antes de gravar o Roda Viva.
Freire, é justo que se diga, tem a seu favor certa desenvoltura no Congresso Nacional. São 40 anos de vida política. Seu currículo publicado no site do ministério tem seis parágrafos e nenhum item remotamente relacionado ao tema da cultura. Seu conhecimento do Congresso permite deduzir que dificilmente terá sua gestão paralisada por pedidos de uma CPI decorativa.
É “macaco velho”, como diz um ex-diretor da pasta. Muito menos é tolo de se meter a confrontar o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, temeridade que derrubou Geddel Vieira Lima. “Se existe um órgão técnico pra decidir sobre patrimônio, o parecer e a decisão do Iphan estão mantidos. Qualquer discussão será na Justiça, não está mais no MinC”, declarou.
Freire diz-se disposto a dialogar até com seu maior inimigo, o PT. Estaria, segundo ele, até empenhado na aprovação de um projeto de leitura da senadora Fátima Bezerra. O novo ministro começou a compor o gabinete nos últimos dias, mas afirma pretender reunir gente experiente. O cineasta João Batista de Andrade, ex-secretário de Cultura do estado de São Paulo e colega, foi convocado para assumir a Secretaria Executiva do ministério.
A queda abrupta tem mais a ver com a política do que com a crise econômica. A decisão de Michel Temer, abortada posteriormente, de rebaixar o status do Ministério da Cultura provocou uma paralisia de um mês e meio.
A pasta ficou 12 dias oficialmente extinta. A normalização das atividades, após o governo ceder à pressão dos artistas e manter a pasta, levou mais quatro semanas, período no qual incerteza e confusão se instalaram entre proponentes e financiadores.
Para piorar, a progressiva estratégia de criminalização da legislação, acentuada pela formação de uma insólita, e atrapalhada, Comissão Parlamentar de Inquérito na Câmara dos Deputados, piorou o cenário. Patrocinada pela chamada Bancada da Bala, a CPI expôs logo de cara o “preparo” de seus integrantes.
Um dos primeiros depoentes a ser convocado foi a artista plástica Tomie Ohtake, morta um ano antes. O mico, que entrou para o anedotário político, não bastou. Recentemente, a comissão pediu a quebra do sigilo bancário e fiscal de um empresário acusado de cometer fraudes. Detalhe: a Polícia Federal detém as informações há meses.
Os discursos dos deputados que conduzem a CPI parecem sempre destinados a uma espécie de vendetta política. Visam artistas de esquerda que porventura tenham apoiado Dilma Rousseff. Ao mesmo tempo, o momento político parece chacoalhar as pretensões dos novos profetas da moralidade: o presidente da CPI é Alberto Fraga, réu no STF e cuja grande façanha recente foi a defesa pública da anistia “em alguns casos” para o caixa 2.
“Investigar é importante sempre, mas tem de tentar diferenciar juízo moral de ilegalidades”, diz o advogado Fábio de Sá Cesnik, especialista em legislações de incentivo. Para Henilton Menezes, expert em Lei Rouanet, a CPI não tem como avançar mais do que a PF conseguiu nos casos dos fraudadores da legislação.
“O lado perverso é o afastamento de alguns patrocinadores que não entendem muito bem o que acontece, não conhecem a legislação e, com razões, não querem envolver suas empresas em um assunto alvo de uma CPI. O resultado será o volume de recursos captado em 2016, possivelmente bem abaixo de 2015”, afirmou Menezes, sem conhecer os números divulgados no primeiro parágrafo desta reportagem. Profético.
Há muito jogo para a plateia na sanha moralizadora da comissão, diz o especialista. “Quantificar o número de irregularidades, como se tenta fazer na CPI, é colocar no mesmo nível o desvio de milhões apontado pela polícia e a falta de uma logomarca numa peça gráfica, ou a falta de comprovação da participação de uma escola pública ou o uso de uma rubrica de 100 reais não prevista, mas necessária.”
Nesse cenário nebuloso e de caráter persecutório, acaba de assumir um novo ministro da Cultura, o deputado Roberto Freire. Responsável pela transformação do PPS em uma sublegenda a serviço do PSDB, ligado ao chanceler José Serra, Freire revela sua indicação a jato.
Foi indicado para o cargo meia horas depois da saída de Marcelo Calero, em um episódio de tentativa de achaque que arrastou ainda outro ministro, Geddel Vieira Lima, e afundou a gestão Temer em mais uma crise.
O novo ministro chegou com discurso conciliador, mas sua natureza política não é exatamente a de um bombeiro. Em entrevista ao Roda Viva, da TV Cultura, Freire admitiu, entre outras, ter sido o autor da ideia da extinção da pasta, “para economizar”.
Na entrevista, o ministro subverteu a noção de conservadorismo. Disse ter sido no passado um interlocutor amistoso de Chico Buarque, mas que, ao contrário deste, não se transformou em um “reacionário”.
A caminho do funeral de Fidel Castro, em Cuba, também fez questão de informar ao distinto público a sua leitura atual. O ministro debruça-se sobre Hereges, do cubano Leonardo Padura, curiosamente uma história sobre a tentativa de suborno de funcionários públicos, mas com intenções nobres.
O problema maior não está nas diatribes do novo titular da Cultura ou em sua leitura, mas no fato de demonstrar até agora ser um turista acidental na pasta. Para começar, Freire demonstrou não ter a mais pálida ideia do que seja a Lei Rouanet. Disse, no Roda Viva, acreditar que o projeto para substituir a legislação atual, o Procultura, amplamente discutido entre a sociedade civil e o Congresso, é “intervencionista” e “dirigista”.
Defende um modelo para aumentar a participação do Fundo Nacional de Cultura no financiamento do setor, sem aparentemente saber que o Procultura foi criado justamente para criar um sistema paritário de destinação de recursos (50% para o incentivo e 50% para um fundo de estímulo direto). O projeto também prevê os Ficarts, fundos com caráter lucrativo, espécie de parceria entre o Estado e a iniciativa privada.
A inexperiência de Freire coloca em risco, mais uma vez, a revitalização do sistema de incentivo cultural. O ministro diz preferir reformar a legislação por canetada. “É fundamental mudar portarias internas defasadas, de 2011, e esse mundo da cultura, onde as novas tecnologias talvez mudem mais rápido do que qualquer outro setor da economia, tem de acompanhar.”
O diagnóstico repete o argumento das grandes empresas que usam o incentivo cultural. Mas é sinuoso, parece um samba do burocrata doido. “Não é o Ministério da Cultura que destina. É o patrocinador, através da lei de incentivo. Por conta disso gera distorção. Você não pode ficar imaginando que o mercado vá patrocinar onde não se ofereça minimamente um retorno. Mas por isso mesmo é que o MinC não tem só incentivo, tem outros fundos, e você pode ter políticas de compensação”, disse acacianamente.
O ministro insiste. “Pega projetos da área do Sudeste, onde os mercados têm grande atrativo, e você ao mesmo tempo tem de atender e tentar compensações extras. Mas pode não fazer nada disso e fazer compensação nos outros fundos de incentivo, porque aí é de política pública do ministério, coisa que, infelizmente, os governos passados não se preocuparam. Tem um fundo que não foi nem implementado”, declarou a CartaCapital pouco antes de gravar o Roda Viva.
Freire, é justo que se diga, tem a seu favor certa desenvoltura no Congresso Nacional. São 40 anos de vida política. Seu currículo publicado no site do ministério tem seis parágrafos e nenhum item remotamente relacionado ao tema da cultura. Seu conhecimento do Congresso permite deduzir que dificilmente terá sua gestão paralisada por pedidos de uma CPI decorativa.
É “macaco velho”, como diz um ex-diretor da pasta. Muito menos é tolo de se meter a confrontar o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, temeridade que derrubou Geddel Vieira Lima. “Se existe um órgão técnico pra decidir sobre patrimônio, o parecer e a decisão do Iphan estão mantidos. Qualquer discussão será na Justiça, não está mais no MinC”, declarou.
Freire diz-se disposto a dialogar até com seu maior inimigo, o PT. Estaria, segundo ele, até empenhado na aprovação de um projeto de leitura da senadora Fátima Bezerra. O novo ministro começou a compor o gabinete nos últimos dias, mas afirma pretender reunir gente experiente. O cineasta João Batista de Andrade, ex-secretário de Cultura do estado de São Paulo e colega, foi convocado para assumir a Secretaria Executiva do ministério.
"São 40 anos de vida política. Seu currículo publicado no site do ministério tem seis parágrafos e nenhum item remotamente relacionado ao tema da cultura"
ResponderExcluirComo diria o Sebastião Nery, freire não passa de um quinta coluna. Mais falso do nota seis reais mesmo: http://www.brasil247.com/pt/247/poder/115192/A-estranha-hist%C3%B3ria-de-Roberto-Freire.htm