Da revista CartaCapital:
No sábado ,21, CartaCapital noticiou que o Brasil voltou a negociar um acordo para os Estados Unidos usarem a Base de Alcântara, centro de lançamento de foguetes. Em sua coluna no site da Folha de S.Paulo da quinta-feira 26, o professor de Relações Internacionais Matias Spektor fez duros ataques à reportagem, os quais merecem resposta por causa da desinformação do autor e de uma aparente má-fé.
Sua primeira acusação é a de ser “inverdade” que a negociação corria em segredo, como informara CartaCapital. Pergunta ao professor: existe alguma declaração, anúncio, documento, relato ou qualquer manifestação oficial por parte de autoridade do Brasil ou dos EUA a revelar ao público a existência das conversas?
A primeira vez que uma autoridade reconheceu publicamente que o assunto voltaria à mesa foi registrada no jornal O Globo de 23 de janeiro, dois dias após o furo de CartaCapital. A reportagem intitulava-se “Brasil assume de vez negociação especial com americanos”.
Nela, o chanceler José Serra afirma: “Vamos tomar a iniciativa de propor a reabertura de negociação em torno de vários acordos e tratados que não se concretizaram. Um deles se refere à base de Alcântara. O assunto foi muito debatido no passado e, agora, vamos tentar uma parceria.”
No momento da declaração de Serra, a negociação com o Tio Sam já acontecia, em sigilo. Em uma comunicação reservada enviada em dezembro ao Itamaraty, o embaixador do Brasil em Washington, Sérgio Amaral, relata ter tratado do assunto no dia 12 daquele mês com o subsecretário de Assuntos Políticos do Departamento de Estado norte-americano, Thomas Shannon.
Na comunicação, Amaral conta ter indicado a Shannon que “o governo brasileiro e o setor privado nacional não se opõem a entendimentos bilaterais (...), inclusive com relação ao acordo de salvaguardas para o uso de Centro de Lançamentos de Alcântara”.
Quem cometeu “uma inverdade” foi o colunista, ao negar o caráter confidencial das negociações. Fez a mesma acusação a respeito da informação de que a iniciativa de retomar o acordo era de Serra. A iniciativa teria sido, escreveu ele, de Dilma Rousseff “muitos meses antes do impeachment”.
Recorde-se a declaração do chanceler em O Globo do dia 23: “Vamos tomar a iniciativa de propor a reabertura de negociação em torno de vários acordos e tratados que não se concretizaram. Um deles se refere à base de Alcântara.” Parece que a afirmação não era de conhecimento do professor.
Ao citar Dilma como responsável pela retomada das negociações, encerradas no governo Lula, o comentarista tentou um truque. Em julho de 2013, a gestão Dilma ensaiou uma volta das tratativas, conforme registrou à época O Estado de S. Paulo.
Mas logo desistiu, em virtude do esfriamento das relações entre Brasil e Estados Unidos causado pela descoberta, entre agosto e setembro daquele ano, da espionagem da agência norte-americana NSA sobre Dilma e a Petrobras. Até a iniciativa de Serra, o assunto estava encerrado.
O professor Spektor também acusa CartaCapital de contar “mentiras” sobre o texto original do acordo negociado no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Segundo a reportagem, o acordo proibia o Brasil de lançar foguetes próprios da base de Alcântara. Spektor escreveu que era “mentira”.
Em seu artigo III, item 1, subitem A, o acordo diz que o Brasil “não permitirá o lançamento, a partir do Centro de Lançamento de Alcântara, de Cargas Úteis ou Veículos de Lançamento Espacial de propriedade ou sob controle de países os quais, na ocasião do lançamento, estejam sujeitos a sanções estabelecidas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas ou cujos governos, a juízo de qualquer uma das Partes, tenha dado, repetidamente, apoio a atos de terrorismo internacional”.
O ditame “a juízo de qualquer uma das Partes”, conjugado com o fato de que um foguete brasileiro, por insuficiência tecnológica local, contaria com peça ou tecnologia de fora, abre a possibilidade de veto unilateral pelos EUA a lançamentos nativos em Alcântara. A reportagem reconhece, no entanto, que deveria ter explicado melhor esse ponto.
Outra “mentira” seria a proibição de o País firmar cooperação tecnológica com outros países. Restrição nesse sentido consta do artigo III, item 1, subitem B do acordo.
Diz esse trecho que o Brasil “não permitirá o ingresso significativo, qualitativa ou quantitativamente, de equipamentos, tecnologia, mão-de-obra, ou recursos financeiros, no Centro de Lançamentos de Alcântara, provenientes de países que não sejam Parceiros (membros) do Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis, exceto se de outro modo acordado entre as partes”. Uma restrição ampla, portanto.
Mais uma “mentira” seria a informação de o acordo proibir o Brasil de direcionar dinheiro obtido com a base para o desenvolvimento de satélites brasileiros.
Segundo o artigo III, item 1, subitem 3, o Brasil “não utilizará recursos obtidos de Atividades de Lançamento em programas de aquisição, desenvolvimento, produção, teste, liberação ou uso de foguetes ou de sistemas de veículos aéreos não tripulados (quer na República Federativa do Brasil quer em outros países”.
Há um veto explícito ao uso de recursos para o desenvolvimento de “veículos aéreos não tripulados”, os chamados VANTs, equipamentos de função próxima à dos satélites. A reportagem reconhece, contudo, ter se equivocado ao tomar VANT por “satélite”.
A última “mentira” seria a proibição de acesso de brasileiros à Base de Alcântara. As restrições estão detalhadas no artigo VI do acordo.
Conforme o item 2 do artigo, “somente pessoas autorizadas pelo governo dos Estados Unidos da América controlarão, vinte e quatro horas por dia, o acesso” à base. Segundo o item 3, “servidores do Governo dos Estados Unidos da América que estejam presentes no Centro de Lançamentos de Alcântara e estejam ligados a Atividades de lançamento terão livre acesso”. Segundo o item 5, “o acesso a áreas restritas (…) será controlado pelo Governo dos Estados Unidos da América”.
Esses dispositivos configuram na prática, conforme a interpretação de ministros do governo Lula responsáveis por arquivar o acordo, a proibição à entrada de brasileiros na Base. A reportagem reconhece, no entanto, que deveria ter explicado melhor esse ponto.
A respeito das inúmeras restrições do acordo da era FHC ao Brasil, vale a pena ler um recente artigo do colunista de CartaCapital Roberto Amaral, ministro da Ciência e Tecnologia em 2003 e um dos participantes da decisão do governo brasileiro à época de arquivar o acordo. Para Amaral, aquele entendimento era um "crime de lesa-pátria"
Em vez de falar em “inverdades” e “mentiras” na notícia de CartaCapital, o professor Spektor poderia ter apontado imprecisões ou interpretações distintas. Ao não fazê-lo, mostrou má-fé, talvez com o objetivo de desqualificar a reportagem, deixando no ar a ideia de que as informações ali contida eram invenciones sem base real.
Praticou assim a “pós-verdade” que pretendeu criticar em sua coluna.
No sábado ,21, CartaCapital noticiou que o Brasil voltou a negociar um acordo para os Estados Unidos usarem a Base de Alcântara, centro de lançamento de foguetes. Em sua coluna no site da Folha de S.Paulo da quinta-feira 26, o professor de Relações Internacionais Matias Spektor fez duros ataques à reportagem, os quais merecem resposta por causa da desinformação do autor e de uma aparente má-fé.
Sua primeira acusação é a de ser “inverdade” que a negociação corria em segredo, como informara CartaCapital. Pergunta ao professor: existe alguma declaração, anúncio, documento, relato ou qualquer manifestação oficial por parte de autoridade do Brasil ou dos EUA a revelar ao público a existência das conversas?
A primeira vez que uma autoridade reconheceu publicamente que o assunto voltaria à mesa foi registrada no jornal O Globo de 23 de janeiro, dois dias após o furo de CartaCapital. A reportagem intitulava-se “Brasil assume de vez negociação especial com americanos”.
Nela, o chanceler José Serra afirma: “Vamos tomar a iniciativa de propor a reabertura de negociação em torno de vários acordos e tratados que não se concretizaram. Um deles se refere à base de Alcântara. O assunto foi muito debatido no passado e, agora, vamos tentar uma parceria.”
No momento da declaração de Serra, a negociação com o Tio Sam já acontecia, em sigilo. Em uma comunicação reservada enviada em dezembro ao Itamaraty, o embaixador do Brasil em Washington, Sérgio Amaral, relata ter tratado do assunto no dia 12 daquele mês com o subsecretário de Assuntos Políticos do Departamento de Estado norte-americano, Thomas Shannon.
Na comunicação, Amaral conta ter indicado a Shannon que “o governo brasileiro e o setor privado nacional não se opõem a entendimentos bilaterais (...), inclusive com relação ao acordo de salvaguardas para o uso de Centro de Lançamentos de Alcântara”.
Quem cometeu “uma inverdade” foi o colunista, ao negar o caráter confidencial das negociações. Fez a mesma acusação a respeito da informação de que a iniciativa de retomar o acordo era de Serra. A iniciativa teria sido, escreveu ele, de Dilma Rousseff “muitos meses antes do impeachment”.
Recorde-se a declaração do chanceler em O Globo do dia 23: “Vamos tomar a iniciativa de propor a reabertura de negociação em torno de vários acordos e tratados que não se concretizaram. Um deles se refere à base de Alcântara.” Parece que a afirmação não era de conhecimento do professor.
Ao citar Dilma como responsável pela retomada das negociações, encerradas no governo Lula, o comentarista tentou um truque. Em julho de 2013, a gestão Dilma ensaiou uma volta das tratativas, conforme registrou à época O Estado de S. Paulo.
Mas logo desistiu, em virtude do esfriamento das relações entre Brasil e Estados Unidos causado pela descoberta, entre agosto e setembro daquele ano, da espionagem da agência norte-americana NSA sobre Dilma e a Petrobras. Até a iniciativa de Serra, o assunto estava encerrado.
O professor Spektor também acusa CartaCapital de contar “mentiras” sobre o texto original do acordo negociado no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Segundo a reportagem, o acordo proibia o Brasil de lançar foguetes próprios da base de Alcântara. Spektor escreveu que era “mentira”.
Em seu artigo III, item 1, subitem A, o acordo diz que o Brasil “não permitirá o lançamento, a partir do Centro de Lançamento de Alcântara, de Cargas Úteis ou Veículos de Lançamento Espacial de propriedade ou sob controle de países os quais, na ocasião do lançamento, estejam sujeitos a sanções estabelecidas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas ou cujos governos, a juízo de qualquer uma das Partes, tenha dado, repetidamente, apoio a atos de terrorismo internacional”.
O ditame “a juízo de qualquer uma das Partes”, conjugado com o fato de que um foguete brasileiro, por insuficiência tecnológica local, contaria com peça ou tecnologia de fora, abre a possibilidade de veto unilateral pelos EUA a lançamentos nativos em Alcântara. A reportagem reconhece, no entanto, que deveria ter explicado melhor esse ponto.
Outra “mentira” seria a proibição de o País firmar cooperação tecnológica com outros países. Restrição nesse sentido consta do artigo III, item 1, subitem B do acordo.
Diz esse trecho que o Brasil “não permitirá o ingresso significativo, qualitativa ou quantitativamente, de equipamentos, tecnologia, mão-de-obra, ou recursos financeiros, no Centro de Lançamentos de Alcântara, provenientes de países que não sejam Parceiros (membros) do Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis, exceto se de outro modo acordado entre as partes”. Uma restrição ampla, portanto.
Mais uma “mentira” seria a informação de o acordo proibir o Brasil de direcionar dinheiro obtido com a base para o desenvolvimento de satélites brasileiros.
Segundo o artigo III, item 1, subitem 3, o Brasil “não utilizará recursos obtidos de Atividades de Lançamento em programas de aquisição, desenvolvimento, produção, teste, liberação ou uso de foguetes ou de sistemas de veículos aéreos não tripulados (quer na República Federativa do Brasil quer em outros países”.
Há um veto explícito ao uso de recursos para o desenvolvimento de “veículos aéreos não tripulados”, os chamados VANTs, equipamentos de função próxima à dos satélites. A reportagem reconhece, contudo, ter se equivocado ao tomar VANT por “satélite”.
A última “mentira” seria a proibição de acesso de brasileiros à Base de Alcântara. As restrições estão detalhadas no artigo VI do acordo.
Conforme o item 2 do artigo, “somente pessoas autorizadas pelo governo dos Estados Unidos da América controlarão, vinte e quatro horas por dia, o acesso” à base. Segundo o item 3, “servidores do Governo dos Estados Unidos da América que estejam presentes no Centro de Lançamentos de Alcântara e estejam ligados a Atividades de lançamento terão livre acesso”. Segundo o item 5, “o acesso a áreas restritas (…) será controlado pelo Governo dos Estados Unidos da América”.
Esses dispositivos configuram na prática, conforme a interpretação de ministros do governo Lula responsáveis por arquivar o acordo, a proibição à entrada de brasileiros na Base. A reportagem reconhece, no entanto, que deveria ter explicado melhor esse ponto.
A respeito das inúmeras restrições do acordo da era FHC ao Brasil, vale a pena ler um recente artigo do colunista de CartaCapital Roberto Amaral, ministro da Ciência e Tecnologia em 2003 e um dos participantes da decisão do governo brasileiro à época de arquivar o acordo. Para Amaral, aquele entendimento era um "crime de lesa-pátria"
Em vez de falar em “inverdades” e “mentiras” na notícia de CartaCapital, o professor Spektor poderia ter apontado imprecisões ou interpretações distintas. Ao não fazê-lo, mostrou má-fé, talvez com o objetivo de desqualificar a reportagem, deixando no ar a ideia de que as informações ali contida eram invenciones sem base real.
Praticou assim a “pós-verdade” que pretendeu criticar em sua coluna.
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