Por Francisco Vagner e Fernando Sato, no site Jornalistas Livres:
Apagaram tudo
Pintaram tudo de cinza
Só ficou no muro tristeza e tinta fresca
[Gentileza, Marisa Monte] (*)
O grafite alastrou-se nos espaços públicos mundiais a partir da década de 1970, embalado pelo ritmo do hip hop e no contexto das lutas pelos direitos civis, dos black panthers e de diversas formas de questionamento ao capitalismo selvagem. De manifestação cultural remetida a pobres, pretos, imigrantes e moradores de guetos, alcançou rapidamente a aceitação do público geral e hoje compartilha das ruas mundo afora, além das mais caras galerias de arte dos diferentes países.
Os murais e pinturas de Jean-Michel Basquiat, artista neo-expressionista nova-iorquino, contribuíram para a consolidação dessa manifestação cultural que também deve ser lida como uma maneira dos grupos socialmente marginalizados deixarem sua marca e serem ouvidos nas excludentes metrópoles contemporâneas. Portanto, o grafite é, além de arte, um desesperado grito para dizer que os diferentes atores sociais são pertencentes a tal lugar e este lhes pertence. Por conseguinte, esses grupos passam a intervir na rotina e nos rumos desses lugares.
Estudos recentes revelam que os grafites – enquanto manifestação de jovens pobres, negros e moradores de regiões desprestigiadas com serviços públicos – nas áreas centrais e bairros nobres contribuíram para que esses indivíduos se tornassem cidadãos e pertencentes à urbe. Dessa forma, hoje é possível encontrar grafites nas ruas, metrôs, galerias das principais cidades mundiais, com destaque para Berlim e Nova Iorque.
A cidade de São Paulo também se destaca com a presença e valorização da chamada “arte de rua”, a ponto de ser conhecida como a “Meca do Grafite”. Diversos muros e faixas de prédios são ornados com desenhos de distintos artistas que alegram e trazem contraste ao tom pastel da metrópole.
O reconhecimento dos grafiteiros paulistas ultrapassou as fronteiras e as pinturas e murais de diferentes representantes da terra da garoa são admiradas em diversas partes do planeta, como é o caso dos trabalhos de Eduardo Kobra, Os Gêmeos (Otávio e Gustavo Pandolfo), Flip (Felipe Yung), entre outros.
No entanto, a luta de uma manifestação artística que busca, entre outras coisas, dar voz àqueles grupos que tradicionalmente são tolhidos, emudecidos, e que, consequentemente, deixam sua marca na quarta maior cidade do mundo, corre o risco de desaparecer com a ação da gestão do prefeito recém empossado João Dória Jr (PSDB).
Antes de assumir o cargo, Dória já havia anunciado uma cruzada higienista contra os pichadores e seus “pixos” (projeto Cidade Linda). Revelando uma total incompreensão sobre o universo e dinâmica da arte de rua, nesta segunda quinzena de janeiro, o executivo municipal ordenou pintar de cinza vários grafites desenvolvidos na cidade alegando que os mesmos estariam velhos e “vandalizados”. Assim, São Paulo acordou, nos últimos dias, menos colorida e coberta de cinza. A avenida 23 de Maio, importante via que liga a região central à zona sul da capital paulista – e um verdadeiro museu a céu aberto, com 70 murais – amanheceu com muitos dos seus grafites vandalizados pelo cinza da gestão Dória.
Muitos desses grafites da avenida foram confeccionados em 2015 por meio de um Edital público que contou com a participação de diferentes grafiteiros brasileiros e internacionais. A ação, envolvendo a antiga gestão municipal, ONG’s, movimentos sociais, empresários e artistas, foi elogiada em várias partes do mundo, transformando a 23 de Maio em atração turística.
Dessa forma, além de negar o princípio de pertencimento de grupos socialmente marginalizados, a ação da gestão Dória recorre à prática arcaica de reescrever a história a partir da destruição de monumentos e imagens que soam incomodar, a ponto de demonstrar a repulsa dos governantes. No Império Romano, a damnatio memoriae (condenação da memória) era a forma institucionalizada de adulterar ou destruir parte ou integralmente monumentos e/ou registros que trouxessem imagens ou inscrições comemorativas de imperadores mortos. Por conseguinte, aquela que é conhecida no país como a “selva de pedra” foi materializada, justamente com tons de cinza, por uma administração que tenta apagar os registros daqueles que buscam transformar São Paulo em uma cidade alegre e inclusiva.
(*) Esta frase da canção de Marisa Monte, se refere ao artista conhecido como Profeta Gentileza que fazia grafites/murais no Rio de Janeiro.
Pintaram tudo de cinza
Só ficou no muro tristeza e tinta fresca
[Gentileza, Marisa Monte] (*)
O grafite alastrou-se nos espaços públicos mundiais a partir da década de 1970, embalado pelo ritmo do hip hop e no contexto das lutas pelos direitos civis, dos black panthers e de diversas formas de questionamento ao capitalismo selvagem. De manifestação cultural remetida a pobres, pretos, imigrantes e moradores de guetos, alcançou rapidamente a aceitação do público geral e hoje compartilha das ruas mundo afora, além das mais caras galerias de arte dos diferentes países.
Os murais e pinturas de Jean-Michel Basquiat, artista neo-expressionista nova-iorquino, contribuíram para a consolidação dessa manifestação cultural que também deve ser lida como uma maneira dos grupos socialmente marginalizados deixarem sua marca e serem ouvidos nas excludentes metrópoles contemporâneas. Portanto, o grafite é, além de arte, um desesperado grito para dizer que os diferentes atores sociais são pertencentes a tal lugar e este lhes pertence. Por conseguinte, esses grupos passam a intervir na rotina e nos rumos desses lugares.
Estudos recentes revelam que os grafites – enquanto manifestação de jovens pobres, negros e moradores de regiões desprestigiadas com serviços públicos – nas áreas centrais e bairros nobres contribuíram para que esses indivíduos se tornassem cidadãos e pertencentes à urbe. Dessa forma, hoje é possível encontrar grafites nas ruas, metrôs, galerias das principais cidades mundiais, com destaque para Berlim e Nova Iorque.
A cidade de São Paulo também se destaca com a presença e valorização da chamada “arte de rua”, a ponto de ser conhecida como a “Meca do Grafite”. Diversos muros e faixas de prédios são ornados com desenhos de distintos artistas que alegram e trazem contraste ao tom pastel da metrópole.
O reconhecimento dos grafiteiros paulistas ultrapassou as fronteiras e as pinturas e murais de diferentes representantes da terra da garoa são admiradas em diversas partes do planeta, como é o caso dos trabalhos de Eduardo Kobra, Os Gêmeos (Otávio e Gustavo Pandolfo), Flip (Felipe Yung), entre outros.
No entanto, a luta de uma manifestação artística que busca, entre outras coisas, dar voz àqueles grupos que tradicionalmente são tolhidos, emudecidos, e que, consequentemente, deixam sua marca na quarta maior cidade do mundo, corre o risco de desaparecer com a ação da gestão do prefeito recém empossado João Dória Jr (PSDB).
Antes de assumir o cargo, Dória já havia anunciado uma cruzada higienista contra os pichadores e seus “pixos” (projeto Cidade Linda). Revelando uma total incompreensão sobre o universo e dinâmica da arte de rua, nesta segunda quinzena de janeiro, o executivo municipal ordenou pintar de cinza vários grafites desenvolvidos na cidade alegando que os mesmos estariam velhos e “vandalizados”. Assim, São Paulo acordou, nos últimos dias, menos colorida e coberta de cinza. A avenida 23 de Maio, importante via que liga a região central à zona sul da capital paulista – e um verdadeiro museu a céu aberto, com 70 murais – amanheceu com muitos dos seus grafites vandalizados pelo cinza da gestão Dória.
Muitos desses grafites da avenida foram confeccionados em 2015 por meio de um Edital público que contou com a participação de diferentes grafiteiros brasileiros e internacionais. A ação, envolvendo a antiga gestão municipal, ONG’s, movimentos sociais, empresários e artistas, foi elogiada em várias partes do mundo, transformando a 23 de Maio em atração turística.
Dessa forma, além de negar o princípio de pertencimento de grupos socialmente marginalizados, a ação da gestão Dória recorre à prática arcaica de reescrever a história a partir da destruição de monumentos e imagens que soam incomodar, a ponto de demonstrar a repulsa dos governantes. No Império Romano, a damnatio memoriae (condenação da memória) era a forma institucionalizada de adulterar ou destruir parte ou integralmente monumentos e/ou registros que trouxessem imagens ou inscrições comemorativas de imperadores mortos. Por conseguinte, aquela que é conhecida no país como a “selva de pedra” foi materializada, justamente com tons de cinza, por uma administração que tenta apagar os registros daqueles que buscam transformar São Paulo em uma cidade alegre e inclusiva.
(*) Esta frase da canção de Marisa Monte, se refere ao artista conhecido como Profeta Gentileza que fazia grafites/murais no Rio de Janeiro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comente: