Por Jorge Felix, no site Brasil Debate:
O diversionismo é o instrumento mais vulgar do marketing político. Quando o governante intenta omitir algum ato ou projeto, inventa algo atraente para a imprensa e, sobretudo, seus adversários, ocupando assim aqueles que deveriam fiscalizar ou conhecer as suas verdadeiras intenções e ações. É receita conhecida do jornalismo político em primeiros dias de mandato. O maior exemplo na história foi o de Jânio Quadros na Presidência da República com suas ordens para criar um uniforme civil (o safari), proibir o biquíni na transmissão do concurso de miss, criminalizar o lança perfume, entre outras notícias com potencial para deixar jornalistas sem dormir de tanto trabalho.
Os intelectuais também precisavam dedicar alguma atenção a essas ações porque eram requisitados no calor do debate público. Lança perfume é ou não droga? Biquíni é ou não contra os bons costumes? O suposto debate público torna-se uma grande discussão do óbvio. Emburrece a sociedade.
Depois de Jânio foi Fernando Collor quem incorporou esse espírito. Suas camisetas, corridas, esportes, situações de perigo deixaram a sociedade em polvorosa. E se ele morrer? É um irresponsável ou, por ser jovem, tem o direito de se divertir no fim de semana? Jornalistas disputavam para revelar qual seria a mensagem da próxima camiseta presidencial no jogging de domingo em torno da Casa da Dinda. Assim Collor cavava a manchete de 2ª feira.
Poderíamos também citar César Maia com seus pedidos de sorvete no açougue ou vestido de casaco em pleno verão carioca. Ele batizou essa estratégia do marketing político de “factoides”, com o único e exclusivo intuito de se tornar mais conhecido, ocupar a imprensa em detrimento a espaço que seria dado aos adversários e, assim, se preparar para a próxima eleição. Foi derrotado. Seus factoides nada melhoraram a vida dos cariocas.
Anos depois de tramar a renúncia surpresa e ajudar a empurrar o Brasil para 20 anos de ditadura militar (ou quase 30 sem eleição para presidente), Jânio morreu sem que ninguém conseguisse explicar como amealhou uma grande fortuna. Embora sempre cercado por um batalhão de jornalistas, nenhum de nós viu quem alimentava as contas para pagar altas despesas do casal Collor. Eram fantasmas, talvez, por isso, invisíveis.
De forma alguma quero defender aqui que os factoides devam ser ignorados ou que decisões como pintar a cidade de cinza não mereçam um amplo debate sobre a (não) concepção de cidade de João Dória. É necessário, no entanto, resistir à estratégia. A imprensa, sucateada, sem repórteres suficientes, é presa fácil do diversionismo. Dória ocupa quem deveria fiscalizá-lo, acompanhar o Diário Oficial, os serviços públicos, as relações da prefeitura com empresas. Confinou a imprensa a reportar seus “factoides”.
Nos anos Collor, o chargista Ique o fez como uma criancinha abrindo um presente e dentro do embrulho saía o Palácio do Planalto. Dória é igual. É uma criança numa daquelas cidades em miniatura que faz todos se sentirem Gulliver. Isto é, trata a cidade como se fosse um brinquedo e, principalmente, como lhe pertencesse. As cidades na economia atual são os lugares onde a globalização acontece de fato. As cidades são o cenário de uma guerra. Guerra por lugar, como define Raquel Rolnik. É essa guerra que os factoides procuram esconder de todos. Mas ela está sendo travada nos gabinetes do Palácio das Indústrias, nas desocupações, na periferia, nas áreas valorizadas pela especulação imobiliária e isso é que os paulistanos precisam tomar conhecimento.
Dória já deu sinais suficientes, em poucos dias, para ser diagnosticado com mixofobia. Isso agrava a guerra por espaços. A mixofobia, teoria do urbanista norte-americano Steven Flusty, provoca a erosão da justiça espacial nas cidades, a obsessão pela limpeza e por uma perigosa “ordem”. A mesma “ordem” de Michel Temer, de César Maia (que prometia trazê-la para o Rio de Janeiro e nunca tivemos notícia de seu desembarque no Santos Dummont), de Collor (com seu Partido da Reconstrução Nacional, o PRN) e, sobretudo, com Adolf Hitler.
A mixofobia tem horror ao diferente e busca dominar pela positividade. É um fenômeno bastante atual no planeta, com a ascensão de Donald Trump sob um discurso contra a imigração. Dória, como empresário, promovia seu evento anual na Ilha de Comandatuba e exigia que todos se vestissem iguais. O diferente o incomoda. E o diferente, para ele, passa a ser o culpado dos males da cidade.
Como está na letra de Caetano, Dória acha feio o que não é espelho. Assim corremos o risco de a prefeitura transformar-se também em sua semelhança. Seus amigos, seus queridos, “os seus” podem ganhar a guerra dos lugares. O paulistano e a imprensa precisam dedicar mais tempo a cobrir essa disputa e menos aos factoides. Essa disputa envolve bilhões de dólares. São Paulo é uma “cidade global”, aquela forjada para servir aos fluxos de capital que viajam pelo planeta nas redes do computador, mas que se materializam no seu solo urbano. Isso precisa ser a notícia.
Essa perversa dinâmica é que faz da cidade um espaço de expulsão, de exclusão, de velocidade máxima, de ausência de locais simplesmente para ficar, seja para conversar, para brincar carnaval, para fazer arte, virada cultural ou para morar na rua. Tudo é expulso para a cidade ficar à mercê dos iguais e do fluxo sem fim. A bicicleta, por exemplo, é vista como um estorvo ao movimento do dinheiro. Virou símbolo da lentidão e da mistura indesejada, da cessão de um espaço em litígio.
A mixofobia de Dória está a serviço desse ritmo frenético. A cidade deixa de ser o último espaço capaz de suavizar os malefícios da globalização e passa a ser uma fomentadora do agravamento de suas mazelas. São Paulo sempre foi uma cidade linda. Sua beleza nunca esteve em mares, morros, montanhas ou limpeza. Sempre foi linda por sua forte polivocalidade – um coral urbano. As estranhezas de todos constroem a beleza de uma cidade. Infelizmente Dória é contra essa ideia. São Paulo, em suas mãos, está ficando feia. E o pior: alguns podem ganhar com isso e o diversionismo dos factoides esconderá os vencedores.
Os intelectuais também precisavam dedicar alguma atenção a essas ações porque eram requisitados no calor do debate público. Lança perfume é ou não droga? Biquíni é ou não contra os bons costumes? O suposto debate público torna-se uma grande discussão do óbvio. Emburrece a sociedade.
Depois de Jânio foi Fernando Collor quem incorporou esse espírito. Suas camisetas, corridas, esportes, situações de perigo deixaram a sociedade em polvorosa. E se ele morrer? É um irresponsável ou, por ser jovem, tem o direito de se divertir no fim de semana? Jornalistas disputavam para revelar qual seria a mensagem da próxima camiseta presidencial no jogging de domingo em torno da Casa da Dinda. Assim Collor cavava a manchete de 2ª feira.
Poderíamos também citar César Maia com seus pedidos de sorvete no açougue ou vestido de casaco em pleno verão carioca. Ele batizou essa estratégia do marketing político de “factoides”, com o único e exclusivo intuito de se tornar mais conhecido, ocupar a imprensa em detrimento a espaço que seria dado aos adversários e, assim, se preparar para a próxima eleição. Foi derrotado. Seus factoides nada melhoraram a vida dos cariocas.
Anos depois de tramar a renúncia surpresa e ajudar a empurrar o Brasil para 20 anos de ditadura militar (ou quase 30 sem eleição para presidente), Jânio morreu sem que ninguém conseguisse explicar como amealhou uma grande fortuna. Embora sempre cercado por um batalhão de jornalistas, nenhum de nós viu quem alimentava as contas para pagar altas despesas do casal Collor. Eram fantasmas, talvez, por isso, invisíveis.
De forma alguma quero defender aqui que os factoides devam ser ignorados ou que decisões como pintar a cidade de cinza não mereçam um amplo debate sobre a (não) concepção de cidade de João Dória. É necessário, no entanto, resistir à estratégia. A imprensa, sucateada, sem repórteres suficientes, é presa fácil do diversionismo. Dória ocupa quem deveria fiscalizá-lo, acompanhar o Diário Oficial, os serviços públicos, as relações da prefeitura com empresas. Confinou a imprensa a reportar seus “factoides”.
Nos anos Collor, o chargista Ique o fez como uma criancinha abrindo um presente e dentro do embrulho saía o Palácio do Planalto. Dória é igual. É uma criança numa daquelas cidades em miniatura que faz todos se sentirem Gulliver. Isto é, trata a cidade como se fosse um brinquedo e, principalmente, como lhe pertencesse. As cidades na economia atual são os lugares onde a globalização acontece de fato. As cidades são o cenário de uma guerra. Guerra por lugar, como define Raquel Rolnik. É essa guerra que os factoides procuram esconder de todos. Mas ela está sendo travada nos gabinetes do Palácio das Indústrias, nas desocupações, na periferia, nas áreas valorizadas pela especulação imobiliária e isso é que os paulistanos precisam tomar conhecimento.
Dória já deu sinais suficientes, em poucos dias, para ser diagnosticado com mixofobia. Isso agrava a guerra por espaços. A mixofobia, teoria do urbanista norte-americano Steven Flusty, provoca a erosão da justiça espacial nas cidades, a obsessão pela limpeza e por uma perigosa “ordem”. A mesma “ordem” de Michel Temer, de César Maia (que prometia trazê-la para o Rio de Janeiro e nunca tivemos notícia de seu desembarque no Santos Dummont), de Collor (com seu Partido da Reconstrução Nacional, o PRN) e, sobretudo, com Adolf Hitler.
A mixofobia tem horror ao diferente e busca dominar pela positividade. É um fenômeno bastante atual no planeta, com a ascensão de Donald Trump sob um discurso contra a imigração. Dória, como empresário, promovia seu evento anual na Ilha de Comandatuba e exigia que todos se vestissem iguais. O diferente o incomoda. E o diferente, para ele, passa a ser o culpado dos males da cidade.
Como está na letra de Caetano, Dória acha feio o que não é espelho. Assim corremos o risco de a prefeitura transformar-se também em sua semelhança. Seus amigos, seus queridos, “os seus” podem ganhar a guerra dos lugares. O paulistano e a imprensa precisam dedicar mais tempo a cobrir essa disputa e menos aos factoides. Essa disputa envolve bilhões de dólares. São Paulo é uma “cidade global”, aquela forjada para servir aos fluxos de capital que viajam pelo planeta nas redes do computador, mas que se materializam no seu solo urbano. Isso precisa ser a notícia.
Essa perversa dinâmica é que faz da cidade um espaço de expulsão, de exclusão, de velocidade máxima, de ausência de locais simplesmente para ficar, seja para conversar, para brincar carnaval, para fazer arte, virada cultural ou para morar na rua. Tudo é expulso para a cidade ficar à mercê dos iguais e do fluxo sem fim. A bicicleta, por exemplo, é vista como um estorvo ao movimento do dinheiro. Virou símbolo da lentidão e da mistura indesejada, da cessão de um espaço em litígio.
A mixofobia de Dória está a serviço desse ritmo frenético. A cidade deixa de ser o último espaço capaz de suavizar os malefícios da globalização e passa a ser uma fomentadora do agravamento de suas mazelas. São Paulo sempre foi uma cidade linda. Sua beleza nunca esteve em mares, morros, montanhas ou limpeza. Sempre foi linda por sua forte polivocalidade – um coral urbano. As estranhezas de todos constroem a beleza de uma cidade. Infelizmente Dória é contra essa ideia. São Paulo, em suas mãos, está ficando feia. E o pior: alguns podem ganhar com isso e o diversionismo dos factoides esconderá os vencedores.
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