sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

O que a CIA dizia sobre Lula nos anos 1980

Por Tory Oliveira, na revista CartaCapital:

Não é mais teoria da conspiração. A liberação para consulta na Internet de mais de 800 mil documentos produzidos pela CIA entre 1940 e 1990 mostra como a agência de espionagem norte-americana acompanhou de perto a emergência de movimentos organizados de trabalhadores ao final da década de 1970 e início de 1980 no País. Um personagem, em particular, chamava bastante a atenção dos analistas dedicados a produzir relatórios sobre o Brasil: Lula.

Os documentos eram públicos previamente, mas estavam disponíveis apenas no Arquivo Nacional, em Maryland, em quatro computadores que funcionavam somente em horário comercial. A CIA decidiu torná-los buscáveis na internet após uma ação judicial da organização pró-transparência MuckRock e também por conta da pressão do jornalista Michael Best, que começou a digitalizar os arquivos e divulgá-los na rede.

Um dos documentos produzidos pela CIA, intitulado Organized Labor in Brazil, descreve, ao longo de 27 páginas, o ressurgimento de movimentos de trabalhadores organizados no Brasil, destacando, em particular, a ascensão de Luiz Inácio Lula da Silva como líder sindical em São Bernardo do Campo (SP) e o início da formação do PT.

No capítulo Os problemas das lideranças trabalhistas, o documento destaca: "Acreditamos que a ascensão de Lula no final dos anos 70, usando o apoio de 300 mil metalúrgicos, foi o mais importante desenvolvimento do trabalhismo desde o golpe militar. O "fenômeno Lula" revela que o trabalhismo não é tão dócil quanto os observadores acreditavam e que, com a liderança renovada, o movimento teria potencial como uma força política"

Produzido em 1982, já no processo de abertura da Ditadura Militar (1964-1989), o documento destacava a proximidade das eleições diretas para governador, as primeiras desde os anos 60, e a influência que esses grupos de trabalhadores poderiam exercer no cenário nacional.

"O trabalhismo deverá ter o mais importante papel no processo político em quase duas décadas. Um novo partido de base dos trabalhadores, liderado por um carismático ex-sindicalista, busca ativamente construir um eleitorado trabalhista, com a ajuda de membros influentes da Igreja Católica", relata o documento.

O relatório também cita religiosos, como Dom Paulo Evaristo Arns, partidos políticos (PMDB, PDT e PDS) e a "esquerda radical" neste contexto de emergência do sindicalismo como uma força política revelante no Brasil.

"A esquerda radical é composta pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), o Movimento Revolucionário 8 de Novembro (MR-8), Convergência Socialista (CS) e outros grupos menores e menos significativos. Além de compartilharem um objetivo geral de infiltração e controle de sindicatos-chave, eles não parecem particularmente unificados em uma estratégia ou tática e nem tem sido bem sucedidos em angariar apoio popular para a sua ideologia".

Sobre o futuro do PT, à época os analistas cravaram que o partido, ainda embrionário, tinha "o maior potencial político" entre as legendas existentes na época.

"Apesar de Lula ter declarado ambiciosamente sua candidatura a governador de São Paulo, ele é realista com relação ao seu futuro político e às perspectivas do PT. Ele entende que [a projeção nacional] levará tempo e não espera que o partido tenha bons resultados inicialmente".

Sem coligação e com Hélio Bicudo como vice, Lula obteve 1.444.648 votos, 9,87% do eleitorado em 1982. Arregimentando 44,92% dos votos, o Palácio dos Bandeirantes passou a ser ocupado por Franco Montoro (PMDB).

O relatório, que cita frequentemente informações obtidas pela embaixada norte-americana no País, também traçava previsões sobre o futuro político desses movimentos em meio à distensão dos militares.

"Em nossa opinião, o trabalhismo atual parece mais maduro e realista com relação ao que conseguirá fazer e menos responsivo a argumentos políticos e ideológicos do que no início dos anos 60. Ele entende, além disso, os retornos diminutos que eventualmente resultantes de pressões excessivas ou injustificadas dos trabalhadores sobre o governo e a incerteza acerca dessa estratégia diante da moderação de Brasília nos últimos anos" .

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