Por Rachel Moreno, no site Outras Palavras:
O artigo de Carol Patrocínio, replicado pelo Ópera Mundi, faz uma excelente análise dos diversos trechos da carta de Sidnei Ramis de Araújo, que matou a mulher, o filho de 8 anos, dez convidados de uma festa de fim de ano – oito delas mulheres – e depois se suicidou, em Campinas.
Pela análise de Carol, e pelo conteúdo da carta deixada, o que parece difícil é justamente a percepção dos homens sobre a violência de gênero e os estereótipos de gênero. E isso nos remete a um terreno que convém repisar, para tentar avançar na mudança da cultura que naturaliza a violência de gênero e a submissão das mulheres – ainda que tenhamos prosperado tanto nos últimos anos, ocupando todos os espaços e tornando transversal a questão de gênero.
Para avançar na equidade e desnaturalizar a violência, é fundamental que discutamos o problema em nível de educação – tanto formal, quanto informal.
Sabemos que boa parte dos homens que são autores de violência vivenciaram-na quando crianças entre seus pais, e, sem ter onde discuti-la, passaram com o tempo a considerar natural, e depois a reproduzir, um comportamento vivido inicialmente de forma traumática. É por isso que, no que diz respeito à educação formal, batalhamos tanto por incluir, no Plano Nacional de Educação, assim como no Estadual e no Municipal, a discussão das “Questões de Gênero”.
Infelizmente, a bancada evangélica conservadora, seguida de demais segmentos conservadores – ou interessados no voto de fiéis das diversas igrejas, dada a proximidade das eleições municipais – terminaram por derrubar o que rebatizaram de “ideologia de gênero”, a pretexto de que “estimularia a pedofilia”!?!…
Mais, passaram a estimular os pais a denunciar professores e escolas que ousassem discutir qualquer questão de gênero – tendo inclusive conseguido que dois professores mais corajosos fossem demitidos.
O artigo de Carol Patrocínio, replicado pelo Ópera Mundi, faz uma excelente análise dos diversos trechos da carta de Sidnei Ramis de Araújo, que matou a mulher, o filho de 8 anos, dez convidados de uma festa de fim de ano – oito delas mulheres – e depois se suicidou, em Campinas.
Pela análise de Carol, e pelo conteúdo da carta deixada, o que parece difícil é justamente a percepção dos homens sobre a violência de gênero e os estereótipos de gênero. E isso nos remete a um terreno que convém repisar, para tentar avançar na mudança da cultura que naturaliza a violência de gênero e a submissão das mulheres – ainda que tenhamos prosperado tanto nos últimos anos, ocupando todos os espaços e tornando transversal a questão de gênero.
Para avançar na equidade e desnaturalizar a violência, é fundamental que discutamos o problema em nível de educação – tanto formal, quanto informal.
Sabemos que boa parte dos homens que são autores de violência vivenciaram-na quando crianças entre seus pais, e, sem ter onde discuti-la, passaram com o tempo a considerar natural, e depois a reproduzir, um comportamento vivido inicialmente de forma traumática. É por isso que, no que diz respeito à educação formal, batalhamos tanto por incluir, no Plano Nacional de Educação, assim como no Estadual e no Municipal, a discussão das “Questões de Gênero”.
Infelizmente, a bancada evangélica conservadora, seguida de demais segmentos conservadores – ou interessados no voto de fiéis das diversas igrejas, dada a proximidade das eleições municipais – terminaram por derrubar o que rebatizaram de “ideologia de gênero”, a pretexto de que “estimularia a pedofilia”!?!…
Mais, passaram a estimular os pais a denunciar professores e escolas que ousassem discutir qualquer questão de gênero – tendo inclusive conseguido que dois professores mais corajosos fossem demitidos.
Tentam agora aprovar o projeto “Escola sem Partido”, que proíbe debates sobre política (como se um professor de história pudesse ensinar qualquer período sem discutir a política que o envolve e justifica!), entendida em seu sentido mais amplo possível.
Embora o projeto tenha provocado manifestações de repúdio e crítica, ainda não estamos livres do risco de sua aprovação, antecipado pela redução das matérias obrigatórias no 2º. Grau: foram excluídas História, Geografia, Filosofia, Educação Física, Música ou qualquer outra que não seja português, matemática e inglês – ou ensino técnico.
Perdemos assim este espaço fundamental para discutir e desnaturalizar a violência de gênero, os estereótipos, a discriminação racial ou por orientação sexual, as diversas formas e pretextos para o bullying, etc. E perdem, esta e a próxima geração, a oportunidade de ter um espaço privilegiado para repensar os preconceitos. Não seria hora de calcular o enorme prejuízo social que a ausência de debate sobre as questões de gênero nas escolas provoca, e tentar reverter isso?
Mas há também outra poderosa educadora, esta informal, que deveria contribuir com o processo de desnaturalização da violência de gênero, mas faz exatamente o contrário: a velha mídia.
No caso de Campinas, a grande mídia agiu conforme sua tradição de ora banalizar, ora espetacularizar a violência de gênero. Ainda no fim de 2016, num dos programas de maior audiência dominical (Domingão do Faustão), o apresentador declarava que algumas mulheres sofriam violência doméstica porque “gostavam de apanhar”… E, embora a Rede Mulher e Mídia tenha entrado com processo exigindo retratação e direito de resposta, só recebemos em resposta o silêncio e a alegação de que a Globo não havia recebido a carta – que lhes foi entregue por uma portadora nossa, em nosso nome…
Pouco tempo antes, o programa Zorra Total fazia humor insinuando que a mulher vítima de assédio no transporte público deveria “aproveitar”… a “delícia” do assédio? A violência que isso representa?!.
No caso específico de Campinas, a grande mídia simplesmente reproduziu, acriticamente, a carta deixada pelo assassino. Divulgou-a, portanto.
No caso relativamente recente do estupro da jovem por 33 rapazes, no Rio de Janeiro, fartamente noticiado na grande mídia, a divulgação, como foi feita, resultou no aumento do índice de estupros do mês seguinte…
Há países que têm normas para a divulgação de casos de violência. Na Espanha, por exemplo, a mídia pode noticiar qualquer caso de violência de gênero, desde que preserve a identidade da vitima; preserve a identidade do autor da violência, até que se prove ser ele de fato o autor; divulgue a matéria incluindo uma entrevista com algum/a especialista que a analise e informe sobre a estrutura existente para defesa da vítima, de modo a lhe oferecer alternativas ao convívio continuado com o autor da violência; e acompanhe obrigatoriamente o caso até o fim, para demonstrar que a violência é passível de punição … e, de fato, punida.
Na Ley de los Medios da Argentina, há fiscalização e cláusulas que proíbem a divulgação de violência física, psicológica, patrimonial e simbólica. Entende-se por “violência simbólica” a reprodução de estereótipos e preconceitos…
No Brasil não há regra nenhuma, e a grande mídia faz o que bem quer… E ainda reage a qualquer normatização, taxando-a de “tentativa de censura”… Como se fossem eles os defensores da “liberdade de expressão” (lamentavelmente reduzida, no caso deles, à “liberdade de expressão comercial”, e no nosso, “à democratização do acesso à mídia, ao dever de mostrar a diversidade da população e a pluralidade de opiniões, etc.”).
Não temos sequer leis de punição ao estímulo do ódio de gênero, na grande mídia e nas redes sociais. Queremos a internet livre, mas falta, como há em praticamente todas as democracias, leis que punam o estímulo às diversas modalidades de ódio, incluindo o de gênero.
Temos que punir o feminicídio e todas as formas de violência de gênero. Mas temos também que desnaturalizar a violência na cultura, de modo que ela não mais pareça normal e corriqueira.
Para tanto, urge alcançar e amplificar esta visão em todas as estruturas e espaços de educação formal e informal, e de comunicação. É preciso e urgente que avancemos neste sentido e que contemos com o apoio e solidariedade de todos os segmentos sensíveis a estas questões.
Embora o projeto tenha provocado manifestações de repúdio e crítica, ainda não estamos livres do risco de sua aprovação, antecipado pela redução das matérias obrigatórias no 2º. Grau: foram excluídas História, Geografia, Filosofia, Educação Física, Música ou qualquer outra que não seja português, matemática e inglês – ou ensino técnico.
Perdemos assim este espaço fundamental para discutir e desnaturalizar a violência de gênero, os estereótipos, a discriminação racial ou por orientação sexual, as diversas formas e pretextos para o bullying, etc. E perdem, esta e a próxima geração, a oportunidade de ter um espaço privilegiado para repensar os preconceitos. Não seria hora de calcular o enorme prejuízo social que a ausência de debate sobre as questões de gênero nas escolas provoca, e tentar reverter isso?
Mas há também outra poderosa educadora, esta informal, que deveria contribuir com o processo de desnaturalização da violência de gênero, mas faz exatamente o contrário: a velha mídia.
No caso de Campinas, a grande mídia agiu conforme sua tradição de ora banalizar, ora espetacularizar a violência de gênero. Ainda no fim de 2016, num dos programas de maior audiência dominical (Domingão do Faustão), o apresentador declarava que algumas mulheres sofriam violência doméstica porque “gostavam de apanhar”… E, embora a Rede Mulher e Mídia tenha entrado com processo exigindo retratação e direito de resposta, só recebemos em resposta o silêncio e a alegação de que a Globo não havia recebido a carta – que lhes foi entregue por uma portadora nossa, em nosso nome…
Pouco tempo antes, o programa Zorra Total fazia humor insinuando que a mulher vítima de assédio no transporte público deveria “aproveitar”… a “delícia” do assédio? A violência que isso representa?!.
No caso específico de Campinas, a grande mídia simplesmente reproduziu, acriticamente, a carta deixada pelo assassino. Divulgou-a, portanto.
No caso relativamente recente do estupro da jovem por 33 rapazes, no Rio de Janeiro, fartamente noticiado na grande mídia, a divulgação, como foi feita, resultou no aumento do índice de estupros do mês seguinte…
Há países que têm normas para a divulgação de casos de violência. Na Espanha, por exemplo, a mídia pode noticiar qualquer caso de violência de gênero, desde que preserve a identidade da vitima; preserve a identidade do autor da violência, até que se prove ser ele de fato o autor; divulgue a matéria incluindo uma entrevista com algum/a especialista que a analise e informe sobre a estrutura existente para defesa da vítima, de modo a lhe oferecer alternativas ao convívio continuado com o autor da violência; e acompanhe obrigatoriamente o caso até o fim, para demonstrar que a violência é passível de punição … e, de fato, punida.
Na Ley de los Medios da Argentina, há fiscalização e cláusulas que proíbem a divulgação de violência física, psicológica, patrimonial e simbólica. Entende-se por “violência simbólica” a reprodução de estereótipos e preconceitos…
No Brasil não há regra nenhuma, e a grande mídia faz o que bem quer… E ainda reage a qualquer normatização, taxando-a de “tentativa de censura”… Como se fossem eles os defensores da “liberdade de expressão” (lamentavelmente reduzida, no caso deles, à “liberdade de expressão comercial”, e no nosso, “à democratização do acesso à mídia, ao dever de mostrar a diversidade da população e a pluralidade de opiniões, etc.”).
Não temos sequer leis de punição ao estímulo do ódio de gênero, na grande mídia e nas redes sociais. Queremos a internet livre, mas falta, como há em praticamente todas as democracias, leis que punam o estímulo às diversas modalidades de ódio, incluindo o de gênero.
Temos que punir o feminicídio e todas as formas de violência de gênero. Mas temos também que desnaturalizar a violência na cultura, de modo que ela não mais pareça normal e corriqueira.
Para tanto, urge alcançar e amplificar esta visão em todas as estruturas e espaços de educação formal e informal, e de comunicação. É preciso e urgente que avancemos neste sentido e que contemos com o apoio e solidariedade de todos os segmentos sensíveis a estas questões.
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