10 de dezembro de 2015. Fábio Cleto, recém-exonerado da vice-presidência da Caixa Econômica Federal pela presidenta Dilma Rousseff, é preso na Operação Catilinárias, uma das etapas da Lava Jato.
Cleto faz acordo de delação premiada e afirma que o doleiro Lúcio Bolonha Funaro e o então deputado federal e presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), comandavam o esquema de cobrança de propinas de empresas interessadas em obter empréstimos do Fundo de Investimentos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FI-FGTS).
Diz também que, embora tivesse o poder de indicar os projetos nos quais a Caixa deveria investir, suas decisões, na verdade, se pautavam pela conveniência de Cunha.
Em dezembro de 2015, a Catilinárias cumpre também mandado de busca e apreensão na residência oficial e no gabinete de Eduardo Cunha.
Em 1º de julho de 2016, Funaro é preso. Em 19 de outubro, Cunha também.
13 de janeiro de 2017, sexta-feira passada. Geddel Vieira Lima (PMDB-BA) é alvo da Operação Cui Bono?, deflagrada pela Polícia Federal, que faz busca e apreensão em imóveis do ex-ministro na Bahia.
Geddel deixou a Secretaria de Governo de Michel Temer em 25 de novembro de 2016, acusado pelo ex-ministro da Cultura, Marcelo Calero, de fazer pressão para a liberação de um empreendimento imobiliário em Salvador, no qual tinha apartamento.
A Operação Cui Bono? (“a quem beneficia?”, em latim) é um desdobramento da Catilinárias, realizada em dezembro de 2015. Na época, a PF apreendeu um celular em desuso na casa de Cunha que, após ser periciado, acabou por revelar o esquema de fraudes na Caixa.
O aparelho continha intensa troca de mensagens eletrônicas entre Cunha e Geddel, que era vice-presidente da Caixa Econômica Federal de Pessoa Jurídica entre 2011 e 2013.
Relatório da Polícia Federal aponta que Geddel atuava “em prévio e harmônico ajuste” com Cunha, para facilitar a liberação de empréstimos da Caixa Econômica Federal a empresas e, em troca, receber propina.
Relatório da Polícia Federal da Operação Cui Bono? cita outro aliado de Michel Temer: o atual vice-presidente de governo da Caixa, Roberto Derziê de Sant´Anna.
Ele é apontado como participante do esquema de concessão de financiamentos do banco que funcionava mediante pagamento de propinas.
Derziê aparece na parte do relatório que detalha a operação para a liberação de um crédito de R$ 50 milhões para a empresa Oeste Sul Empreendimentos Imobiliários, vinculada ao grupo Comporte Participações. O Comporte pertence à família Constantino, controladora da Gol Linhas Aéreas.
Detalhe: embora Geddel e Derziê sejam muito próximos de Michel Temer, a mídia se comporta como se o presidente não tivesse nada a ver com eles.
Conversei com o deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS) a respeito. Confira a entrevista exclusiva:
Por que essa blindagem?
Essa operação [Cui Bono?, que fez busca e apreensão nos imóveis de Geddel] chega direto no Temer, ele é o chefe da quadrilha.
Em que o senhor se baseia para fazer essa afirmação?
Dois episódios demonstram isso. No celular apreendido na casa do Eduardo Cunha em dezembro de 2015, tem uma conversa entre o Funaro (codinome Lucky), que era o operador de Cunha, e Fábio Cleto (codinome Gordon Gekko) sobre o Geddel.
O Funaro reclama que não aguentava mais o Geddel, pedindo dinheiro. Lá pelas tantas, o Funaro fala: se o Geddel não parasse, “vou foder ele com o Michel”.
É tal quando você pega uma criança fazendo algo errado e ameaça: “vou contar para o teu pai”.
Ou, quando se quer pressionar uma pessoa, você se refere sempre a alguém superior a ela.
Então a maneira que eles tinham de pressionar o Geddel para pedir menos dinheiro, era ameaçá-lo de contar tudo ao Temer.
Na apreensão da última sexta-feira, surge outra situação envolvendo uma polêmica com o Geddel. E de novo a inferência é a mesma. Se ele não parar, nós vamos ao Temer. No primeiro caso, era sobre o FGTS. Agora, é sobre empréstimos na Caixa Econômica, da qual Geddel foi vice-presidente de pessoa jurídica de 2011 a 2013.
Então, são duas operações, onde há referências expressas do Funaro que demonstram que o Temer é o chefe. Do meu ponto de vista, a simples análise das transcrições da Polícia Federal já demonstra isso.
É suficiente para dizer que o Temer é o chefe?
Se isso não é suficiente, vamos ao seguinte. No relatório da Polícia Federal sobre a Operação Cui Bono? aparece o nome do Roberto Derziê de San´Anna, atual vice-presidente de governo da Caixa.
O Derziê surgiu trabalhando com o Moreira Franco (PMDB-RJ). Depois, foi alçado a uma vice-presidência da Caixa Econômica Federal.
Quando Dilma convidou Temer [em 2015, era vice-presidente] para ir para a SRI [Secretaria de Relações Institucionais], ele levou o Roberto Derziê, para ser o secretário-executivo.
Como o Temer acumulava a vice-presidência com a SRI, na prática, era o Derziê quem fazia toda a relação com os deputados, senadores, liberação de emendas.
Quando Temer sai da SRI, o Geddel é exonerado da Caixa, quem é colocado de volta?
É o Derziê, no lugar do Geddel.
Então, o Derziê trabalhou com o Moreira Franco, com o Geddel e com o Eliseu Padilha (PMDB-RS) na SRI.
Quando o Temer assumiu, por que o Derziê não foi nomeado logo vice-presidente da Caixa?
Porque ele ficou até o final, foi demitido pela Dilma e ficou em quarentena. Por isso, ele só pode ser nomeado no final do 2016.
Ele volta para a Caixa para ocupar a vice-presidência de pessoa jurídica, que é justamente a que vai lidar com as empresas.
O que demonstra isso?
Seletividade. Com todas as informações que constam no relatório da PF, por que o Derziê não foi preso ou levado coercitivamente? Por que também o Geddel não foi preso nem levado coercitivamente para depor?
Afinal, eles não têm foro privilegiado e pessoas com muito menos envolvimento estão presas em Curitiba e Brasília.
Por quê?
É uma proteção da própria Justiça.
Se pegarem o Geddel ou o Derziê, automaticamente eles vão pegar o Temer.
Por que a mídia não pediu a cabeça do Geddel ou do Derziê?
Por que ninguém - inclusive a mídia - achou estranho o Geddel, a quem Funaro se refere sempre como “boca de jacaré”, não ter sido levado coercitivamente?
Qualquer um dos dois que for preso, vai abrir a boca, vai entregar.
E se falarem, o Temer cai.
Veja bem. Se eu, um deputado, tenho condições com as informações disponíveis de apresentar para ti esse caminho, imagina a Polícia Federal, a Lava Jato.
Tudo isso seria do conhecimento tanto da Polícia Federal quanto da Lava Jato?
Claro! Se eu, sem os instrumentos que eles têm, simplesmente me baseando nos relatórios, estou fazendo as conexões, é evidente que eles sabem. Tudo o que estou te dizendo aqui eles sabem: o Derzié é o elo da quadrilha, e o Temer o chefe.
Eles têm o potencial para serem um novo Cunha?
Não. O Cunha é outro esquema. O Geddel e o Derziê faziam a ponte do Temer com o Cunha.
Tem três grupos. Um grupo é o do Senado. Quem comandava a relação do Senado com o Temer era o Jucá [Romero Jucá, PMDB-RR] e o Eunício [Eunício Oliveira, PMDB-CE], mas principalmente o Jucá. O Renan [Renan Calheiros, PMSD-AL] corre em faixa própria.
O núcleo da Câmara era comandado pelo Eduardo Cunha.
O Geddel, o Moreira Franco e o Padilha se articulavam com os interesses desses dois grupos dentro do executivo. Eles já eram instrumentos do PMDB quando o Temer era vice-presidente. Vieram do PMDB com Temer para dentro do palácio.
O Temer comanda os três grupos?
Quem administrava esses três grupos dentro do PMDB era o Temer, que presidia o partido. O Padilha era presidente da Fundação Ulisses Guimarães. Jucá, o vice-presidente. O Renan era presidente do Senado e o Eduardo Cunha, o presidente da Câmara.
E o Temer administrava isso tudo. Garantia o Geddel num cargo importante. O Moreira Franco, noutro.
Quando ele vem para o núcleo do golpe, ele monta um núcleo com os três caras mais próximos dele: Moreira Franco, secretário especial, Padilha, chefe da Casa Civil e o Geddel, secretário-geral. Foi para esse núcleo que ele trouxe os grandes projetos de privatização.
O silêncio da mídia é mesmo para blindar o Temer?
Exatamente. Como se o Temer não tivesse nada a ver com esses caras. Se a PF tivesse um mínimo de coerência com a conduta que tem tido com situações muito menos graves, ela teria pelo menos levado coercitivamente para depor o Geddel e o Derziê.
Para mim é mais uma prova robusta da seletividade, da falta de critério e da utilização política do poder judiciário no projeto do golpe.
Da mesma forma que o STF sabia que se afastasse o Renan do Senado, desarranjaria o golpe. Eles sabem que se pegarem o Geddel ou o Derziê, eles avançam o sinal muito próximo ao Temer.
Isso vale para a PF, Lava Jato, STF, MPF?
Claro, para o comando de todos os setores do Judiciário capturados pelo projeto do golpe.
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