sábado, 11 de fevereiro de 2017

Do que morreu Marisa Letícia?

Por Elvino Bohn Gass, no site Sul-21:

Minutos após o diagnóstico de morte cerebral de Marisa Letícia, ouviram-se foguetes. Nas redes, um médico ensinava como matá-la sem vestígios; e um promotor afirmava que o AVC atingira a “pessoa errada”. Em comum nos fogos desalmados, na receita macabra e na ironia sicária, a celebração da dor alheia e o desejo de morte que, travestido de moralidade, despreza o Estado de Direito. Ódio cevado a tal ponto, que faz desaparecer em quem o expõe, o censo de limite ou vergonha. Crueldade requintada que, até onde sabe a medicina, só se verifica em psicopatas.

Mas por que uma mulher que aos 11 anos já trabalhava como doméstica, se torna alvo desse horror? Ora, Marisa era a companheira de Lula. Não do operário, sindicalista, líder político, mas do Lula presidente. Do Lula que desafiou a lógica da Casa Grande brasileira, historicamente detentora do mando e acostumada a subjugar empregados. E apesar da discrição como primeira-dama, Marisa virou símbolo de ascensão social quando modernizou o penteado e o guarda-roupas; um acinte aos nossos endinheirados que nunca ofereceram às domésticas uma cadeira na mesa de jantar e, nas suas idas a Paris, sempre preferiram as lojas aos museus.

A isso, some-se o fato de que, para tirar o PT do poder, os derrotados nas urnas criaram “a grande máscara, atrás da qual se escondem os velhos oligarcas” (Élio Gaspari, O Globo 5/02/17) e, com ela na cara, repetiram coisas como “o partido mais corrupto do país” e preparam a cama para qualquer um defendesse o PT. Imagine-se, então, defender Lula! Imagine-se, então, ser companheira dele!!!

E Marisa era mais do que a esposa. Petista de primeira hora, foi ela quem bordou a primeira estrela e organizou as companheiras do sindicato. Sem arroubo, manteve na família Silva o desejo de que outras tantas mulheres pobres não dormissem mais no quartinho abafado nem comessem restos de almoço. Sim, Marisa foi vítima de uma expressão política que, mesmo sem as luzes da mídia, teve sua importância percebida pelos que não toleram os lutadores da igualdade e que, contra ela, usaram suas armas medievais: a hipocrisia, o preconceito de classe e o ódio irracional. Ódio este que, se não for tratado, estancado, extinto, ainda vai matar muita gente.

* Ervino Bohn Gass é deputado federal (RS) e Secretário Nacional Agrário do PT.

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