O Brasil se afastou da América do Sul

Foto: Paulo Pinto/Agência PT

Por Bruno Hoffmann, no site do PT:

Ex-ministro das Relações Exteriores do governo Lula, Celso Amorim analisou a condução atual da política externa brasileira e como o golpe comandado por Michel Temer repercutiu negativamente pelo mundo.

“O presidente Lula tinha trânsito em qualquer lugar e havia muito respeito pela presidenta Dilma. Agora, diante deste governo atual, que não foi eleito e surgiu de uma situação altamente discutível, todo o mundo tem noção clara do que está acontecendo por aqui”, explicou, em entrevista à Agência PT.

Para o ex-chanceler, os jornais internacionais – inclusive os mais conservadores – não têm poupado o governo Temer de críticas pesadas.

“A deposição sem crime de corrupção da presidenta Dilma e os sucessivos escândalos que se seguiram são situações muito graves. Hoje em dia, o planeta está interconectado. Não só os jornais de esquerda estão criticando o Brasil, mas o ‘Washington Post’, o ‘Le Monde’, o ‘New York Times’…”.

No campo da política externa, uma das principais críticas de Amorim em relação ao governo golpista é sobre a diminuição da relação com países sul-americanos não alinhados à sua política, como a Venezuela.

“O Brasil tem 10 fronteiras. Não se pode dar ao luxo de dizer ‘eu não gosto desse país, então não vou ter relação com ele’. Não é assim que se faz política internacional. Não digo que [Nicolás, presidente da Venezuela] Maduro esteja acima de críticas, mas não ter relação com países que fazem fronteira conosco por questões ideológicas é um enorme erro”, afirma.

O Brasil tem 10 fronteiras. Não se pode dar ao luxo de dizer ‘eu não gosto desse país, então não vou ter relação com ele’. Não é assim que se faz política internacional.

“Quem dizia que nossa diplomacia era ideológica não sabia o que estava dizendo. Ideológico é um país que é quase metade da América do Sul não ter relações com os vizinhos. A integração sul-americana é um objetivo que deve ser perseguido independente de pensamentos políticos’.

Além do afastamento de alguns países da América do Sul, Amorim também criticou o distanciamento de outras regiões estratégicas do planeta.

“O Brasil mal tem presença na África. No início [do governo Temer] houve até a ideia lamentável de fechar embaixadas no continente. É óbvio que tudo bem ter boas relações com a Europa, mas não é assim o jeito certo de se agir. Aliás, foi com Lula e Dilma que se estabeleceu uma parceria estratégica com a União Europeia e um diálogo global com os Estados Unidos, coisas que não existiam”.
Relações internacionais ativa e altiva

De acordo com Amorim, por muito tempo na história do Brasil faltou coragem das relações exteriores levar a posição do País à frente. Fazia-se uma política discreta e havia uma grande preocupação em não desagradar os Estados Unidos. Com Lula, esse modelo mudou.

“O Brasil passou a fazer o que queria, aprendeu a ter mais protagonismo nas relações internacionais. Por exemplo, quisemos nos aproximar mais dos países da América do Sul e nos aproximamos, inclusive os que eram mais à direita, como a Colômbia, com quem criamos ótima relação. Também nos relacionamos de forma muito boa com a África e o Oriente Médio, assim como com a Europa e os Estados Unidos”.

Com uma política com mais auto-estima, a importância do País começou a crescer aos olho do mundo, explica ele. Para ilustrar, lembrou que, certa vez, o primeiro-ministro do Egito o telefonou para fazer um pedido: ‘Pede para o Lula conversar com o Shimon Peres [então presidente de Israel]’. Logo depois, o político egípcio salientou: ‘Não despreze o poder do Brasil’”.

Para o ex-chanceler de Lula, o Brasil precisa realizar uma política externa “ativa e altiva”. Ele explica o termo: “Significa ser capaz não só de reagir à agenda internacional – e tem que reagir quando há algo desfavorável, como foi a Alca -, mas também ser capaz de ajudar a fazer a agenda internacional”.

Amorim dá exemplos de resultados positivos de uma política externa “ativa e altiva” do Brasil.

“Lula e Dilma contribuíram para fazer a agenda em iniciativas como a Unasul, os Brics, o Ibas (Fórum de Diálogo Índia, Brasil e África do Sul), a cúpula com países árabes. Nós apoiamos esses movimentos e soubemos usá-los em proveito nosso e de outros países em desenvolvimento”.

Além de ter sido eleito democraticamente, a grande diferença entre as políticas externas de Lula e Temer, explica Amorim, é que no tempo do ex-presidente havia abertura mundial ao diálogo. “O diálogo era a grande característica do governo Lula”, afirma.