Por Francisco Menezes, na revista CartaCapital:
Pesquisas de opinião vêm sendo realizadas há alguns anos, indagando aos entrevistados quais são suas maiores preocupações dentre as adversidades que enfrentam. Em geral, não existe muita variação nos resultados, com serviços públicos, como saúde e segurança, aparecendo com frequência nos primeiros lugares.
Em estudo recente, realizado no segundo semestre de 2016, pelas organizações ActionAid e Ibase, com foco na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, um tema que era recorrente e havia desaparecido por algum tempo desta lista incômoda voltou a ganhar expressão entre os problemas que mais afligem as pessoas que se encontram em condição de pobreza, em alguns casos como ameaça, em outros como um fato já consumado: o desemprego.
O Brasil atingiu em data ainda recente uma condição muito próxima do pleno emprego. Diante disso, o alto índice de pessoas que citaram o desemprego como uma das principais mazelas do País na pesquisa mencionada, e que ouviu 400 pessoas com renda mensal per capita de até meio salário mínimo, demanda análises sobre causas e efeitos.
É sabido que o atual índice de desocupação no País afeta a todos, embora apareça com maior destaque no meio urbano, que é sempre mais sensível na percepção dos impactos de processos recessivos da economia, como o que agora vivemos.
Neste sentido, a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, que foi o foco do estudo, aparece como uma boa amostra para o problema, embora traga algumas especificidades que agravaram esse quadro e merecem ser mencionadas: o fim dos preparativos para as Olimpíadas de 2016, que produzira momentaneamente forte dinamização da construção civil, se somou aos efeitos da crise na Petrobras, com a paralisação de obras no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj).
Foram fatos que, juntos a todo o desandar da economia brasileira, se constituíram nos principais geradores da desocupação de milhares de trabalhadores nesta região.
A pesquisa de ActionAid e Ibase verificou a mobilidade social, as aspirações e os receios da população pobre naquela região, bem como o juízo que fazem dos serviços públicos a que têm acesso, a partir da perspectiva de que a pobreza e a desigualdade se superam com distribuição de renda, mas também com a promoção da cidadania, que passa pelo acesso a serviços básicos de qualidade.
Nas entrevistas com chefes de famílias cuja renda mensal total não ultrapassa três salários mínimos, a palavra “crise” esteve quase que permanentemente presente, sendo a ela atribuída a responsabilidade pelas dificuldades enfrentadas. E, por crise, essas pessoas entendem a combinação de desemprego com preços que avaliam como muito elevados, prejudicando a aquisição de bens que lhes são essenciais.
Observou-se também que, nos últimos dois anos, grande parte dos que ficaram desempregados eram trabalhadores de carteira assinada e aqueles que conseguiram se recolocar em atividades que lhes oferecem alguma remuneração migraram majoritariamente para o trabalho informal. Verificou-se ainda que o trabalho formal voltou a ser uma importante aspiração para este público, senão seu principal desejo.
Quando se indaga acerca das expectativas para o futuro próximo, a reação é de pessimismo por não acreditarem que conseguirão escapar no curto prazo das consequências que a atual crise gera. Cresce também o número daqueles que desistem de procurar uma colocação. Com isso, aumenta a demanda por maior assistência do Estado e a dependência aos programas de transferência de renda, muitas vezes, apontados pelos entrevistados como indispensáveis para a própria sobrevivência.
Para um futuro mais distante, as pessoas não perderam, porém, as esperanças, acreditando que seus filhos, quando adultos, serão beneficiados pelo acesso que passaram a ter a níveis escolares mais elevados.
Na avaliação sobre os serviços, o tema da segurança pública, que é sempre motivo de muita apreensão na Região Metropolitana do Rio, apresentou uma particularidade: na capital e em cidades de maior porte, a polícia é frequentemente considerada como um problema, quando não uma ameaça, ao mesmo tempo em que, nos municípios menores, a reclamação se dá pela ausência ou escassez de policiamento.
Já na avaliação da saúde, observa-se um grau baixo de compreensão do sistema: talvez pela corrente falta de informação sobre a abrangência do SUS no País, mas provavelmente também devido à falta de recursos para aplicação no serviço, agravada pela crise, os entrevistados concentravam suas críticas na demora para marcação e atendimento, seja no caso de consultas, seja para atendimento de emergência.
Ficou clara a reprodução do discurso pelos entrevistados sobre a ineficiência do sistema, acalentando ilusões sobre o que a rede privada poderia lhes oferecer enquanto consumidores, o que esvazia a dimensão de saúde como direito proposta pelo SUS. Já no caso da educação, a avaliação é um pouco melhor, pois toma como parâmetro a qualidade do serviço que acessaram quando eram jovens.
Uma peculiaridade do momento atravessado pelo País, e que aparece refletida nos resultados da pesquisa, reside no fato de que o Brasil vive não apenas uma ruptura no processo de ascensão social e melhoria das condições de vida de grande parte da população: reverteram-se também as expectativas de progresso e realizações materiais e imateriais. Esse é o mal-estar da descrença nas possibilidades futuras que cresce e toma rumos ainda não definidos.
As percepções e os temores que agora são captados junto a esta população de baixa renda servem como alerta do que poderá acontecer em futuro breve, diante da continuidade da recessão, do crescimento do desemprego e também como resultado das medidas recém-aprovadas pelo Congresso Nacional, como foi o caso da emenda na Constituição Federal que estabelece o teto de gastos com os serviços públicos e atinge frontalmente a seguridade social.
Ainda confusa sobre estes e outros significados, esta população socialmente mais vulnerável compreenderá, em breve, o preço que lhe será cobrado.
* Francisco Menezes, economista, coordenou a pesquisa "Mobilidade Social e Acesso a Direitos na Região Metropolitana do Rio de Janeiro", é ex-presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, coordenador do Ibase e consultor de Políticas da ActionAid no Brasil.
Em estudo recente, realizado no segundo semestre de 2016, pelas organizações ActionAid e Ibase, com foco na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, um tema que era recorrente e havia desaparecido por algum tempo desta lista incômoda voltou a ganhar expressão entre os problemas que mais afligem as pessoas que se encontram em condição de pobreza, em alguns casos como ameaça, em outros como um fato já consumado: o desemprego.
O Brasil atingiu em data ainda recente uma condição muito próxima do pleno emprego. Diante disso, o alto índice de pessoas que citaram o desemprego como uma das principais mazelas do País na pesquisa mencionada, e que ouviu 400 pessoas com renda mensal per capita de até meio salário mínimo, demanda análises sobre causas e efeitos.
É sabido que o atual índice de desocupação no País afeta a todos, embora apareça com maior destaque no meio urbano, que é sempre mais sensível na percepção dos impactos de processos recessivos da economia, como o que agora vivemos.
Neste sentido, a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, que foi o foco do estudo, aparece como uma boa amostra para o problema, embora traga algumas especificidades que agravaram esse quadro e merecem ser mencionadas: o fim dos preparativos para as Olimpíadas de 2016, que produzira momentaneamente forte dinamização da construção civil, se somou aos efeitos da crise na Petrobras, com a paralisação de obras no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj).
Foram fatos que, juntos a todo o desandar da economia brasileira, se constituíram nos principais geradores da desocupação de milhares de trabalhadores nesta região.
A pesquisa de ActionAid e Ibase verificou a mobilidade social, as aspirações e os receios da população pobre naquela região, bem como o juízo que fazem dos serviços públicos a que têm acesso, a partir da perspectiva de que a pobreza e a desigualdade se superam com distribuição de renda, mas também com a promoção da cidadania, que passa pelo acesso a serviços básicos de qualidade.
Nas entrevistas com chefes de famílias cuja renda mensal total não ultrapassa três salários mínimos, a palavra “crise” esteve quase que permanentemente presente, sendo a ela atribuída a responsabilidade pelas dificuldades enfrentadas. E, por crise, essas pessoas entendem a combinação de desemprego com preços que avaliam como muito elevados, prejudicando a aquisição de bens que lhes são essenciais.
Observou-se também que, nos últimos dois anos, grande parte dos que ficaram desempregados eram trabalhadores de carteira assinada e aqueles que conseguiram se recolocar em atividades que lhes oferecem alguma remuneração migraram majoritariamente para o trabalho informal. Verificou-se ainda que o trabalho formal voltou a ser uma importante aspiração para este público, senão seu principal desejo.
Quando se indaga acerca das expectativas para o futuro próximo, a reação é de pessimismo por não acreditarem que conseguirão escapar no curto prazo das consequências que a atual crise gera. Cresce também o número daqueles que desistem de procurar uma colocação. Com isso, aumenta a demanda por maior assistência do Estado e a dependência aos programas de transferência de renda, muitas vezes, apontados pelos entrevistados como indispensáveis para a própria sobrevivência.
Para um futuro mais distante, as pessoas não perderam, porém, as esperanças, acreditando que seus filhos, quando adultos, serão beneficiados pelo acesso que passaram a ter a níveis escolares mais elevados.
Na avaliação sobre os serviços, o tema da segurança pública, que é sempre motivo de muita apreensão na Região Metropolitana do Rio, apresentou uma particularidade: na capital e em cidades de maior porte, a polícia é frequentemente considerada como um problema, quando não uma ameaça, ao mesmo tempo em que, nos municípios menores, a reclamação se dá pela ausência ou escassez de policiamento.
Já na avaliação da saúde, observa-se um grau baixo de compreensão do sistema: talvez pela corrente falta de informação sobre a abrangência do SUS no País, mas provavelmente também devido à falta de recursos para aplicação no serviço, agravada pela crise, os entrevistados concentravam suas críticas na demora para marcação e atendimento, seja no caso de consultas, seja para atendimento de emergência.
Ficou clara a reprodução do discurso pelos entrevistados sobre a ineficiência do sistema, acalentando ilusões sobre o que a rede privada poderia lhes oferecer enquanto consumidores, o que esvazia a dimensão de saúde como direito proposta pelo SUS. Já no caso da educação, a avaliação é um pouco melhor, pois toma como parâmetro a qualidade do serviço que acessaram quando eram jovens.
Uma peculiaridade do momento atravessado pelo País, e que aparece refletida nos resultados da pesquisa, reside no fato de que o Brasil vive não apenas uma ruptura no processo de ascensão social e melhoria das condições de vida de grande parte da população: reverteram-se também as expectativas de progresso e realizações materiais e imateriais. Esse é o mal-estar da descrença nas possibilidades futuras que cresce e toma rumos ainda não definidos.
As percepções e os temores que agora são captados junto a esta população de baixa renda servem como alerta do que poderá acontecer em futuro breve, diante da continuidade da recessão, do crescimento do desemprego e também como resultado das medidas recém-aprovadas pelo Congresso Nacional, como foi o caso da emenda na Constituição Federal que estabelece o teto de gastos com os serviços públicos e atinge frontalmente a seguridade social.
Ainda confusa sobre estes e outros significados, esta população socialmente mais vulnerável compreenderá, em breve, o preço que lhe será cobrado.
* Francisco Menezes, economista, coordenou a pesquisa "Mobilidade Social e Acesso a Direitos na Região Metropolitana do Rio de Janeiro", é ex-presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, coordenador do Ibase e consultor de Políticas da ActionAid no Brasil.
Hackearam um texto do Cafezinho. Um sobre o STF.
ResponderExcluir