Por Antonio Martins, no site Outras Palavras:
Que falta fazem o bom jornalismo e a boa política. Passou quase despercebido o relatório em que Banco Central apontou um rombo fiscal inédito nas contas públicas, em 2016. O resultado primário – que compara a arrecadação de impostos com os gastos típicos de governo (sociais, infraestrutura, pagamento dos servidores) foi um déficit recorde de 156 bilhões de reais, ou 2,47% do PIB. Quando se incluem os juros pagos aos banqueiros e à aristocracia financeira, os números saltam: 562 bilhões de reais, ou 8,93% do PIB. A deterioração rápida do cenário é ainda mais impressionante. Ainda em 2014, último ano antes do início do “ajuste fiscal”, o déficit primário era cinco vezes menor – apenas 0,56% do PIB.
O que mais merece atenção, porém, é o que o governo e a velha mídia mais tentam ocultar. A piora se deu exatamente no período em que estaríamos, segundo a narrativa oficial, corrigindo os erros do passado, fazendo os sacrifícios necessários para entrar nos trilhos novamente. O que há de errado com esta narrativa? Por que quanto mais economizamos, mais mergulhamos em déficit e dívida? Que interesses provocam o silêncio dos jornais e das TVs? Mais importante: quais seriam as políticas alternativas?
O Brasil vive um período de ataques aos direitos conquistados desde a Constituição de 88. A PEC 55 congelou o gastos sociais por vinte anos. A “reforma” da Previdência afetará, se não for barrada a tempo, dezenas de milhões de pessoas. O presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, disse ontem, numa reunião com banqueiros, que é só o começo. Mas estas medidas não são, é claro, apresentadas de forma crua. Ninguém diz: “vamos aproveitar que tomamos o poder para impor uma derrota histórica às maiorias”. Tudo é revestido com um verniz supostamente técnico. A chave do discurso é: “ou apertamos os cintos, ou o país vai quebrar”. O rombo das contas públicas, em 2016, devasta esta narrativa. Por isso, é preciso examiná-lo, interpretá-lo, torná-lo conhecido, debatê-lo. Vamos tratar aqui de três pontos essenciais.
Primeiro: O déficit público primário multiplicou-se por cinco, exatamente no período em que começaram os sacrifícios reparadores. Por que? A resposta é: ao contrário do que argumentam os economistas e políticos conservadores, as contas de um Estado não são iguais às de uma família. Seguem uma lógica totalmente distinta. Os números e gráficos a seguir – todos oficiais, do ministério da Fazenda – permitem compreender.
Quando o Estado deixa de gastar, a economia derrapa. Menos salas de aula, menos médicos nos postos de saúde, menos obras – tudo isso equivale a mais demissões, mais gente desempregada e sem poder de compra, menos dinheiro circulando na economia.
Se a economia para, a arrecadação de impostos despenca. O corte de gastos retorna rapidamente, como um tiro pela culatra. Confira no gráfico acima. Esta é a curva da arrecadação de impostos federais. Repare duas mudanças bruscas. Primeiro, ela sobe aceleradamente a partir de 2009, quando o governo Lula aumentou o salário mínimo e o Bolsa Família e orientou os bancos públicos a oferecerem crédito. O governo gasta mais, mas arrecada muito mais.
Veja agora o que acontece a partir do “ajuste fiscal” iniciado no segundo mandato de Dilma. O governo economiza tostões, mas deixa de arrecadar bilhões. Não se iluda com a pequena melhora sugerida pelo final do gráfico. Ela se deve a um evento extraordinário e sem repetição. No final do ano passado, milionários que mantinham dinheiro ilegal em paraísos fiscais repatriaram parte destes valores, usufruindo de vantagens oferecidas pelo governo
Os números do declínio estão detalhados neste outro documento oficial do ministério da Fazenda. Em 2016, houve redução na arrecadação de todos os tributos: – 6,89% no Cofins e PIS-Pasep; -0,97% no Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas; -3,5 % nas contribuições à Previdência; só cresceu a receita extraordinária das repatriações, que não se repetirá nunca mais. Resumo da história: ao contrário do que acontece com uma família, quando os Estados cortam gastos eles frequentemente perdem dinheiro, porque arrecadam muito menos. Ou seja: quando alguém diz que é preciso gastar menos em Saúde, em Educação ou em Previdência, para reequilibrar as contas públicas, desconfie: há um interesse oculto por trás deste discurso.
Que falta fazem o bom jornalismo e a boa política. Passou quase despercebido o relatório em que Banco Central apontou um rombo fiscal inédito nas contas públicas, em 2016. O resultado primário – que compara a arrecadação de impostos com os gastos típicos de governo (sociais, infraestrutura, pagamento dos servidores) foi um déficit recorde de 156 bilhões de reais, ou 2,47% do PIB. Quando se incluem os juros pagos aos banqueiros e à aristocracia financeira, os números saltam: 562 bilhões de reais, ou 8,93% do PIB. A deterioração rápida do cenário é ainda mais impressionante. Ainda em 2014, último ano antes do início do “ajuste fiscal”, o déficit primário era cinco vezes menor – apenas 0,56% do PIB.
O que mais merece atenção, porém, é o que o governo e a velha mídia mais tentam ocultar. A piora se deu exatamente no período em que estaríamos, segundo a narrativa oficial, corrigindo os erros do passado, fazendo os sacrifícios necessários para entrar nos trilhos novamente. O que há de errado com esta narrativa? Por que quanto mais economizamos, mais mergulhamos em déficit e dívida? Que interesses provocam o silêncio dos jornais e das TVs? Mais importante: quais seriam as políticas alternativas?
O Brasil vive um período de ataques aos direitos conquistados desde a Constituição de 88. A PEC 55 congelou o gastos sociais por vinte anos. A “reforma” da Previdência afetará, se não for barrada a tempo, dezenas de milhões de pessoas. O presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, disse ontem, numa reunião com banqueiros, que é só o começo. Mas estas medidas não são, é claro, apresentadas de forma crua. Ninguém diz: “vamos aproveitar que tomamos o poder para impor uma derrota histórica às maiorias”. Tudo é revestido com um verniz supostamente técnico. A chave do discurso é: “ou apertamos os cintos, ou o país vai quebrar”. O rombo das contas públicas, em 2016, devasta esta narrativa. Por isso, é preciso examiná-lo, interpretá-lo, torná-lo conhecido, debatê-lo. Vamos tratar aqui de três pontos essenciais.
Primeiro: O déficit público primário multiplicou-se por cinco, exatamente no período em que começaram os sacrifícios reparadores. Por que? A resposta é: ao contrário do que argumentam os economistas e políticos conservadores, as contas de um Estado não são iguais às de uma família. Seguem uma lógica totalmente distinta. Os números e gráficos a seguir – todos oficiais, do ministério da Fazenda – permitem compreender.
Quando o Estado deixa de gastar, a economia derrapa. Menos salas de aula, menos médicos nos postos de saúde, menos obras – tudo isso equivale a mais demissões, mais gente desempregada e sem poder de compra, menos dinheiro circulando na economia.
Se a economia para, a arrecadação de impostos despenca. O corte de gastos retorna rapidamente, como um tiro pela culatra. Confira no gráfico acima. Esta é a curva da arrecadação de impostos federais. Repare duas mudanças bruscas. Primeiro, ela sobe aceleradamente a partir de 2009, quando o governo Lula aumentou o salário mínimo e o Bolsa Família e orientou os bancos públicos a oferecerem crédito. O governo gasta mais, mas arrecada muito mais.
Veja agora o que acontece a partir do “ajuste fiscal” iniciado no segundo mandato de Dilma. O governo economiza tostões, mas deixa de arrecadar bilhões. Não se iluda com a pequena melhora sugerida pelo final do gráfico. Ela se deve a um evento extraordinário e sem repetição. No final do ano passado, milionários que mantinham dinheiro ilegal em paraísos fiscais repatriaram parte destes valores, usufruindo de vantagens oferecidas pelo governo
Os números do declínio estão detalhados neste outro documento oficial do ministério da Fazenda. Em 2016, houve redução na arrecadação de todos os tributos: – 6,89% no Cofins e PIS-Pasep; -0,97% no Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas; -3,5 % nas contribuições à Previdência; só cresceu a receita extraordinária das repatriações, que não se repetirá nunca mais. Resumo da história: ao contrário do que acontece com uma família, quando os Estados cortam gastos eles frequentemente perdem dinheiro, porque arrecadam muito menos. Ou seja: quando alguém diz que é preciso gastar menos em Saúde, em Educação ou em Previdência, para reequilibrar as contas públicas, desconfie: há um interesse oculto por trás deste discurso.
O interesse, você pode enxergar aqui, neste outro aspecto dos gastos públicos que os jornais fazem questão de sequer mencionar. São os juros pagos pelo Estado a quem tem dinheiro sobrando para investir. O grosso do gasto beneficia os banqueiros e a aristocracia financeira. Foram 407 bilhões de reais em 2016 – quatro vezes o orçamento do maior ministério, o da Saúde. Agora, pense: se o objetivo do governo fosse de fato sanear as contas públicas, por que não começar pelos juros, a despesa mais devastadora e a que não tem nenhum efeito social? Outra pergunta: por que a PEC 55, que congelou todos os gastos dos ministérios, por vinte anos, deixou totalmente sem controle o pagamento de juros da dívida?
A terceira questão a examinarmos, mesmo que brevemente, são as alternativas. Aqui, nos deparamos com um impasse também político. Diante das dificuldades de 2014, o lulismo poderia ter optado por uma saída oposta à que prevaleceu. Cumprir as promessas feitas em campanha, o Coração Valente. Em vez disso, Dilma escolheu para ministro da Fazenda Joaquim Levy. Lula, comenta-se preferia um opção semelhante – Luís Trabuco, o presidente do Bradesco.
Provavelmente, o lulismo chegou a seu limite. Quanto mais o Estado investe em políticas públicas, em direitos para todos, mais dilui os privilégios do dinheiro. Se houver escolas e hospitais públicos de excelência, quem pagará pelo ensino privado ou por planos de saúde? Os tolos?
Seja como for, os dados nos ajudam a pensar e a imaginar futuros. Um Estado democrático, ligado às demandas da população, pode e deve gastar muito mais. Pode pensar num plano para urbanização das periferias, para multiplicação dos metrôs e trens urbanos, para apoio a uma agricultura pós-agronegócio, para a transformação de nossa matriz energética – em busca das fontes limpas e renováveis.
Perceber o fracasso das políticas de corte de direitos é, nesse sentido, didático. Revela os interesses que se escondem por trás dos que falam em sacrifício, E abre um horizonte imenso à imaginação de outro Brasil possível.
A terceira questão a examinarmos, mesmo que brevemente, são as alternativas. Aqui, nos deparamos com um impasse também político. Diante das dificuldades de 2014, o lulismo poderia ter optado por uma saída oposta à que prevaleceu. Cumprir as promessas feitas em campanha, o Coração Valente. Em vez disso, Dilma escolheu para ministro da Fazenda Joaquim Levy. Lula, comenta-se preferia um opção semelhante – Luís Trabuco, o presidente do Bradesco.
Provavelmente, o lulismo chegou a seu limite. Quanto mais o Estado investe em políticas públicas, em direitos para todos, mais dilui os privilégios do dinheiro. Se houver escolas e hospitais públicos de excelência, quem pagará pelo ensino privado ou por planos de saúde? Os tolos?
Seja como for, os dados nos ajudam a pensar e a imaginar futuros. Um Estado democrático, ligado às demandas da população, pode e deve gastar muito mais. Pode pensar num plano para urbanização das periferias, para multiplicação dos metrôs e trens urbanos, para apoio a uma agricultura pós-agronegócio, para a transformação de nossa matriz energética – em busca das fontes limpas e renováveis.
Perceber o fracasso das políticas de corte de direitos é, nesse sentido, didático. Revela os interesses que se escondem por trás dos que falam em sacrifício, E abre um horizonte imenso à imaginação de outro Brasil possível.
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