quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

STF deixa correr a “solução Michel”

Por Tereza Cruvinel, em seu blog:

O que era a “solução Michel”, discutida por Sergio Machado com Jucá, Sarney e Renan, senão a derrubada de Dilma para que Temer, empossado, abrisse um guarda-chuva protetor sobre os investigados da oligarquia, estancando a Lava Jato? O STF ajudou a propiciar esta saída ao deixar que o golpe corresse, quando deveria ter protegido a democracia, e em particular quando impediu a posse do ex-presidente Lula como ministro de Dilma, quando ainda havia tempo para articular uma barragem parlamentar. Agora o STF volta a contribuir com a “solução Michel” ao legitimar a nomeação de Moreira Franco como ministro, garantindo-lhe o foro privilegiado. Com esta e outras decisões casuístas, explicitando um alinhamento político, o Supremo ajuda a minar a confiança da população, que já é baixa, no Poder Judiciário. Além, é claro, de dever um pedido de desculpas a Lula. E a reparação, passando a considerá-lo ex-ministro, como pede sua defesa.

Não foi porém a primeira vez. No final do ano passado, o Supremo, após uma negociação com emissários do Congresso e do governo, derrubou uma liminar do ministro Marco Aurélio, que determinava o afastamento de Renan Calheiros da presidência do Senado por ter se tornado téu em algumas ações. Temer precisava de Renan no cargo, para viabilizar a aprovação da PEC do gasto público e conduzir a eleição de um sucessor de confiança. Tudo foi feito mas ali o STF sofreu uma grande erosão em sua credibilidade

Antes do golpe, o Supremo poderia tê-lo impedido se tivesse examinado (não houve provocação da PGR mas houve dos partidos) o teor das conversas entre Sergio Machado, Jucá, Sarney e Renan, classificadas por Teori Zavascki como “um dos mais graves atentados institucionais de que se tem notícia”. O atentado era à democracia, era a conspiração para derrubar Dilma, entronizar Temer e dar curso à “solução Michel”. Ela segue seu roteiro. Agora vem a nomeação de Alexandre de Moraes para o STF, depois de ter seu nome aprovado por senadores que irá julgar. Ainda faltam alguns passos: a manutenção do sigilo das delações (defendida por Carlos Velloso, cotado para o Ministério da Justiça), a anistia ao caixa dois, a regulamentação das prisões temporárias prolongadas de Sergio Moro, a desidratação da Lava Jato.

O povo tem memória. E nela está fresca a decisão de Gilmar Mendes, proibindo Lula de ser ministro de Dilma, no momento em ainda era possível evitar a consumação do golpe. Lula iria cuidar da articulação política, valendo-se de seu capital político e seu trânsito em quase todos os partidos. Com seu impedimento, o governo de Dilma perdeu qualquer outra possibilidade de reação, passando a esperar quase passivamente pela derrubada. Foi como tomar doce de criança. Mas o que valeu para Lula não vale para Moreira Franco.

Em algum momento o plenário vai examinar o assunto, disse Gilmar Mendes ontem, comentando a decisão do decano Celso de Mello, oposta a que ele tomou em relação a Lula. Mas dificilmente, emendou, haverá uma decisão sumular (uma regra geral) porque cada caso “tem nuances” que precisam ser examinadas. O diabo então vai morar nas nuances. De acordo com elas, o STF permitirá ou não que o presidente da República nomeie ministros que podem se tornar réus. Tudo isso mina a credibilidade do STF, nesta hora crítica para as instituições republicanas.

Os brasileiros nunca confiaram muito numa justiça que enche as prisões de pobres e pretos, quase a metade deles sem julgamento, enquanto aos mais ricos concede a presunção da inocência e o benefício dos recursos protelatórios.

Segundo a pesquisa anual feita pela FGV Direito, o Índice de Confiança na Justiça Brasileira em 2016 foi de 4,9, numa escala de 0 a 10. É muito baixo mas com certeza cairá mais, com o próprio Supremo explicitando tão claramente que não usa pesos iguais para casos idênticos, tendo facilitado o golpe e estando a contribuir para a salvação da oligarquia.

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