Por André Barrocal, na revista CartaCapital:
Às vésperas do Carnaval, o líder do governo Michel Temer no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), soltou a língua ao comentar a ideia de os políticos perderem o direito de serem julgados apenas no Supremo Tribunal Federal (STF). Para ele, se o foro privilegiado acabar, juízes e procuradores deveriam ficar sem também. Motivo: “Suruba é suruba”.
Suruba é a palavra perfeita para descrever Brasília atualmente. Os poderosos perderam o pudor, o ambiente é de alegre promiscuidade. Dizem o que pensam e defendem para o País, sem vergonha de parecerem machistas, elitistas, hipócritas, espertalhões. E ainda mergulham em conchavos para salvar a pele de todos e dos amigos contra a Operação Lava Jato.
A última semana foi uma apoteose desta suruba.
No Dia Internacional da Mulher, 8 de março, Temer realizou um evento comemorativo no Palácio do Planalto. Em discurso, disse “com a maior tranquilidade, porque eu tenho absoluta convicção, até por formação familiar e por estar ao lado da [primeira dama] Marcela, o quanto a mulher faz pela casa, o quanto faz pelo lar, o que faz pelos filhos”.
Não parou aí. “Ninguém mais é capaz de indicar os desajustes, por exemplo, de preços em supermercados do que a mulher.”
Ao optar por ressaltar o protagonismo doméstico das mulheres, o presidente expôs sua convicção íntima sobre o papel delas na vida. Não que se encarregar dos filhos, do lar e das compras seja indigno, mas por que enfatizar esse aspecto, e logo com um minuto e trinta segundos do discurso de 11 minutos?
Está mais do que explicado por que o peemedebista, 76 anos, montou seu ministério em maio de 2016 apenas com homens (e brancos).
Longe dali, na mesma quarta-feira, 8, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), era pura sinceridade. Ao comentar com jornalistas a reforma trabalhista proposta por Temer, chutou a Justiça do Trabalho: “Não deveria nem existir”. Fez igual com a CLT: “Esse processo de proteção gerou desemprego”
O que Maia quis dizer é que os empresários não conseguem pagar pouco a seus funcionários, pois a Justiça e a legislação trabalhistas impedem, daí que “a proteção gerou desemprego”.
O salário mínimo no Brasil é de 937 reais. A renda per capita, de 1,2 mil reais mensais. O rendimento médio de um trabalhador do setor privado, 1,7 mil reais. Imagine-se quais seriam esses valores se não houvesse Justiça do Trabalho e CLT. Ou como seria a jornada semanal.
Detalhe: como deputado, Maia ganha 33,7 mil reais mensais pagos com dinheiro público, fora verbas indenizatórias etc. Vinte vezes o recebido em média por um trabalhador, que ele acha protegido demais.
Na véspera do Dia da Mulher, a Advocacia Geral da União (AGU), órgão sob a batuta de Temer, conseguiu uma decisão judicial que é outra prova do pouco caso de Brasília com os trabalhadores. O governo segue desobrigado de divulgar a “lista suja” do trabalho escravo.
A lista contém o nome de empresas flagradas com empregados em situação análoga à da escravidão e multadas por isso. É tida pelas Nações Unidas como exemplo. A vitória judicial da AGU foi uma vitória dos escravocratas do século XXI.
Os fazendeiros, bancada forte no Congresso e aliada de Temer, odeiam a lista. Sequer aceitam o conceito de “situação análoga à de escravidão”.
Os ruralistas ganharam um reforço na equipe de Temer com a posse do deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR) no Ministério da Justiça na terça-feira 7 e ele logo exibiu sua franqueza. Por exemplo: índio não precisa de terra. “Terra enche a barriga de alguém?”, disse na Folha da quinta-feira 9.
Afirmou ainda que “existem bandidos e bandidos” e que um deles “você olha nos olhos e quer passar longe, é um potencial assaltante, criminoso”.
Se “bandido” a gente reconhece pelos “olhos”, uma opinião incrível por si só, será que Serraglio não notou nada no olhar maligno do deputado cassado Eduardo Cunha, réu por corrupção e preso à espera de julgamento? No dia em que a Câmara aprovou o impeachment de Dilma Rousseff, inclusive defendeu “anistia” para Cunha, ou seja, nada de cassar o mandato dele.
A vitória da AGU contra a “lista suja” do trabalho escravo foi no Tribunal Superior do Trabalho (TST), em decisão do presidente da corte, Ives Gandra Martins Filho. O magistrado tem visão similar à de Rodrigo Maia sobre os trabalhadores e a CLT. E também acha que Justiça do Trabalho só serve para atrapalhar empresários.
Suas opiniões sobre as mulheres são dignas de um discurso de Temer em data festiva. “O princípio da autoridade na família está ordenado de tal forma que os filhos obedeçam aos pais e a mulher ao marido”, escreveu em um artigo de 2012.
Gandra Filho chegou ao TST em 1999 graças às maquinações de Gilmar Mendes, na época chefe da AGU do governo Fernando Henrique Cardoso. Hoje ministro do STF e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Mendes tem se comportado como verdadeiro advogado de Temer e reúne-se com ele aos sábados e domingos e em jatinhos da FAB. Tudo à luz do dia.
Enquanto Temer exaltava o papel doméstico das mulheres, Mendes dizia à Reuters que se a chapa Dilma-Temer eleita em 2014 for cassada no TSE, não há problema. Temer poderia seguir no cargo candidatando-se de novo, só Dilma ficaria inelegível. Por quê? “Evidente que o vice participa da campanha. Mas quem sustenta a chapa é o presidente, o cabeça de chapa.”
Se Temer não tem responsabilidade financeira com a chapa, por que então um jantar dele no Palácio do Jaburu, em maio de 2014, com gente da Odebrecht, tornou-se um drama para o peemedebista, a ponto de várias pessoas terem prestado depoimento a respeito no TSE desde o fim do Carnaval?
Uma delação a tratar do jantar veio a público em dezembro e complicou um assessor especial de Temer na ocasião, José Yunes, amigão de longa data do presidente. Yunes logo pediu demissão, a esbravejar que a delação era “fantasiosa”, “abjeta” e que seu nome tinha sido jogado “no lamaçal”.
Dias antes do Carnaval, no entanto, o próprio Yunes, um rico advogado e empresário, rasgou a fantasia. Confessou publicamente em entrevistas que tinha, sim, ligação com o jantar, o qual servira para Temer captar 10 milhões de reais da Odebrecht. Mas na condição de “mula” de outro amigo de Temer, Eliseu Padilha, chefe da Casa Civil.
A tese defendida por Gilmar Mendes sobre Temer ser capaz de sobreviver política e eleitoralmente mesmo que a chapa de Dilma seja cassada no TSE tem sido discutida no PMDB. Seria essa a forma de contornar uma eventual derrota na corte.
Em entrevista ao SBT na segunda-feira 6, quem falou abertamente sobre isso, sem enrubescer, foi o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), aliadíssimo de Temer, de quem foi tesoureiro por muitos anos no partido de ambos. “A única regra clara que se coloca é que o presidente Michel Temer pode ser, inclusive, candidato novamente. Não se sabe se uma eleição direta, não se sabe se uma eleição indireta.”
Na noite seguinte à entrevista de Eunício, o aniversário de um jornalista reuniu alguns figurões da República em um tradicional restaurante de Brasília, o Piantella, que fechara as portas mas acaba de reabri-las. Entre os comensais, o senador mineiro Aécio Neves, presidente do PSDB.
Após aliar-se à Lava Jato para derrubar Dilma, o tucano parece outra pessoa. “É preciso salvar a política”, disse ele no jantar, perante jornalistas. “Não podemos deixar que tudo se misture”, é preciso separar dinheiro de propina de um lado, e dinheiro de campanha de outro.
Claro. Agora que Aécio e tucanos ilustres estão para ser tragados pela delação da Odebrecht, “é preciso salvar a política”. A suruba em Brasília está aí para isso.
Às vésperas do Carnaval, o líder do governo Michel Temer no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), soltou a língua ao comentar a ideia de os políticos perderem o direito de serem julgados apenas no Supremo Tribunal Federal (STF). Para ele, se o foro privilegiado acabar, juízes e procuradores deveriam ficar sem também. Motivo: “Suruba é suruba”.
Suruba é a palavra perfeita para descrever Brasília atualmente. Os poderosos perderam o pudor, o ambiente é de alegre promiscuidade. Dizem o que pensam e defendem para o País, sem vergonha de parecerem machistas, elitistas, hipócritas, espertalhões. E ainda mergulham em conchavos para salvar a pele de todos e dos amigos contra a Operação Lava Jato.
A última semana foi uma apoteose desta suruba.
No Dia Internacional da Mulher, 8 de março, Temer realizou um evento comemorativo no Palácio do Planalto. Em discurso, disse “com a maior tranquilidade, porque eu tenho absoluta convicção, até por formação familiar e por estar ao lado da [primeira dama] Marcela, o quanto a mulher faz pela casa, o quanto faz pelo lar, o que faz pelos filhos”.
Não parou aí. “Ninguém mais é capaz de indicar os desajustes, por exemplo, de preços em supermercados do que a mulher.”
Ao optar por ressaltar o protagonismo doméstico das mulheres, o presidente expôs sua convicção íntima sobre o papel delas na vida. Não que se encarregar dos filhos, do lar e das compras seja indigno, mas por que enfatizar esse aspecto, e logo com um minuto e trinta segundos do discurso de 11 minutos?
Está mais do que explicado por que o peemedebista, 76 anos, montou seu ministério em maio de 2016 apenas com homens (e brancos).
Longe dali, na mesma quarta-feira, 8, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), era pura sinceridade. Ao comentar com jornalistas a reforma trabalhista proposta por Temer, chutou a Justiça do Trabalho: “Não deveria nem existir”. Fez igual com a CLT: “Esse processo de proteção gerou desemprego”
O que Maia quis dizer é que os empresários não conseguem pagar pouco a seus funcionários, pois a Justiça e a legislação trabalhistas impedem, daí que “a proteção gerou desemprego”.
O salário mínimo no Brasil é de 937 reais. A renda per capita, de 1,2 mil reais mensais. O rendimento médio de um trabalhador do setor privado, 1,7 mil reais. Imagine-se quais seriam esses valores se não houvesse Justiça do Trabalho e CLT. Ou como seria a jornada semanal.
Detalhe: como deputado, Maia ganha 33,7 mil reais mensais pagos com dinheiro público, fora verbas indenizatórias etc. Vinte vezes o recebido em média por um trabalhador, que ele acha protegido demais.
Na véspera do Dia da Mulher, a Advocacia Geral da União (AGU), órgão sob a batuta de Temer, conseguiu uma decisão judicial que é outra prova do pouco caso de Brasília com os trabalhadores. O governo segue desobrigado de divulgar a “lista suja” do trabalho escravo.
A lista contém o nome de empresas flagradas com empregados em situação análoga à da escravidão e multadas por isso. É tida pelas Nações Unidas como exemplo. A vitória judicial da AGU foi uma vitória dos escravocratas do século XXI.
Os fazendeiros, bancada forte no Congresso e aliada de Temer, odeiam a lista. Sequer aceitam o conceito de “situação análoga à de escravidão”.
Os ruralistas ganharam um reforço na equipe de Temer com a posse do deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR) no Ministério da Justiça na terça-feira 7 e ele logo exibiu sua franqueza. Por exemplo: índio não precisa de terra. “Terra enche a barriga de alguém?”, disse na Folha da quinta-feira 9.
Afirmou ainda que “existem bandidos e bandidos” e que um deles “você olha nos olhos e quer passar longe, é um potencial assaltante, criminoso”.
Se “bandido” a gente reconhece pelos “olhos”, uma opinião incrível por si só, será que Serraglio não notou nada no olhar maligno do deputado cassado Eduardo Cunha, réu por corrupção e preso à espera de julgamento? No dia em que a Câmara aprovou o impeachment de Dilma Rousseff, inclusive defendeu “anistia” para Cunha, ou seja, nada de cassar o mandato dele.
A vitória da AGU contra a “lista suja” do trabalho escravo foi no Tribunal Superior do Trabalho (TST), em decisão do presidente da corte, Ives Gandra Martins Filho. O magistrado tem visão similar à de Rodrigo Maia sobre os trabalhadores e a CLT. E também acha que Justiça do Trabalho só serve para atrapalhar empresários.
Suas opiniões sobre as mulheres são dignas de um discurso de Temer em data festiva. “O princípio da autoridade na família está ordenado de tal forma que os filhos obedeçam aos pais e a mulher ao marido”, escreveu em um artigo de 2012.
Gandra Filho chegou ao TST em 1999 graças às maquinações de Gilmar Mendes, na época chefe da AGU do governo Fernando Henrique Cardoso. Hoje ministro do STF e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Mendes tem se comportado como verdadeiro advogado de Temer e reúne-se com ele aos sábados e domingos e em jatinhos da FAB. Tudo à luz do dia.
Enquanto Temer exaltava o papel doméstico das mulheres, Mendes dizia à Reuters que se a chapa Dilma-Temer eleita em 2014 for cassada no TSE, não há problema. Temer poderia seguir no cargo candidatando-se de novo, só Dilma ficaria inelegível. Por quê? “Evidente que o vice participa da campanha. Mas quem sustenta a chapa é o presidente, o cabeça de chapa.”
Se Temer não tem responsabilidade financeira com a chapa, por que então um jantar dele no Palácio do Jaburu, em maio de 2014, com gente da Odebrecht, tornou-se um drama para o peemedebista, a ponto de várias pessoas terem prestado depoimento a respeito no TSE desde o fim do Carnaval?
Uma delação a tratar do jantar veio a público em dezembro e complicou um assessor especial de Temer na ocasião, José Yunes, amigão de longa data do presidente. Yunes logo pediu demissão, a esbravejar que a delação era “fantasiosa”, “abjeta” e que seu nome tinha sido jogado “no lamaçal”.
Dias antes do Carnaval, no entanto, o próprio Yunes, um rico advogado e empresário, rasgou a fantasia. Confessou publicamente em entrevistas que tinha, sim, ligação com o jantar, o qual servira para Temer captar 10 milhões de reais da Odebrecht. Mas na condição de “mula” de outro amigo de Temer, Eliseu Padilha, chefe da Casa Civil.
A tese defendida por Gilmar Mendes sobre Temer ser capaz de sobreviver política e eleitoralmente mesmo que a chapa de Dilma seja cassada no TSE tem sido discutida no PMDB. Seria essa a forma de contornar uma eventual derrota na corte.
Em entrevista ao SBT na segunda-feira 6, quem falou abertamente sobre isso, sem enrubescer, foi o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), aliadíssimo de Temer, de quem foi tesoureiro por muitos anos no partido de ambos. “A única regra clara que se coloca é que o presidente Michel Temer pode ser, inclusive, candidato novamente. Não se sabe se uma eleição direta, não se sabe se uma eleição indireta.”
Na noite seguinte à entrevista de Eunício, o aniversário de um jornalista reuniu alguns figurões da República em um tradicional restaurante de Brasília, o Piantella, que fechara as portas mas acaba de reabri-las. Entre os comensais, o senador mineiro Aécio Neves, presidente do PSDB.
Após aliar-se à Lava Jato para derrubar Dilma, o tucano parece outra pessoa. “É preciso salvar a política”, disse ele no jantar, perante jornalistas. “Não podemos deixar que tudo se misture”, é preciso separar dinheiro de propina de um lado, e dinheiro de campanha de outro.
Claro. Agora que Aécio e tucanos ilustres estão para ser tragados pela delação da Odebrecht, “é preciso salvar a política”. A suruba em Brasília está aí para isso.
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