Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
O espetáculo das mobilizações a favor da Lava Jato, neste domingo, é um caso clássico de Fracasso Memorável.
O vazio das ruas confirma, em primeiro lugar, o fiasco do discurso da moralidade como projeto político para um país – seja o Brasil da AP 470 e da Lava Jato, a Itália da Mãos Limpas, a Argentina de Cristina Kirchner, a Coreia do Sul de Park Geum-hie, o que mais você acrescentar à lista.
Se ninguém coloca em dúvida a necessidade de um país combater a corrupção, em particular no sistema político, a experiência universal ensina que nada pode substituir o debate livre e democrático, no qual uma sociedade define as opções e prioridades, numa escolha civilizada – em urna – sobre política econômicas, interesses sociais e projetos nacionais. Esta é a primeira lição de ontem. Não é a Lava Jato que se encontra em risco. Mas a mistificação política criada em torno dela.
Sem emprego e sem salário, ameaçada por uma reforma da Previdência que é uma obra acabada de gangsterismo social e chantagem política, a mesma população que há onze meses foi às ruas em apoio a Sérgio Moro e pedir a saída de Dilma preferiu ficar em casa.
Andando pela região da Paulista, na manhã de ontem, encontrei uma senhora devidamente uniformizada: calça azul e camiseta verde-amarela, que subia a Consolação, solitariamente, em busca dos protestos.
Mesmo numa região onde as preferências sociais e políticas do patamar superior da pirâmide são escancaradas, não vi cumprimentos, nem tapinhas nas costas, aguardados por quem decidiu usar o traje a rigor daqueles domingos de 2015 e 2016. Vaias? Também não.
Apenas a indiferença reservada a personagens fora da história, do tempo e do lugar – a mesma atitude que, no plano nacional, deixou as ruas vazias.
A decepção de ontem era previsível para quem não perdeu o prazer de abrir livros de história do país, mas seu retrato em carne e osso não deixa de refletir uma mudança importante.
Se o domingo foi um atestado de óbito para Temer, não custa lembrar que, num país polarizado como o Brasil desses tempos, a simples ausência num enterro pode se revelar um gesto político de alta relevância. A coalizão que levou Temer ao Planalto possuía ramificações fundamentais no grande capital financeiro e na camada menos escrupulosa do Congresso. Mobilizado em torno da Lava Jato, o apoio das ruas sempre foi um fator importantíssimo no afastamento de Dilma. Do ponto de vista político, o mais precioso. Em sua atividade de conspirador, o então vice-presidente Temer compareceu a uma reunião com grupelhos de discurso fascista numa viagem a São Paulo.
Esse comportamento se explica. Em nossa história política, a consciência democrática não é uma mercadoria qualquer. Tem sido uma força viva, capaz de alimentar iniciativas e reações de vulto.
Uma iniciativa destinada a quebrar o voto popular, destituindo uma presidente eleita, sem crime de responsabilidade, com óbvia repercussão internacional, precisava de mobilizações de rua para dar uma fantasia de legitimidade a um processo anti-democrático.
O problema é que a base do apoio a Lava Jato era, acima de tudo, uma promessa política.
A lenda consistia em dizer que, a partir do afastamento da presidente, o país iria iniciar um etapa de redenção política e bom comportamento moral, base para um novo crescimento econômico. Falava-se num novo capitalismo, único no mundo, sem favores nem compadres nem interesses que se movem na sombra – algo que provocaria gargalhadas em Adam Smith, o mais erudito dos idealizadores do individualismo como motor da história, e aplausos em Pol Pot, arquiteto de uma tirania homicida que governou o Camboja produzindo um recorde mundial de execuções per capta.
O embelezamento foi tamanho que, ainda hoje, quando o desastre assume proporções típicas de uma guerra de extermínio contra o patrimônio de um país e o padrão de vida da maioria da população, não faltem vozes reconstruir a fábula da cenoura e do burrinho. A ideia de que cabe ao Judiciário modificar o capitalismo brasileiro segue sendo repetida sempre que é preciso animar as plateias. Sua utilidade prática está muito distante do argumento teórico. Ajuda a embalar o ataque as conquistas sociais, aos direitos e conquistas históricas.
No Brasil de 2017, o desmoronamento da coalizão golpista se produziu a partir de insolúveis contradições internas. A rua se esvaziou a partir das maquinações de um governo ocupado exclusivamente em garantir a própria sobrevivência, num ambiente revoltante para uns, constrangedor para outros.
O moralismo – falso – se desmascara de forma irreversível, nas revelações chocantes que a mídia amiga sempre soube mas não consegue mais esconder. Depois de leiloar a soberania popular, a etapa seguinte do programa Temer-Meirelles só poderia ser a negociação da soberania nacional. Alguma dúvida?
Sim. Consiste em saber o que vem agora.
Em 1992, quando as ruas abandonaram Fernando Collor, no célebre Domingo Negro, produto de centenas mobilizações ativas pela saída do presidente, o Congresso não hesitou em encerrar o mandato presidencial. Não foi uma tarefa difícil, até porque se tratava de um governo com apoio parlamentar frágil e gelatinoso.
Nos Estados Unidos, em 1974, Richard Nixon deixou o cargo numa negociação política. Quando surgiu uma fita gravada que demonstrava sua atuação no acobertamento de implicados no caso Watergate, ele concordou em renunciar em troca de uma anistia, que se tornou o primeiro ato assinado pelo sucessor, o vice Gerald Ford. Nixon não tinha maioria na Câmara nem no Senado, mas o passo decisivo foi dado pela Suprema Corte, que, em duas deliberações consecutivas, lhe deu a ordem de entregar as gravações, determinação que não poderia desobedecer.
Em 2017, Temer mostra ser um presidente que tem se empenhado em pagar – com juros altíssimos – o apoio recebido para chegar ao Planalto. Seu desprezo pela reação maioria dos brasileiros é um fato estabelecido, e já foi sintetizado sem culpa nem remorso: "A baixa popularidade é o que tem me permitido tomar medidas que um governo que tivesse uma popularidade extraordinária, com viso eleitoral, não poderia tomar."
Coerente, vamos combinar. Só esta visão - uma forma de megalomania típica de quem não compreende a importância essencial do apoio popular nos regimes democráticos - explica o ataque frontal ao bem-estar dos brasileiros que representa a reforma da Previdência. É aí, no debate sobre o mais covarde projeto de seu governo, que Temer encontrará seu destino: ruas cada vez mais cheias de brasileiras e brasileiros dispostos a defender seus direitos e o futuro de suas famílias.
O espetáculo das mobilizações a favor da Lava Jato, neste domingo, é um caso clássico de Fracasso Memorável.
O vazio das ruas confirma, em primeiro lugar, o fiasco do discurso da moralidade como projeto político para um país – seja o Brasil da AP 470 e da Lava Jato, a Itália da Mãos Limpas, a Argentina de Cristina Kirchner, a Coreia do Sul de Park Geum-hie, o que mais você acrescentar à lista.
Se ninguém coloca em dúvida a necessidade de um país combater a corrupção, em particular no sistema político, a experiência universal ensina que nada pode substituir o debate livre e democrático, no qual uma sociedade define as opções e prioridades, numa escolha civilizada – em urna – sobre política econômicas, interesses sociais e projetos nacionais. Esta é a primeira lição de ontem. Não é a Lava Jato que se encontra em risco. Mas a mistificação política criada em torno dela.
Sem emprego e sem salário, ameaçada por uma reforma da Previdência que é uma obra acabada de gangsterismo social e chantagem política, a mesma população que há onze meses foi às ruas em apoio a Sérgio Moro e pedir a saída de Dilma preferiu ficar em casa.
Andando pela região da Paulista, na manhã de ontem, encontrei uma senhora devidamente uniformizada: calça azul e camiseta verde-amarela, que subia a Consolação, solitariamente, em busca dos protestos.
Mesmo numa região onde as preferências sociais e políticas do patamar superior da pirâmide são escancaradas, não vi cumprimentos, nem tapinhas nas costas, aguardados por quem decidiu usar o traje a rigor daqueles domingos de 2015 e 2016. Vaias? Também não.
Apenas a indiferença reservada a personagens fora da história, do tempo e do lugar – a mesma atitude que, no plano nacional, deixou as ruas vazias.
A decepção de ontem era previsível para quem não perdeu o prazer de abrir livros de história do país, mas seu retrato em carne e osso não deixa de refletir uma mudança importante.
Se o domingo foi um atestado de óbito para Temer, não custa lembrar que, num país polarizado como o Brasil desses tempos, a simples ausência num enterro pode se revelar um gesto político de alta relevância. A coalizão que levou Temer ao Planalto possuía ramificações fundamentais no grande capital financeiro e na camada menos escrupulosa do Congresso. Mobilizado em torno da Lava Jato, o apoio das ruas sempre foi um fator importantíssimo no afastamento de Dilma. Do ponto de vista político, o mais precioso. Em sua atividade de conspirador, o então vice-presidente Temer compareceu a uma reunião com grupelhos de discurso fascista numa viagem a São Paulo.
Esse comportamento se explica. Em nossa história política, a consciência democrática não é uma mercadoria qualquer. Tem sido uma força viva, capaz de alimentar iniciativas e reações de vulto.
Uma iniciativa destinada a quebrar o voto popular, destituindo uma presidente eleita, sem crime de responsabilidade, com óbvia repercussão internacional, precisava de mobilizações de rua para dar uma fantasia de legitimidade a um processo anti-democrático.
O problema é que a base do apoio a Lava Jato era, acima de tudo, uma promessa política.
A lenda consistia em dizer que, a partir do afastamento da presidente, o país iria iniciar um etapa de redenção política e bom comportamento moral, base para um novo crescimento econômico. Falava-se num novo capitalismo, único no mundo, sem favores nem compadres nem interesses que se movem na sombra – algo que provocaria gargalhadas em Adam Smith, o mais erudito dos idealizadores do individualismo como motor da história, e aplausos em Pol Pot, arquiteto de uma tirania homicida que governou o Camboja produzindo um recorde mundial de execuções per capta.
O embelezamento foi tamanho que, ainda hoje, quando o desastre assume proporções típicas de uma guerra de extermínio contra o patrimônio de um país e o padrão de vida da maioria da população, não faltem vozes reconstruir a fábula da cenoura e do burrinho. A ideia de que cabe ao Judiciário modificar o capitalismo brasileiro segue sendo repetida sempre que é preciso animar as plateias. Sua utilidade prática está muito distante do argumento teórico. Ajuda a embalar o ataque as conquistas sociais, aos direitos e conquistas históricas.
No Brasil de 2017, o desmoronamento da coalizão golpista se produziu a partir de insolúveis contradições internas. A rua se esvaziou a partir das maquinações de um governo ocupado exclusivamente em garantir a própria sobrevivência, num ambiente revoltante para uns, constrangedor para outros.
O moralismo – falso – se desmascara de forma irreversível, nas revelações chocantes que a mídia amiga sempre soube mas não consegue mais esconder. Depois de leiloar a soberania popular, a etapa seguinte do programa Temer-Meirelles só poderia ser a negociação da soberania nacional. Alguma dúvida?
Sim. Consiste em saber o que vem agora.
Em 1992, quando as ruas abandonaram Fernando Collor, no célebre Domingo Negro, produto de centenas mobilizações ativas pela saída do presidente, o Congresso não hesitou em encerrar o mandato presidencial. Não foi uma tarefa difícil, até porque se tratava de um governo com apoio parlamentar frágil e gelatinoso.
Nos Estados Unidos, em 1974, Richard Nixon deixou o cargo numa negociação política. Quando surgiu uma fita gravada que demonstrava sua atuação no acobertamento de implicados no caso Watergate, ele concordou em renunciar em troca de uma anistia, que se tornou o primeiro ato assinado pelo sucessor, o vice Gerald Ford. Nixon não tinha maioria na Câmara nem no Senado, mas o passo decisivo foi dado pela Suprema Corte, que, em duas deliberações consecutivas, lhe deu a ordem de entregar as gravações, determinação que não poderia desobedecer.
Em 2017, Temer mostra ser um presidente que tem se empenhado em pagar – com juros altíssimos – o apoio recebido para chegar ao Planalto. Seu desprezo pela reação maioria dos brasileiros é um fato estabelecido, e já foi sintetizado sem culpa nem remorso: "A baixa popularidade é o que tem me permitido tomar medidas que um governo que tivesse uma popularidade extraordinária, com viso eleitoral, não poderia tomar."
Coerente, vamos combinar. Só esta visão - uma forma de megalomania típica de quem não compreende a importância essencial do apoio popular nos regimes democráticos - explica o ataque frontal ao bem-estar dos brasileiros que representa a reforma da Previdência. É aí, no debate sobre o mais covarde projeto de seu governo, que Temer encontrará seu destino: ruas cada vez mais cheias de brasileiras e brasileiros dispostos a defender seus direitos e o futuro de suas famílias.
Falou em Pol Pot e Nixon. O primeiro não existiria sem o segundo. Ao mandar bombardear o Camboja no inicio dos anos 70, Nixon cometeu o maior genocídio per capta em tão pouco tempo. Cerca de um milhão de mortos e um país completamente arrasado, sem condições de plantar um acre de arroz. Isso abriu as portas para a radicalização e o reinado de terror do Pol Pot
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