Por Rafael da Silva Barbosa, no site Brasil Debate:
Por que o trabalhador, ao reivindicar melhorias dos seus direitos à saúde, tende a demandar prioritariamente planos de saúde privados? Por que não exigir um Sistema Único de Saúde melhor e, de fato, para todos?
A resposta advém do histórico da seguridade social brasileira com todas as especificidades de uma sociedade extremamente desigual, que internalizou valores da exclusão fruto de um forte passado escravista.
Diante de um cenário de avanço social, normalmente, o trabalhador ou cidadão guia suas preferências a mimetizar o padrão de consumo tradicional da classe média. Ao invés do esforço voltado a igualar os direitos para todos, status social comum, busca se inserir ao estrato social dos privilegiados, relegando o passado ao esquecimento.
A segmentação dos serviços sociais herdada do regime militar contribuiu para reprodução simbólica dos serviços sociais de caráter subdesenvolvido e significativamente segregado. O universalismo básico do regime militar condicionou no imaginário popular a ideia de serviços de saúde para pobre (público) e para classe média (privado). A priori, o efeito simbólico bloqueia a construção e as melhorias concretas dos direitos sociais.
Essa implicação simbólica é tão presente que, mesmo diante da realidade, a população não consegue racionalizar as reais causas e efeitos do modelo dos serviços aplicados. Antes da Constituição de 1988, para saúde pública, a capacidade instalada de saúde era totalmente privada e financiada por recursos públicos. Foi nitidamente um modelo de baixo impacto redistributivo e desfecho em saúde.
O advento do SUS, embora tenha avançado institucionalmente ampliando a ótica da seguridade do trabalhador para o cidadão, não conseguiu quebrar a segmentação herdada do regime militar. Pois os interesses de classe cristalizados no Estado e o efeito simbólico internalizado pela sociedade foram um contra freio à superação da segmentação. Logo, o SUS surge em contexto de capacidade instalada privada de saúde que disputa e inibe a provisão pública em termos concretos e de recursos financeiros.
A permanência do welfare ocupacional, no qual quem trabalha tem plano de saúde, engendra enormes distorções, visto que, ao fim e ao cabo, se financia um sistema restritivo e de baixa eficiência sistêmica. O sistema privado tem baixo nível de utilização sistêmico (escala) e é limitado – consome 55% do gasto total em saúde e atende 25% da população. E, ademais, é fragmentado e não vitalício, ou seja, inerentemente à lógica privada. O setor privado jamais irá cobrir toda a carga epidemiológica do país e muito menos garantir saúde até o fim da vida do trabalhador.
Isto em uma realidade ocupacional precária com baixa formalização do trabalhador e grande gap entre renda do capital e trabalho. A maior parte das famílias se encontra no estrato inferior dos rendimentos, sendo 40% do total caracterizando forte restrição orçamentária ao pagamento de plano de saúde com pacote razoável de serviços. Essa mesma população não se beneficia do welfare fiscal com a dedução do Imposto de Renda (calendário de 2008, renda que isenta até R$ 1.372,81), o que robustece mais ainda a regressividade tributária.
Sem mencionar que, após a aposentadoria, a renda do trabalhador reduz expressivamente, em torno de 35% na passagem dos 50 anos para 60 anos. Ao se observar a baixa renda, o orçamento familiar comprometido com moradia e alimentação, existe, portanto, uma limitação estrutural para capilaridade dessa lógica privada na população que mais demandará os serviços de saúde, o aposentado.
Em outras palavras, o trabalhador passará a vida ativa financiando o sistema privado e quando mais precisar dos serviços não poderá usufruir do sistema que ele mesmo ajudou a estruturar, pois sua condição financeira será limitada, não podendo arcar com os custos dos sinistros. Dessa forma, financiando intergeracionalmente o privado, mas, em última instância, utilizando o SUS.
Todavia, mesmo com todos os contratempos, o SUS é efetivo e desempenha eficientemente seus serviços onde a capacidade instalada pública própria tem certa integralidade nos serviços e financiamento estável. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), sobre a percepção social do sistema público, concluiu que os usuários que utilizam diretamente o SUS avaliam positivamente a qualidade dos serviços, classificando os serviços em “muito bom e bom”.
As políticas mais bem avaliadas são os programas e atendimentos Saúde da Família (PSF), Especialidades Médicas e Distribuição de Medicamentos, no último caso, realidade constatada para as doenças oncológicas.
O estudo também aferiu que são exatamente aqueles que não utilizam o SUS diretamente que o avaliam de forma negativa, porém, mesmo assim, avaliada de “regular”. Esse dado é uma importante proxy da desinformação e preconceito (efeito simbólico) em relação ao sistema público.
Isto não quer dizer que o SUS não necessite de melhorias, muito ao contrário, o sistema público carece de mais recursos, gestão e maior controle social para o seu desenvolvimento. Dentre as principais melhorias percebidas pela população, elenca-se: aumentar o número de médicos e reduzir o tempo de espera. Essas percepções indicam que a solução para saúde social passa pela ampliação da capacidade instalada pública própria do SUS.
A transição do plano de saúde para o SUS único e efetivo deve estar condicionada a progressividade do financiamento do sistema e a provisão dos serviços ao maior contingente populacional possível em todas as classes sociais, sempre a partir da capacidade instalada pública própria.
É preciso operacionalizar o SUS à luz do Sistema Universalista, a sustentabilidade dos serviços depende do envolvimento da sociedade como um todo e não apenas do orçamento do Estado. A viabilidade do SUS vista para além da questão da “restrição orçamentária do governo” e orientada muito mais pelo “efeito endógeno” do gasto social.
O gasto pensado de acordo com os efeitos diretos sobre a sua própria sustentação. A alta das ocupações do SUS com maior geração de emprego formal eleva a própria base tributária do governo; uma população saudável tem mais e melhores condições de trabalho e renda; e mais investimento público em saúde tem impacto na produtividade e crescimento da riqueza nacional. O multiplicador do gasto em saúde é extremamente benéfico para o desenvolvimento do país, sendo um verdadeiro vetor do incremento da renda das famílias e riqueza nacional via aumento do Produto Interno Bruto (PIB).
Por que o trabalhador, ao reivindicar melhorias dos seus direitos à saúde, tende a demandar prioritariamente planos de saúde privados? Por que não exigir um Sistema Único de Saúde melhor e, de fato, para todos?
A resposta advém do histórico da seguridade social brasileira com todas as especificidades de uma sociedade extremamente desigual, que internalizou valores da exclusão fruto de um forte passado escravista.
Diante de um cenário de avanço social, normalmente, o trabalhador ou cidadão guia suas preferências a mimetizar o padrão de consumo tradicional da classe média. Ao invés do esforço voltado a igualar os direitos para todos, status social comum, busca se inserir ao estrato social dos privilegiados, relegando o passado ao esquecimento.
A segmentação dos serviços sociais herdada do regime militar contribuiu para reprodução simbólica dos serviços sociais de caráter subdesenvolvido e significativamente segregado. O universalismo básico do regime militar condicionou no imaginário popular a ideia de serviços de saúde para pobre (público) e para classe média (privado). A priori, o efeito simbólico bloqueia a construção e as melhorias concretas dos direitos sociais.
Essa implicação simbólica é tão presente que, mesmo diante da realidade, a população não consegue racionalizar as reais causas e efeitos do modelo dos serviços aplicados. Antes da Constituição de 1988, para saúde pública, a capacidade instalada de saúde era totalmente privada e financiada por recursos públicos. Foi nitidamente um modelo de baixo impacto redistributivo e desfecho em saúde.
O advento do SUS, embora tenha avançado institucionalmente ampliando a ótica da seguridade do trabalhador para o cidadão, não conseguiu quebrar a segmentação herdada do regime militar. Pois os interesses de classe cristalizados no Estado e o efeito simbólico internalizado pela sociedade foram um contra freio à superação da segmentação. Logo, o SUS surge em contexto de capacidade instalada privada de saúde que disputa e inibe a provisão pública em termos concretos e de recursos financeiros.
A permanência do welfare ocupacional, no qual quem trabalha tem plano de saúde, engendra enormes distorções, visto que, ao fim e ao cabo, se financia um sistema restritivo e de baixa eficiência sistêmica. O sistema privado tem baixo nível de utilização sistêmico (escala) e é limitado – consome 55% do gasto total em saúde e atende 25% da população. E, ademais, é fragmentado e não vitalício, ou seja, inerentemente à lógica privada. O setor privado jamais irá cobrir toda a carga epidemiológica do país e muito menos garantir saúde até o fim da vida do trabalhador.
Isto em uma realidade ocupacional precária com baixa formalização do trabalhador e grande gap entre renda do capital e trabalho. A maior parte das famílias se encontra no estrato inferior dos rendimentos, sendo 40% do total caracterizando forte restrição orçamentária ao pagamento de plano de saúde com pacote razoável de serviços. Essa mesma população não se beneficia do welfare fiscal com a dedução do Imposto de Renda (calendário de 2008, renda que isenta até R$ 1.372,81), o que robustece mais ainda a regressividade tributária.
Sem mencionar que, após a aposentadoria, a renda do trabalhador reduz expressivamente, em torno de 35% na passagem dos 50 anos para 60 anos. Ao se observar a baixa renda, o orçamento familiar comprometido com moradia e alimentação, existe, portanto, uma limitação estrutural para capilaridade dessa lógica privada na população que mais demandará os serviços de saúde, o aposentado.
Em outras palavras, o trabalhador passará a vida ativa financiando o sistema privado e quando mais precisar dos serviços não poderá usufruir do sistema que ele mesmo ajudou a estruturar, pois sua condição financeira será limitada, não podendo arcar com os custos dos sinistros. Dessa forma, financiando intergeracionalmente o privado, mas, em última instância, utilizando o SUS.
Todavia, mesmo com todos os contratempos, o SUS é efetivo e desempenha eficientemente seus serviços onde a capacidade instalada pública própria tem certa integralidade nos serviços e financiamento estável. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), sobre a percepção social do sistema público, concluiu que os usuários que utilizam diretamente o SUS avaliam positivamente a qualidade dos serviços, classificando os serviços em “muito bom e bom”.
As políticas mais bem avaliadas são os programas e atendimentos Saúde da Família (PSF), Especialidades Médicas e Distribuição de Medicamentos, no último caso, realidade constatada para as doenças oncológicas.
O estudo também aferiu que são exatamente aqueles que não utilizam o SUS diretamente que o avaliam de forma negativa, porém, mesmo assim, avaliada de “regular”. Esse dado é uma importante proxy da desinformação e preconceito (efeito simbólico) em relação ao sistema público.
Isto não quer dizer que o SUS não necessite de melhorias, muito ao contrário, o sistema público carece de mais recursos, gestão e maior controle social para o seu desenvolvimento. Dentre as principais melhorias percebidas pela população, elenca-se: aumentar o número de médicos e reduzir o tempo de espera. Essas percepções indicam que a solução para saúde social passa pela ampliação da capacidade instalada pública própria do SUS.
A transição do plano de saúde para o SUS único e efetivo deve estar condicionada a progressividade do financiamento do sistema e a provisão dos serviços ao maior contingente populacional possível em todas as classes sociais, sempre a partir da capacidade instalada pública própria.
É preciso operacionalizar o SUS à luz do Sistema Universalista, a sustentabilidade dos serviços depende do envolvimento da sociedade como um todo e não apenas do orçamento do Estado. A viabilidade do SUS vista para além da questão da “restrição orçamentária do governo” e orientada muito mais pelo “efeito endógeno” do gasto social.
O gasto pensado de acordo com os efeitos diretos sobre a sua própria sustentação. A alta das ocupações do SUS com maior geração de emprego formal eleva a própria base tributária do governo; uma população saudável tem mais e melhores condições de trabalho e renda; e mais investimento público em saúde tem impacto na produtividade e crescimento da riqueza nacional. O multiplicador do gasto em saúde é extremamente benéfico para o desenvolvimento do país, sendo um verdadeiro vetor do incremento da renda das famílias e riqueza nacional via aumento do Produto Interno Bruto (PIB).
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