terça-feira, 18 de abril de 2017

A compreensível ascensão de Mélenchon

Jean-Luc Mélenchon
Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:

A relevância internacional da ascenção de Jean-Luc Mélenchon na eleição presidencial francesa não pode ser desprezada.

O crescimento de um candidato de perfil nitidamente de esquerda, de pais e avós socialistas, representa uma boa advertência contra o conformismo que ameaça se transformar na principal corrente de pensamento dos dias atuais.

Numa situação que os brasileiros conhecem muito bem, e que dá uma ideia de que o provincianismo autoritário não é uma exclusividade verde-amarela, nos últimos dias a mídia francesa transformou Melénchon no adversário a destruir.

Em editorial no dia 12, o Fígaro, mais tradicional jornal da direita francesa, comparou Mélenchon a Robespierre e Hugo Chávez, passando por Lenin, Trostki e Fidel Castro. Também escreveu que ninguém fica "incólume" após uma passagem "de dez anos na Organização Comunista Internacionalista, "similar francesa da corrente O Trabalho, do Partido dos Trabalhadores.

Eu estava na França em março, quando Mélenchon se encontrava em quinto lugar na maioria das pesquisas eleitorais. Assisti, pela TV, a seu comício para 130 000 pessoas numa praça central de Paris. Acompanhei, dois dias depois, seu desempenho num debate entre os seis principais candidatos ao primeiro turno, quando deixou os estúdios da TV aclamado por um desempenho indiscutivelmente superior.

Numa referência aos efeitos possíveis da gigantesca manifestação de Paris numa campanha que parecia bloqueada para uma candidatura ligada aos trabalhadores e a população mais pobres do país, registrei aqui mesmo, em 19 de março: "Não há dúvida que a presença de uma multidão numa praça histórica de Paris ajudou a diminuir o sufoco."

De lá para cá, Melénchon tem exibido visão política e clareza de pensamento para equilibrar-se numa situação difícil.

Trata-se de assumir uma campanha de esquerda num cenário de escombros do governo François Hollande, que desmotivou essa fatia do universo político frances como poucas vezes se viu na história do país e quem sabe do mundo, deixando duas heranças complicadas. Uma delas, a reforçada candidatura fascista de Marine Le Pen.

A outra é uma candidatura saída da ala direita do governo Hollande, Emanuel Macron, uma espécie de Joaquim Levy. Mais desembaraçado e politizado do que sua versão brasileira, Macron é o concorrente abençoado pela elite dirigente do país -- numa postura tão escancarada que pode tornar-se até contraproducente em períodos de irritação do eleitorado.

Nessa situação, a campanha de Mélenchon desafia o aconselhamento político convencional, que recomendaria prudência e moderação como estratégia permanente.

Apoiado numa oratória sem comparação possível entre concorrentes, rica em imagens e clara na argumentação, cresce aos olhos do eleitor sem perder uma única oportunidade para reafirmar a defesa dos interesses dos trabalhadores, dos direitos dos imigrantes e seus descendentes -- assunto crucial da democracia francesa --, dos direitos das mulheres e até à eutanásia, sem tornar-se um ultra-esquerdista inofensivo, personagem disponível em várias versões -- até cômica -- no pleito francês de 2017.

Sua força reside na capacidade de apontar problemas e oferecer soluções. Proclama a necessidade de uma Constituinte, critica a subordinação dos Estados Nacionais a União Europeia e diz que a presença dos refugiados nos países dos Velho Mundo tem origem em tratados de livre comercio que destruíram as economias e oportunidades de emprego nos países pobres, em particular antigas colônias. Num país no qual atos terroristas estimulam os piores instintos da população, Mélenchon fala contra a Guerra, exige a Paz.

Nos últimos dias de campanha, as dificuldades de Mélenchon se tornam mais visíveis, efeito natural no esforço de um concorrente que trocou a condição de concorrente nanico pela de candidato real. Articulada em torno de suas ideias e sua personalidade, sua campanha não possui a aparelhagem política pesada que irá correr atrás dos votos franceses até domingo. Mesmo eleitores do PS -- aqueles que não foram seduzidos por Macron -- serão pressionados a votar no candidato oficial do partido, num esforço para garantir uma bancada parlamentar acima da linha d'água e evitar uma derrocada sem remédio. Mesmo sem atingir o padrão tropical, os ataques abaixo da cintura devem recrudescer.

Se ultrapassar tantos obstáculos e chegar ao segundo turno, Mélenchon estará no centro de um debate essencial, capaz de muda ventos no Velho Mundo e em todo o planeta.

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