Por Gabriel Valery, na Rede Brasil Atual:
“Se existe um legado trágico do neoliberalismo é a desorganização dos trabalhadores. Soma-se a isso uma pauperização enorme que torna precárias as condições para retomar qualquer movimento”, avaliou a economista e professora da UnB Maria Mollo. “E a verdade é que para transformar qualquer sociedade é preciso de organização dos trabalhadores.”
Com o tema "Tendências da crise mundial do capitalismo", Maria traçou, , durante o Seminário 100 anos da Revolução Russa e 95 do PCdoB, realizado na quinta-feira (30), em São Paulo, um panorama geral das crises do capitalismo, em especial a chamada Grande Recessão de 2008, desencadeada por inadimplência em financiamentos de alto risco (subprime) nos Estados Unidos. Deixando de lado os fatores técnicos que levaram parte da economia global a uma recessão, a professora se concentrou em analisar as crises como naturais do sistema capitalista.
“Existem duas visões mais fortes, marxistas, sobre a causa da crise. A primeira tem relação com a queda da taxa de lucro, uma tendência observada pelo próprio Marx em 1897.” Nesta visão, o último ciclo de ascensão teria sua recessão na crise de 1929. “Os que defendem que a crise de 2008 tem essa mesma característica, entendem que, na década de 1970, os mercados experimentaram uma queda na taxa de lucro, mas não o suficiente. Como se o capital não tivesse desvalorizado tanto quanto pede o sistema para que se inicie um novo ciclo”, disse.
Maria Mollo é objetiva. Para ela, a crise é reflexo do neoliberalismo. “O capitalismo neoliberal e a financeirização das economias vieram como uma tentativa do capital de se desvincular, fugir, de regulamentações que reduzem os lucros. Eles conseguiram isso com a financeirização, que fez, na década de 1980, subir de forma moderada a taxa de lucro. Mas apesar dessa recuperação houve uma série de desequilíbrios após esse período, como o aumento das dívidas (interna e externa) e o endividamento dos consumidores, o que fragilizou a economia.”
Tal fragilidade trazida pela financeirização das economias seria, na visão da economista, a razão da crise de 2008. “A separação da propriedade do capital e da gestão do capital fez com que houvesse um crescimento enorme nos riscos, nos endividamentos, na especulação. Isso tudo faz descolar a finança da produção. Mas tudo tem um limite. O limiar é a crise”, argumenta.
A professora da UnB utiliza o conceito marxista de “capital fictício” para explicar o tema. “Esse capital se desenvolve ao longo do tempo e deu origem a uma forma diferente de capitalismo. Essa forma está sendo colocada em xeque. De fato, todos nós sabemos que se há um traço característico do capitalismo atual é a supremacia da economia financeira sobre a produtiva”, disse. Segundo essa visão, o dinheiro em si, que circula nos mercados sem passar pela produção, vale mais do que o produto e o trabalho que o produzem de fato.
“Ações de uma empresa se valorizam de forma diferente do capital que lhes deu origem. As ações reais são omitidas para dar dinheiro para as empresas. Depois de ir para a bolsa, as ações se valorizam independentemente do que acontece na produção. Essa é a valorização do capital fictício”, disse.
A criação desse dinheiro sem passar pela produção ou agregar mão de obra, para Maria, é a base do neoliberalismo, e é razão de desigualdade e despertar de crises. “Você compra e vende papel, deixando de investir de fato, deixando de empregar e produzir. Não existe valorização de nada real nesse sistema.”
“Mas o que sustenta a demanda por esse capital fictício?”, questiona a professora. “Os recursos das produções reais, os lucros e salários. Mas como o dinheiro não volta como investimentos, isso foi levando o mercado a um arrefecimento da geração de lucros reais e valorização de salários. E isso reduziu a demanda e desvalorizou os títulos. E com a desvalorização, as pessoas vendem as ações. Essa venda em massa provoca o que Marx chamou de crise financeira, que se desenvolve no mercado financeiro, mas contamina a economia como um todo”, afirmou.
Com o tema "Tendências da crise mundial do capitalismo", Maria traçou, , durante o Seminário 100 anos da Revolução Russa e 95 do PCdoB, realizado na quinta-feira (30), em São Paulo, um panorama geral das crises do capitalismo, em especial a chamada Grande Recessão de 2008, desencadeada por inadimplência em financiamentos de alto risco (subprime) nos Estados Unidos. Deixando de lado os fatores técnicos que levaram parte da economia global a uma recessão, a professora se concentrou em analisar as crises como naturais do sistema capitalista.
“Existem duas visões mais fortes, marxistas, sobre a causa da crise. A primeira tem relação com a queda da taxa de lucro, uma tendência observada pelo próprio Marx em 1897.” Nesta visão, o último ciclo de ascensão teria sua recessão na crise de 1929. “Os que defendem que a crise de 2008 tem essa mesma característica, entendem que, na década de 1970, os mercados experimentaram uma queda na taxa de lucro, mas não o suficiente. Como se o capital não tivesse desvalorizado tanto quanto pede o sistema para que se inicie um novo ciclo”, disse.
Maria Mollo é objetiva. Para ela, a crise é reflexo do neoliberalismo. “O capitalismo neoliberal e a financeirização das economias vieram como uma tentativa do capital de se desvincular, fugir, de regulamentações que reduzem os lucros. Eles conseguiram isso com a financeirização, que fez, na década de 1980, subir de forma moderada a taxa de lucro. Mas apesar dessa recuperação houve uma série de desequilíbrios após esse período, como o aumento das dívidas (interna e externa) e o endividamento dos consumidores, o que fragilizou a economia.”
Tal fragilidade trazida pela financeirização das economias seria, na visão da economista, a razão da crise de 2008. “A separação da propriedade do capital e da gestão do capital fez com que houvesse um crescimento enorme nos riscos, nos endividamentos, na especulação. Isso tudo faz descolar a finança da produção. Mas tudo tem um limite. O limiar é a crise”, argumenta.
A professora da UnB utiliza o conceito marxista de “capital fictício” para explicar o tema. “Esse capital se desenvolve ao longo do tempo e deu origem a uma forma diferente de capitalismo. Essa forma está sendo colocada em xeque. De fato, todos nós sabemos que se há um traço característico do capitalismo atual é a supremacia da economia financeira sobre a produtiva”, disse. Segundo essa visão, o dinheiro em si, que circula nos mercados sem passar pela produção, vale mais do que o produto e o trabalho que o produzem de fato.
“Ações de uma empresa se valorizam de forma diferente do capital que lhes deu origem. As ações reais são omitidas para dar dinheiro para as empresas. Depois de ir para a bolsa, as ações se valorizam independentemente do que acontece na produção. Essa é a valorização do capital fictício”, disse.
A criação desse dinheiro sem passar pela produção ou agregar mão de obra, para Maria, é a base do neoliberalismo, e é razão de desigualdade e despertar de crises. “Você compra e vende papel, deixando de investir de fato, deixando de empregar e produzir. Não existe valorização de nada real nesse sistema.”
“Mas o que sustenta a demanda por esse capital fictício?”, questiona a professora. “Os recursos das produções reais, os lucros e salários. Mas como o dinheiro não volta como investimentos, isso foi levando o mercado a um arrefecimento da geração de lucros reais e valorização de salários. E isso reduziu a demanda e desvalorizou os títulos. E com a desvalorização, as pessoas vendem as ações. Essa venda em massa provoca o que Marx chamou de crise financeira, que se desenvolve no mercado financeiro, mas contamina a economia como um todo”, afirmou.
Retomada e contradições
A professora considera improvável a retomada da economia sob esse modelo. Se as crises funcionam como mecanismo para queimar o excesso de capital fictício, após 2008 o mundo passou a ver uma mudança no comportamento do Estado, em especial dos Estados Unidos. “Por mais que digam que a economia está retomando, isso é mentira. Existe um fator novo no modelo: o governo está injetando um monte de dinheiro na economia”, disse.
Então, para Maria, a crise está longe de uma solução. “O capital fictício foi a razão da crise e a financeirização não foi interrompida. Todas as políticas de austeridade que o mundo todo pratica só beneficiam o credor e o financista. Nunca beneficiam o produtor, a não ser que tenha dinheiro aplicado. Isso porque não tem demanda, e como não beneficia o trabalhador, ele perde seu emprego, o que reduz ainda mais a demanda”.
“Se você injeta dinheiro na crise, você impede que a crise de liquidez se transforme em crise de dissolvência”, disse em referência à crise de 1929. “Sempre quem paga a crise é o trabalhador, em particular o menos remunerado. Hoje, eles continuam injetando dinheiro, mas sem solução. Isso, porque quando há incertezas em cima da demanda, o capitalista não investe. Segura o dinheiro que o Estado injetou”, disse.
Então, diante de uma crise, o Estado deveria apostar em políticas anticíclicas, para Maria. Isso, porque sem fortalecer a demanda, os trabalhadores, os possíveis investidores se restringem ao mercado financeiro, fictício, segurando o capital. “A desconfiança é tão grande, e sem segurança não tem investimento. Para isso, só o Estado entrando e ele investindo. E o que o Estado tem feito? Austeridade. Isso significa que o Estado não gasta no lado certo, faz o contrário do que precisa fazer para relançar a economia de forma anticíclica.”
“A crise é reflexo do capital neoliberal tentando se desvencilhar das regulações do Estado”, continuou. E o problema central, para a professora, é que essa pauperização da classe trabalhadora desmobiliza, e “para transformar a sociedade é preciso organização dos trabalhadores. Em situações adversas, não há como organizações de trabalhadores se fortalecerem. Não é possível porque quem está desempregado está louco para arranjar qualquer bico para comer. Isso não organiza ninguém”, disse.
Logo, a professora conclui que a desigualdade tende a ser crescente com esse “terrível legado” do neoliberalismo: “a desorganização dos trabalhadores com pauperização enorme que torna precárias as condições para retomar movimentos transformadores”.
A professora considera improvável a retomada da economia sob esse modelo. Se as crises funcionam como mecanismo para queimar o excesso de capital fictício, após 2008 o mundo passou a ver uma mudança no comportamento do Estado, em especial dos Estados Unidos. “Por mais que digam que a economia está retomando, isso é mentira. Existe um fator novo no modelo: o governo está injetando um monte de dinheiro na economia”, disse.
Então, para Maria, a crise está longe de uma solução. “O capital fictício foi a razão da crise e a financeirização não foi interrompida. Todas as políticas de austeridade que o mundo todo pratica só beneficiam o credor e o financista. Nunca beneficiam o produtor, a não ser que tenha dinheiro aplicado. Isso porque não tem demanda, e como não beneficia o trabalhador, ele perde seu emprego, o que reduz ainda mais a demanda”.
“Se você injeta dinheiro na crise, você impede que a crise de liquidez se transforme em crise de dissolvência”, disse em referência à crise de 1929. “Sempre quem paga a crise é o trabalhador, em particular o menos remunerado. Hoje, eles continuam injetando dinheiro, mas sem solução. Isso, porque quando há incertezas em cima da demanda, o capitalista não investe. Segura o dinheiro que o Estado injetou”, disse.
Então, diante de uma crise, o Estado deveria apostar em políticas anticíclicas, para Maria. Isso, porque sem fortalecer a demanda, os trabalhadores, os possíveis investidores se restringem ao mercado financeiro, fictício, segurando o capital. “A desconfiança é tão grande, e sem segurança não tem investimento. Para isso, só o Estado entrando e ele investindo. E o que o Estado tem feito? Austeridade. Isso significa que o Estado não gasta no lado certo, faz o contrário do que precisa fazer para relançar a economia de forma anticíclica.”
“A crise é reflexo do capital neoliberal tentando se desvencilhar das regulações do Estado”, continuou. E o problema central, para a professora, é que essa pauperização da classe trabalhadora desmobiliza, e “para transformar a sociedade é preciso organização dos trabalhadores. Em situações adversas, não há como organizações de trabalhadores se fortalecerem. Não é possível porque quem está desempregado está louco para arranjar qualquer bico para comer. Isso não organiza ninguém”, disse.
Logo, a professora conclui que a desigualdade tende a ser crescente com esse “terrível legado” do neoliberalismo: “a desorganização dos trabalhadores com pauperização enorme que torna precárias as condições para retomar movimentos transformadores”.
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