domingo, 2 de abril de 2017

As relações entre o governo Temer e os EUA

Por Marco Aurélio Cabral Pinto, no site Brasil Debate:

Em janeiro de 2017, foi designado novo embaixador dos EUA para o Brasil. T. P. M. McKinley atuou na Colômbia na negociação com as Farc. No Afeganistão, enfrentou Talibãs. Em 1997, esteve em Uganda durante escalada de conflitos no Congo. Com isso, o embaixador dificilmente desconhece os trabalhos de inteligência dos EUA no Brasil, incluindo-se competência da NSA junto à Polícia Federal.

O objetivo deste artigo é reexaminar as relações entre o governo de Michel Temer e a transição presidencial nos EUA. A reflexão toma como referencial o Brasil, cobrindo-se período de doze meses entre a votação do impedimento na Câmara dos Deputados, em abril de 2016, e a “crise da carne” em março de 2017.


Viagem do senador Aloysio Nunes aos EUA

O governo transitório se iniciou formalmente em agosto de 2016. No entanto, M. Temer nomeou H. Meirelles para a Fazenda no mesmo dia 12 de maio em que o impedimento foi votado no senado. I. Goldfajn, economista-chefe do Banco Itaú, foi anunciado para o Banco Central três dias depois.

A votação do impedimento na Câmara foi transmitida pelas emissoras líderes de radioteledifusão. Cada voto, dedicado a Deus ou a membros da própria família, comprovou a hipótese de “golpe dos corruptos”.

O próximo passo seria remeter ao Senado o processo. No entanto, pesava crescente a narrativa do “golpe dos corruptos” nas camadas populares. Pesava como ameaça à imposição de agressiva agenda neoliberal.

No dia seguinte à votação na Câmara, o senador A. Nunes (PSDB/SP) viajou para os EUA. Segundo The Intercept (18 de abril de 2016):

“O Senador Nunes vai se reunir com o presidente e um membro do Comitê de Relações Internacionais do Senado, Bob Corker (republicano, do estado do Tennessee) e Ben Cardin (democrata, do estado de Maryland), e com o Subsecretário de Estado e ex-Embaixador no Brasil, Thomas Shannon, além de comparecer a um almoço promovido pela empresa lobista de Washington, Albright Stonebridge Group (ASG), comandada pela ex-Secretária de Estado de Clinton, Madeleine Albright e pelo ex-Secretário de Comércio de Bush e ex-diretor-executivo da empresa Kellogg, Carlos Gutierrez.”

T. Shannon atuou como embaixador dos EUA no Brasil. Antes de ser afastado, foi Secretário do Departamento de Estado. O sucessor R. W. Tillerson, indicado por Trump, assumiu após longa carreira na Exxon Mobile (1975-2016, dez como CEO).

Conforme admitiu o próprio senador A. Nunes, em encontro com T. Shannon discutiram-se ações para conferir legitimidade ao governo. A legitimidade permitiria rápida aprovação das reformas neoliberais. Já a empresa ASG, que manteve encontro com o senador, orgulha-se de caso de superação de resistência à introdução de novo medicamento a ser comprado pelo próprio governo brasileiro.

Segundo o site da ASG, em 29 de março deste ano (tradução do autor):

“O governo brasileiro está entre os maiores compradores de produtos farmacêuticos, mas processos regulatórios podem também criar obstáculos. Uma firma farmacêutica global entrou em uma PPP com a intenção de trazer produto de suporte a vida e tecnologia para o Brasil. Contudo, a implementação se dava em meio a incerteza em torno do contrato de PPP e dos esforços de um competidor local para impedir o progresso da PPP.”

Aparentemente, a atuação da ASG tornou-se mais importante desde então. Após negação eleitoral de teses neoliberais nos EUA, com a vitória de D. Trump, a ASG tem atuado para tranquilizar os interesses financeiros no Brasil. A empresa assim descrevia a posição do recém-eleito presidente Trump em relação ao Brasil, segundo a Folha de S. Paulo de 4 de dezembro de 2016:

“… a vantagem é que o Brasil não está na linha de fogo do próximo governo dos EUA [Trump], porque tem déficit comercial e não tem agenda negativa, como significativa imigração ilegal.”

Ou seja, o argumento utilizado para a continuidade dos investimentos no país é que o governo Trump levará algum tempo até se dedicar à situação econômica e política do Brasil.

Resignação de José Serra

Em setembro de 2016, na ONU, M. Temer discursou sem qualquer referência em favor de tratados de livre comércio. Reafirmou compromisso com a integração sul-americana e nada falou contra o governo venezuelano. Segundo a Carta Capital, de 23 de setembro de 2016:

“…em encontro com empresários e investidores estrangeiros em Nova York, Temer disse que em “brevíssimo tempo” haverá mudança na legislação petrolífera para permitir às multinacionais explorar o pré-sal sem a Petrobras. Um projeto, fez questão de ressaltar, de Serra.”

À época, J. Serra apregoava que D. Trump seria um desastre. O escolhido por J. Serra para embaixador em Washington, Sergio Amaral, foi porta-voz no período de F.H. Cardoso.

Cinco meses depois de voltar de Nova York e, menos de um mês de gestão D. Trump, em fevereiro de 2017, J. Serra se resignou como ministro das relações exteriores.

Da posse de Trump à “crise da carne”

Após eleições nos EUA verificou-se primeiro contato de M. Temer com D. Trump, em fragmento de nota à imprensa da SECOM/Presidência da República:

“…Temer e Trump concordaram em lançar, imediatamente após a posse do novo presidente americano, uma agenda Brasil-EUA para o crescimento. Combinaram que as equipes se reunirão a partir de fevereiro para elaborar essa agenda.”

Quanto à agenda para o crescimento a ser pactuada entre equipes brasileiras e norte-americanas, prevista para fevereiro de 2017, registrou-se telefonema do vice-presidente dos EUA em meados do mês acordado. Segundo ofício da Casa Branca, de 13 de fevereiro de 2017:

“O vice-presidente falou por telefone hoje com presidente Michel Temer do Brasil para discutir caminhos para fortalecer as relações bilaterais entre os EUA e o Brasil. Os dois líderes sublinharam a importância dos valores compartilhados por EUA e Brasil, incluindo-se respeito às instituições democráticas e ao estado de lei, compromisso com a segurança do hemisfério e os interesses mútuos na criação de emprego e estímulo ao crescimento econômico. O VP e o Presidente M. Temer concordaram em manter estreita comunicação, de maneira a avançar visões comuns por um hemisfério mais estável e próspero.”

Apenas onze dias depois da ligação do vice-presidente norte-americano, o Senado aprovou substitutivo ao PLS 131/2015, proposto por J. Serra, que revogou a participação obrigatória da Petrobras no modelo de partilha.

Contudo, a oferta brasileira para arrendamento da base de lançamento em Alcântara, costurada secretamente por S. Amaral e T. Shannon, não atendeu aos EUA pós-Trump, que impunham proibições ao Brasil: lançar foguetes próprios, firmar cooperação tecnológica espacial com outros países, apropriar-se de tecnologia norte-americana, usar recursos de arrendamento para desenvolver satélites nacionais, e, por último, apenas pessoal norte-americano teria acesso à base.

No auge da “crise da carne”, em março, D. Trump telefonou para Temer. A conversa endereçou a crise política e humanitária na Venezuela. O histórico de denúncias contra a colaboração de M. Temer como informante da embaixada norte-americana desde 2006 implica o presidente interino como aliado da gestão anterior nos EUA. Isto fez do grupo de M. Temer potencial opositor da gestão D. Trump.

Considerações finais

A operação Carne Fraca, que reuniu cerca de 1.000 agentes da PF, mostrou a estreiteza dos objetivos do governo interino. O Departamento de Combate aos Crimes Financeiros, responsável pelas investigações na Petrobras e nas empresas de engenharia, atacou os frigoríficos brasileiros. Como empresas familiares, porém com cotação em bolsas de valores, os frigoríficos são os líderes do capitalismo agroindustrial nacional.

Os EUA autorizaram importação de carne brasileira em 2016, menos de um ano antes da tal operação da Polícia Federal. Ou seja, ao sacudir o setor com pressões para aumento do controle bancário sobre as empresas, a PF feriu a oligarquia regional brasileira centrada no latifúndio.

O enfraquecimento do apoio dos latifundiários brasileiros, combinado com divergência com a nova gestão dos EUA, deve definir o curso dos acontecimentos.

Com isso, a “crise da carne” pode tornar-se marco para o ocaso do “golpe dos corruptos”. O novo governo, a ser constituído como de coalizão, deve viabilizar os “planos conjuntos” a serem desenvolvidos entre EUA-Brasil na área econômica. Estes “planos” devem combinar políticas para aumento de emprego e incentivos ao crescimento no Brasil.

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