Loik Le Floch-Prigent |
Aliado fidelíssimo de François Miterrand, presidente da França entre 1981 e 1995, Loik Le Floch-Prigent foi diretor-presidente de outras três estatais francesas, além da Elf. Aos 38 anos, foi o mais jovem PDG da Rhône-Poulanc, grupo industrial com marcas conhecidas, como a Rhodia. Sua entrevista:
Numa das suas entrevistas que formam o livro Affaire Elf, Affair dÉtat, o presidente François Mitterrand, responsável por sua nomeação como presidente da Elf, aparece como um chefe de Estado silencioso diante de esquemas de corrupção que estavam presentes na empresa muito antes que ele tivesse chegado ao Eliseu. Sabe tudo, inclusive quem paga comissões, quem recebe, por ordem de quem, mas nunca diz nada de forma explícita. Qual foi o papel de Mitterrand neste caso?
Como o general de Gaulle, ele possuía uma grande ideia da França e compreendia a importância da independência do petróleo e do gás, coisa que seus sucessores ignoraram. Acima de tudo, respeito essa memória.
(Em outra entrevista, o ex-presidente da Elf recorda afirma que "a mulher de um dos melhores amigos de Mitterrand, que trabalhou por mais de vinte anos como sua secretária particular, declarou, no programa 'Enviado Especial', que costumava ir pessoalmente a sede da Elf para recolher envelopes, e isso muito antes de minha chegada." Conforme Loik Le Floc-Pringent, ela ainda acrescentou que em determinados momentos "não eram mais envelopes, mas uma valise").
O senhor nunca se cansou de repetir, ao longo do processo: "Eu sou responsável de haver feito um sistema funcionar, igual a meus antecessores e sucessores." Nunca foi considerado um delator. Mas refere-se a casos, cita pessoas, a partir de fatos de conhecimento público. Deixa claro que outros executivos -- com outras ligações políticas -- sequer foram incomodados. Também diz que o pagamento de comissões acontecia sempre, em toda parte. O senhor lamentou que, durante seu processo, "nenhum homem público tenha se levantado para dizer que aquilo acontece pelo interesse da França." O senhor está dizendo que a corrupção era inevitável?
Um ponto fundamental a ser considerado é este: o mundo do petróleo é um mundo de preços políticos, que não dependem do custo de produção. Isso começou muito cedo, ainda no século XIX. Os países do Golfo Pérsico sempre se aproveitaram desse fato. Não foram os países ocidentais nem as companhias de petróleo que criaram o hábito de pagar os reis, depois os assessores próximos, os intermediários que ajudam a maximizar seus lucros. Assim, forma-se toda uma rede de indivíduos que chega ao próprio príncipe, de pessoas que sempre foram financiados por "comissões". O fundamento econômico permanece: envolve uma riqueza onde não há relação econômica real entre o custo de produção e o preço de venda.
Mas não haveria outra maneira de explorar o petróleo no mundo?
Tem ocorrido uma evolução inegável. Mas veja o caso da Nigéria, país petroleiro onde os norte-americanos são donos do jogo. Embora tenham sido tomadas medidas positivas, a Nigéria continua sendo um dos países mais corruptos do mundo. Alguém poderia me explicar como é possível haver corrupção se não há mais corruptores?
Miterrand poderia ser considerado como o verdadeiro alvo político daquele processo contra o senhor?
Ele não era o alvo. Os processos levaram em conta o fato de que, após a morte de Miterrand ( em 1996) , eu não possuía mais sua proteção. Nesta situação, algumas pessoas acreditavam que eu poderia falar mal dele, o que teria sido conveniente a seus joguinhos políticos. Mas eu não iria alimentar essa mediocridade.
Numa entrevista, o senhor disse que foi condenado porque não havia sido "capaz de provar que não era culpado."
O problema daquele período era a confusão entre a Justiça e a Mídia. Os jornalistas se tornaram juízes e procuradores, numa atitude que se tornaria muito comum nos anos seguintes. No que concerne aos juízes, havia uma questão muito importante de ego e notoriedade. Fui o primeiro a sofrer este ataque combinado. Enquanto os políticos olhavam para o céu, dizendo que não tinham o menor conhecimento do que acontecia, fui colocado sob prisão preventiva porque era preciso fornecer alguém a mídia. Eu era o melhor nome para todos se divertirem, já que os demais possíveis candidatos a prisão eram políticos vistos como pessoas puras, sem manchas, e Mitterrand estava morto. Já minha segunda condenação, em 2003, foi uma surpresa geral. Como nenhuma acusação foi provada contra mim, pois se tratava de um caso no qual eu não tinha o mais leve envolvimento. Até o procurador pediu o relaxamento da prisão.
No livro Alstom, Scandale d'Etat, o jornalista Jean-Michel Quatrepoint descreve a ação da norte-americana General Eletric para tomar posse de 70% da Alston como uma forma de assegurar sua supremacia no mercado mundial de energia. Conforme o relato de Quatrepoint, essa operação foi auxiliada por investigações do Departamento de Justiça do governo dos EUA, que pressionaram executivos da Alston, acusados de corrupção, para ceder a interesses da GE. O senhor acha que uma situação parecida se repetiu na Elf?
No caso Elf, não houve uma interferência direta do Departamento de Justiça dos Estados Unidos. A Kroll se ocupou.
(Uma das principais agências privadas de espionagem do planeta, frequentemente a Kroll é apontada como uma fachada para ações do serviço secreto dos EUA).
Qual a diferença entre a privatização da Elf e a dissolução da Alston?
Está claro que a ofensiva da Justiça americana contra a Alston explica em grande parte a reação dos dirigentes da empresa, que decidiram seu maior patrimônio para a General Elétric. Mas, para mim, foi uma fuga para a frente da direção da Alston, consequência de erros estratégicos, a partir de decisões da própria empresa e seus dirigentes. O caso da Elf foi diferente. A absorção da Elf pela Total (grupo privado frances) foi aceita pelo governo socialista da época, Jospin-DSK.
(A negociação ocorreu durante a coabitação dos conservadores de Jaques Chirac, presidente da França, com um ministério formado pelo PS, quando Lionel Jospin era o primeiro ministro. O ministro da Economia era Dominique Strauss Khan, cuja carreira foi encerrada em 2011 depois de uma denúncia de estupro de uma camareira em Nova York.)
O que aconteceu então?
Sabemos que a política mundial de petróleo é considerada pelos Estados Unidos como sua reserva de caça. Eles não gostam que outras forças se envolvam e muito menos que sejam bem sucedidas. Os Estados Unidos ficaram muito felizes de ver um concorrente desaparecer, em particular pela importância que a Elf vinha adquirindo em mercados no Leste. Eles se mostravam preocupados em função dos bons contatos mantidos com dirigentes ex-soviéticos. Mas naquele momento, era tarde demais para a Elf reagir. O estrago estava feito, com a nomeação de um executivo financeiro para o comando do grupo. Uma empresa de petróleo, e sobretudo Elf, sempre teve necessidade do gosto do risco. As operações de pesquisa de petróleo são sempre delicadas, entre o risco de cada país e a incerteza sobre aquilo que se vai encontrar sob o solo. Quem vai dirigir uma empresa de petróleo com o desejo absoluto de sucesso deve mudar de ramo. Nenhum executivo financeiro puro foi capaz de dar certo a frente de uma empresa de petróleo.
Para a França, quais foram as consequências da absorção da Elf pela Total, grupo francês privado?
A Elf foi criada pelo general Charles de Gaulle com a finalidade de garantir o abastecimento em petróleo e gás da França. Era uma empresa de desbravadores, de lutadores, que imaginou seu futuro na África e no Mar do Norte. A independência da Argélia, em 1962, interrompeu sua expansão mas o choque do petróleo de 1973 lhe deu um novo estímulo, já que soube enfrentar os riscos e desafios da época. Nos anos de minha presidência (1989-1993) nós tentamos a expansão nos países da antiga União Soviética -- Rússia, Cazaquistão, Ouzbequistão, Turkmenistão, na Venezuela -- mantendo, ao mesmo tempo, uma liderança na África e no Mar do Norte. Além de possuir um excepcional conhecimento do subsolo no centro de pesquisas de Pau, a Elf foi pioneira em perfurações horizontais e em águas profundas de Angola. Ela é, tecnicamente, uma das primeiras sociedades mundiais, ainda que tenha ficado atrás em produção e reservas em comparação com a Exxon, Shell e BP. Em 2000, após uma sequencia de erros do presidente da Elf na época, que limitaram suas possibilidades de expansão pelo abandono, em todos os continentes, de novos campos de exploração, para surpresa geral a Total fez uma oferta de compra contra a Elf e absorveu a empresa. A partir daí, outros grupos de petróleo vão assumir as pesquisas iniciadas pela Elf: BP na Russia, ENI no Cazaquistão, Andarko, Chevron. A chamada revolução dos hidrocarbonetos não convencionais acabou utilizando a tecnologia de perfuração horizontal sem seu inventor, Elf.
O que a França perdeu?
O desaparecimento da ELF coincidiu com o enfraquecimento de uma cultura de engenheiros e cientistas que queriam fazer de nosso país um dos melhores do mundo. O petróleo e o gás passaram a ser considerados como substâncias perigosas. O país passou a se refugiar no mito das novas energias, que seriam as únicas aptas a proteger os indivíduos! Um império industrial, diversificado na química e na farmacia, desapareceu. A potência industrial da França decaiu em todas as áreas. Perdemos o gosto do risco. A introdução, na Constituição, do "princípio de precaução," que exige que toda inovação tecnológica seja precedida de uma pesquisa de "precaução" vai neste sentido. (Nota de esclarecimento: produto de um processo geral de questionamentos à atividade industrial, em grande parte motivados por movimentos ambientalistas, o "princípio de precaução" tornou-se matéria constitucional, na França, em 2005).
O que aconteceu, na realidade?
A Elf havia sido construída por de Gaulle para garantir o suprimento de energia do país mas passou a ser encarada como um monstro que era preciso destruir de qualquer maneira. No livro "La Bataille de l'industrie," conto que neste processo fizemos desaparecer um grande número de fortalezas industriais. Tudo era justificado a partir de cálculos sobre de ganhos ou perdas financeiros, a partir de uma visão pouco pertinente contra os hidrocarbonetos.
Como era a atuação da Elf, além do petróleo?
Ela atuava nas principais atividades industriais do país. Deu apoio a Technip, no ramo para-petroleiro, à companhia Générale de Géophysique (CGG), l'IFP, mas também a química (Atochem) e a farmácia, com a Sanofi. Possuía uma carteira muito diversificada de atividades industriais e servia de braço armado nacional para apoiar o risco industrial, sempre presente, nos principais setores. O desaparecimento inviabilizou um conjunto inteiro de atividades, sem que ninguém pareça estar preocupado. Nada menos que a metade de nosso parque industrial desapareceu nos últimos 25 anos. Uma grande parte era sustentada pela Elf.
A Elf teve uma presença marcante em países africanos, região que acumula imensas reservas de petróleo mas se mantém como a grande concentração de pobreza do planeta. Como o senhor avalia a atuação da Elf nestes países?
A empresa foi o braço político da França na Africa. Ela procurou assegurar um ambiente de estabilidade naqueles países onde os golpes de Estado eram frequentes. Também não se limitava a procurar petróleo, mas tentava estimular o refino junto aos países produtores. A valorização da agricultura desses países também foi favorecida por um desenvolvimento econômico criado em torno do petróleo. Se em muitos casos a estabilidade acabou produzindo presidentes com mandatos vitalícios, não é uma falha da Elf, mas de toda diplomacia ocidental, em particular depois de 1995. Não tenho vergonha do trabalho de meus antecessores nem do meu desempenho mas lamento pela forma que as coisas se passaram nos últimos anos.
O senhor conhece o Brasil, que visitou com frequência na década de 1980, quando era presidente da Rhône-Poulenc e tem acompanhado, mesmo de longe, o que aconteceu com a Petrobras. Acha que a Petrobras corre o risco de desaparecer, como a ELF?
A Petrobras é uma grande empresa de petróleo, com engenheiros que souberam correr riscos nas pesquisas de águas profundas e que tiveram sucessos exemplares. Mas nós sabemos que os Estados Unidos não gostam da concorrência de talentos externos. Também acredito que o endividamento da Petrobras coloca a empresa em perigo. Qual é o lugar das empresas estrangeiras dentro do grande movimento de concentração operado pelos Estados Unidos? Poderão se manter se permanecem nacionais por seu capital. Se puderem ser negociadas na Bolsa, serão compradas um dia, quando a política norte-americana julgar necessário.
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