Por André Barrocal, na revista CartaCapital:
O IBGE, calculador oficial do PIB brasileiro, anunciou recentemente mudanças em algumas de suas pesquisas. Essas alterações são capazes de salvar o governo Michel Temer de uma recessão este ano, graças a um efeito estatístico. Uma história a alimentar suspeitas indesejáveis para um órgão que depende da credibilidade para sobreviver.
Na quinta-feira, 27, o Conselho Federal de Economia mandou uma carta ao presidente do IBGE, Paulo Rabello de Castro, a cobrar explicações públicas sobre as mudanças metodológicas e a data da decisão a respeito delas. Até agora, só houve explicações a portas fechadas em um seminário de duas horas realizado no dia 18, na sede do instituto no Rio, com consultorias e bancos.
Além do presidente do Conselho, Júlio Miragaya, também assina a carta o presidente da regional fluminense da entidade, José Antonio Lutterbach Soares, que é do IBGE e anda desconfiado.
Para Lutterbach, o instituto botou a nova metodologia na praça antes de ela estar madura e, por esse motivo, cometeu erros nas contas. “Essa pressa sugere que houve pressão do presidente do IBGE”, afirma. E por que teria havido pressão? “Porque ele é amigo do Temer e agora os resultados estão mais favoráveis ao governo.”
Na equipe econômica do governo Dilma Rousseff, era senso comum que revisões de pesquisa do IBGE significavam, via de regra, um PIB maior, daí que mudanças eram animadamente esperadas.
Em uma nota pública divulgada em 20 de abril, a associação dos funcionários diz que o instituto está sob comando de alguém “preocupado em fazer propaganda do governo Temer”, daí terem nascido dúvidas após as novidades metodológicas. O mesmo texto repudia, porém, insinuações de que tenha havido manipulação de dados com fins políticos.
No Senado, na quinta-feira 25 a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) chamou Rabello de Castro para prestar esclarecimentos sobre o assunto, a pedido do petista Lindberg Farias, do Rio. “Se essa história tivesse acontecido no governo do PT, seria um escândalo”, diz o senador.
As alterações referem-se a duas pesquisas mensais do IBGE, uma sobre vendas no varejo, outra sobre o desemprenho do setor de serviços. As modificações são semelhantes nos dois casos.
O instituto atualizou o cadastro de empresas entrevistadas (algumas entraram, as que fecharam as portas saíram). Mudou o peso amostral de certos subsetores (as vendas dos supermercados, por exemplo, perderam peso no levantamento sobre o comércio, as de combustíveis ganharam). E fixou um novo marco zero comparativo, o ano de 2014 (antes era 2011).
Com essa repaginada, preparada há cerca de dois anos e meio, o IBGE acredita ter produzido um retrato mais fiel sobre o varejo e o setor de serviços.
Os primeiros dados na nova metodologia foram coletados em janeiro e divulgados em março. No comércio, as vendas caíram 0,7% em relação a dezembro, enquanto os serviços recuaram 2,2%. Em abril, ao divulgar os números de fevereiro, o IBGE revisou os dados de janeiro e, surpresa, queda virou expansão. De 5,5% no comércio e de 0,2%, nos serviços.
A surpresa logo influenciou uma espécie de PIB mensal calculado pelo Banco Central (BC), o Índice de Atividade Econômica do BC, IBC-Br. Quatro dias depois da revisão do IBGE, o BC informou que o IBC-Br de fevereiro era de 1,3%. E que o do janeiro, antes negativo em 0,26%, virou positivo, de 0,62%. As pesquisas do IBGE sobre comércio e serviços entram na conta do IBC-Br.
No mesmo dia dos anúncios do BC, 17 de abril, o presidente Michel Temer festejou no Twitter. “O índice do Banco Central cresceu 1,3% em fevereiro. É o segundo crescimento seguido. Resultado do fortalecimento das reformas econômicas”, escreveu.
“As mudanças [nas pesquisas do IBGE] impactam, de maneira drástica, as perspectivas para a atividade econômica não apenas no primeiro trimestre, mas também para o ano de 2017”, diz um documento interno do BNDES, ao qual CartaCapital teve acesso. Segundo o texto, é bem provável que o PIB do primeiro trimestre “seja positivo e de magnitude significativa, encerrando a sequência de oito trimestres de queda”.
Até então, diz o documento, apenas a indústria e a agropecuária andavam para frente. O peso dos dois setores no PIB é relativamente pequeno perto de comércio e do setor de serviços. Este último representa, sozinho, cerca de 60% da economia. Detalhe: a pesquisa mensal do IBGE sobre serviços entra nos cálculos do instituto sobre o PIB.
No “mercado”, conta o economista de uma consultoria, estima-se que o efeito estatístico gerado pelas mudanças metodológicas do IBGE pode gerar de 0,3% a 0,6% de crescimento apenas no primeiro trimestre.
Pouco antes das novidades, já surgiam no “mercado”, reduto de fãs da política econômica do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, previsões de nova recessão este ano. A Gradual Investimentos estimava uma queda de 0,2%, mesmo patamar projetado pela consultoria 4E. A Fazenda trabalha com uma alta de 0,5%.
“É muito estranho o IBGE fazer uma mudança dessas no meio de uma recessão e justamente quando a política econômica do governo é contestada”, diz o economista Pedro Paulo Zahluth Bastos, da Unicamp. “Como pode ter havido uma virada tão grande no comércio [de -0,7% para +5,5%], ainda mais com o desemprego ainda crescendo e o crédito em queda?”
A reportagem conversou sobre o assunto com dois funcionários de carreira do IBGE, que não serão identificados para poupá-los de eventuais represálias. Ambos dizem que o instituto cometeu um erro: comparou os dados de janeiro de 2017 dos setores de comércio e serviços, calculados com base em uma metodologia nova, com os dados de dezembro de 2016, calculados na metodologia velha.
O mais correto, segundo eles, seria o IBGE aplicar a metodologia nova aos dados de 2016, 2015 e 2014, processo conhecido no mundo das estatísticas como retropolação, e só depois disso fazer os cálculos de 2017. De acordo com um dos funcionários, a ausência da retropolação antes da aplicação da nova metodologia é resultado de pressão de Rabello de Castro, presidente do instituto, que queria as novidades na praça logo.
O outro funcionário diz ainda que o IBGE também errou no modo como comunicou as novidades metodológicas. Não houve um anúncio antecipado, conversas prévias com especialistas de fora do instituto, explicações preliminares à imprensa.
As únicas explicações detalhadas dadas até aqui pelos técnicos do IBGE foram a portas fechadas para uns 40 representantes de bancos e consultorias no dia 18 de abril, na sede do instituto, no Rio. O seminário durou duas horas e, conforme relatos obtidos por CartaCapital, houve certa tensão.
Alguns convidados do seminário, especialmente aqueles ligados a consultorias, disseram que as mudanças nas pesquisas impedem que se saiba qual é, afinal, o estado real da atividade econômica. O salto de 5,5% nas vendas do varejo de dezembro para janeiro é resultado do quê, exatamente: da realidade ou da estatística? Como calcular agora nova previsão do PIB para este ano?
Comentário feito durante a reunião por um dos presentes: “O analista vai ter que interpretar que houve crescimento de 5,5% na história do comércio [de dezembro de 2016 para janeiro de 2017]. Esse índice não existe, não existiu até aqui. A gente atravessou até aqui um ciclo de expansão contínua, estamos em dúvida se saímos ou não da recessão e vem uma pesquisa importante para o mercado e diz que houve um crescimento real de 5,5% no total do comércio varejista”.
Para desfazer as dúvidas, um dos convidados pediu ao IBGE que fornecesse os dados coletados pelo instituto entre novembro de 2016 e fevereiro de 2017, a fim de permitir cálculos por conta própria nas consultorias. O instituto respondeu que só liberaria se o recebedor assinasse um termo se comprometendo a manter os dados sob sigilo e sem divulgar a ninguém.
O diretor de Pesquisas do IBGE, Roberto Olinto, nega ter havido qualquer intenção de manipular dados para ajudar o governo ou mesmo ingerência de Rabello de Castro. “É viver no mundo da lua achar que o presidente do IBGE tem esse poder de passar por cima da equipe técnica e que ninguém denunciaria. Falar em manipulação é uma tolice absurda”, diz. “É fantasia falar em manipulação.”
A reportagem pediu uma entrevista com Rabello de Castro mas não foi atendida.
O IBGE, calculador oficial do PIB brasileiro, anunciou recentemente mudanças em algumas de suas pesquisas. Essas alterações são capazes de salvar o governo Michel Temer de uma recessão este ano, graças a um efeito estatístico. Uma história a alimentar suspeitas indesejáveis para um órgão que depende da credibilidade para sobreviver.
Na quinta-feira, 27, o Conselho Federal de Economia mandou uma carta ao presidente do IBGE, Paulo Rabello de Castro, a cobrar explicações públicas sobre as mudanças metodológicas e a data da decisão a respeito delas. Até agora, só houve explicações a portas fechadas em um seminário de duas horas realizado no dia 18, na sede do instituto no Rio, com consultorias e bancos.
Além do presidente do Conselho, Júlio Miragaya, também assina a carta o presidente da regional fluminense da entidade, José Antonio Lutterbach Soares, que é do IBGE e anda desconfiado.
Para Lutterbach, o instituto botou a nova metodologia na praça antes de ela estar madura e, por esse motivo, cometeu erros nas contas. “Essa pressa sugere que houve pressão do presidente do IBGE”, afirma. E por que teria havido pressão? “Porque ele é amigo do Temer e agora os resultados estão mais favoráveis ao governo.”
Na equipe econômica do governo Dilma Rousseff, era senso comum que revisões de pesquisa do IBGE significavam, via de regra, um PIB maior, daí que mudanças eram animadamente esperadas.
Em uma nota pública divulgada em 20 de abril, a associação dos funcionários diz que o instituto está sob comando de alguém “preocupado em fazer propaganda do governo Temer”, daí terem nascido dúvidas após as novidades metodológicas. O mesmo texto repudia, porém, insinuações de que tenha havido manipulação de dados com fins políticos.
No Senado, na quinta-feira 25 a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) chamou Rabello de Castro para prestar esclarecimentos sobre o assunto, a pedido do petista Lindberg Farias, do Rio. “Se essa história tivesse acontecido no governo do PT, seria um escândalo”, diz o senador.
As alterações referem-se a duas pesquisas mensais do IBGE, uma sobre vendas no varejo, outra sobre o desemprenho do setor de serviços. As modificações são semelhantes nos dois casos.
O instituto atualizou o cadastro de empresas entrevistadas (algumas entraram, as que fecharam as portas saíram). Mudou o peso amostral de certos subsetores (as vendas dos supermercados, por exemplo, perderam peso no levantamento sobre o comércio, as de combustíveis ganharam). E fixou um novo marco zero comparativo, o ano de 2014 (antes era 2011).
Com essa repaginada, preparada há cerca de dois anos e meio, o IBGE acredita ter produzido um retrato mais fiel sobre o varejo e o setor de serviços.
Os primeiros dados na nova metodologia foram coletados em janeiro e divulgados em março. No comércio, as vendas caíram 0,7% em relação a dezembro, enquanto os serviços recuaram 2,2%. Em abril, ao divulgar os números de fevereiro, o IBGE revisou os dados de janeiro e, surpresa, queda virou expansão. De 5,5% no comércio e de 0,2%, nos serviços.
A surpresa logo influenciou uma espécie de PIB mensal calculado pelo Banco Central (BC), o Índice de Atividade Econômica do BC, IBC-Br. Quatro dias depois da revisão do IBGE, o BC informou que o IBC-Br de fevereiro era de 1,3%. E que o do janeiro, antes negativo em 0,26%, virou positivo, de 0,62%. As pesquisas do IBGE sobre comércio e serviços entram na conta do IBC-Br.
No mesmo dia dos anúncios do BC, 17 de abril, o presidente Michel Temer festejou no Twitter. “O índice do Banco Central cresceu 1,3% em fevereiro. É o segundo crescimento seguido. Resultado do fortalecimento das reformas econômicas”, escreveu.
“As mudanças [nas pesquisas do IBGE] impactam, de maneira drástica, as perspectivas para a atividade econômica não apenas no primeiro trimestre, mas também para o ano de 2017”, diz um documento interno do BNDES, ao qual CartaCapital teve acesso. Segundo o texto, é bem provável que o PIB do primeiro trimestre “seja positivo e de magnitude significativa, encerrando a sequência de oito trimestres de queda”.
Até então, diz o documento, apenas a indústria e a agropecuária andavam para frente. O peso dos dois setores no PIB é relativamente pequeno perto de comércio e do setor de serviços. Este último representa, sozinho, cerca de 60% da economia. Detalhe: a pesquisa mensal do IBGE sobre serviços entra nos cálculos do instituto sobre o PIB.
No “mercado”, conta o economista de uma consultoria, estima-se que o efeito estatístico gerado pelas mudanças metodológicas do IBGE pode gerar de 0,3% a 0,6% de crescimento apenas no primeiro trimestre.
Pouco antes das novidades, já surgiam no “mercado”, reduto de fãs da política econômica do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, previsões de nova recessão este ano. A Gradual Investimentos estimava uma queda de 0,2%, mesmo patamar projetado pela consultoria 4E. A Fazenda trabalha com uma alta de 0,5%.
“É muito estranho o IBGE fazer uma mudança dessas no meio de uma recessão e justamente quando a política econômica do governo é contestada”, diz o economista Pedro Paulo Zahluth Bastos, da Unicamp. “Como pode ter havido uma virada tão grande no comércio [de -0,7% para +5,5%], ainda mais com o desemprego ainda crescendo e o crédito em queda?”
A reportagem conversou sobre o assunto com dois funcionários de carreira do IBGE, que não serão identificados para poupá-los de eventuais represálias. Ambos dizem que o instituto cometeu um erro: comparou os dados de janeiro de 2017 dos setores de comércio e serviços, calculados com base em uma metodologia nova, com os dados de dezembro de 2016, calculados na metodologia velha.
O mais correto, segundo eles, seria o IBGE aplicar a metodologia nova aos dados de 2016, 2015 e 2014, processo conhecido no mundo das estatísticas como retropolação, e só depois disso fazer os cálculos de 2017. De acordo com um dos funcionários, a ausência da retropolação antes da aplicação da nova metodologia é resultado de pressão de Rabello de Castro, presidente do instituto, que queria as novidades na praça logo.
O outro funcionário diz ainda que o IBGE também errou no modo como comunicou as novidades metodológicas. Não houve um anúncio antecipado, conversas prévias com especialistas de fora do instituto, explicações preliminares à imprensa.
As únicas explicações detalhadas dadas até aqui pelos técnicos do IBGE foram a portas fechadas para uns 40 representantes de bancos e consultorias no dia 18 de abril, na sede do instituto, no Rio. O seminário durou duas horas e, conforme relatos obtidos por CartaCapital, houve certa tensão.
Alguns convidados do seminário, especialmente aqueles ligados a consultorias, disseram que as mudanças nas pesquisas impedem que se saiba qual é, afinal, o estado real da atividade econômica. O salto de 5,5% nas vendas do varejo de dezembro para janeiro é resultado do quê, exatamente: da realidade ou da estatística? Como calcular agora nova previsão do PIB para este ano?
Comentário feito durante a reunião por um dos presentes: “O analista vai ter que interpretar que houve crescimento de 5,5% na história do comércio [de dezembro de 2016 para janeiro de 2017]. Esse índice não existe, não existiu até aqui. A gente atravessou até aqui um ciclo de expansão contínua, estamos em dúvida se saímos ou não da recessão e vem uma pesquisa importante para o mercado e diz que houve um crescimento real de 5,5% no total do comércio varejista”.
Para desfazer as dúvidas, um dos convidados pediu ao IBGE que fornecesse os dados coletados pelo instituto entre novembro de 2016 e fevereiro de 2017, a fim de permitir cálculos por conta própria nas consultorias. O instituto respondeu que só liberaria se o recebedor assinasse um termo se comprometendo a manter os dados sob sigilo e sem divulgar a ninguém.
O diretor de Pesquisas do IBGE, Roberto Olinto, nega ter havido qualquer intenção de manipular dados para ajudar o governo ou mesmo ingerência de Rabello de Castro. “É viver no mundo da lua achar que o presidente do IBGE tem esse poder de passar por cima da equipe técnica e que ninguém denunciaria. Falar em manipulação é uma tolice absurda”, diz. “É fantasia falar em manipulação.”
A reportagem pediu uma entrevista com Rabello de Castro mas não foi atendida.
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