Por Rafael da Silva Barbosa, no site Brasil Debate:
Grande parte dos tratamentos de saúde necessita de medicamentos para alcançar o estado da cura ou melhorar a condição de vida dos pacientes. Em diversos casos, o medicamento é único meio pelo qual parte das pessoas consegue viver sem maiores complicações. A hipertensão e a diabetes, que acometem um percentual não desprezível da população brasileira, são os exemplos mais comuns do grau de dependência farmacológico, mas existem aqueles em que a ausência do produto é indispensável, como: osteoporose, Parkinson e glaucoma. Em curto prazo e se não tratadas essas doenças podem evoluir mais rapidamente para o quadro grave, mudando o estágio epidemiológico dos usuários. Por isso, a disponibilidade dos medicamentos desempenha papel vital no desenvolvimento da proteção à saúde.
Em abril de 2004, com vistas a garantir o acesso aos medicamentos que mais atingem a população, foi criado o Programa Farmácia Popular do Brasil por meio da Lei de 10.858. Operacionalmente, o programa autorizou a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) a disponibilizar medicamentos mediante ressarcimento e proporcionou a oferta de remédios com desconto de até 90%. As adequações da política seguiram ano após ano e algumas, embora tenham se mostrado importantes, ao mesmo tempo fragilizaram a sua concepção. Este foi o caso da expansão dos serviços segundo a lógica privada. Em 2006, o setor privado ingressa ao programa e o acesso aos medicamentos, antes realizado exclusivamente pela rede própria das farmácias populares passa, agora, a contar com a rede privada na modalidade “Aqui Tem Farmácia Popular”. A abertura praticamente estancou a expansão pública.
Apesar disso, outras medidas reforçaram expressivamente o aspecto vital da presença pública na área. Nos anos posteriores foram incorporados ao rol dos itens do Farmácia Popular os contraceptivos, medicamentos para Gripe (H1N1), Insulina Regular, novos medicamentos para hipertensão e diabetes, a inclusão da Sinvastatina, osteoporose, rinite, asma, Parkinson, glaucoma e, para a incontinência urinária para idosos, também as fraldas geriátricas. A mais notável das mudanças do Farmácia Popular ocorreu no ano de 2011, quando três medicamentos voltados ao tratamento da asma passaram a ser disponibilizados de forma totalmente gratuita.
Entretanto, as atuais alterações na política podem retroceder a acessibilidade, isto porque, no início de 2017, o Ministério da Saúde emitiu uma nota sobre o funcionamento das unidades próprias do Programa Farmácia Popular do Brasil, e ficou determinado o fim do financiamento do Ministério da Saúde para as 393 unidades próprias do programa Farmácia Popular a partir da competência de maio de 2017.
Dessa forma, a existência do estabelecimento dependerá da capacidade financeira dos entes federados em assumir os custos. De acordo com a nota, a despesa atribuída à manutenção da capacidade instalada própria, de R$ 100 milhões, será canalizada para compra dos medicamentos, pois esse valor representa 80% dos gastos do programa. Ademais, ainda segundo a nota, esse valor estará garantido por meio da lógica do Componente Básico da Assistência Farmacêutica, segundo a qual os estados e municípios poderão definir quais princípios ativos adquirir e disponibilizá-los a partir dos postos de saúde.
Ao que tudo indica, essa mudança pode gerar algumas consequências não desejáveis. A primeira delas diz respeito à gestão da política, à perda de coordenação com o fim da definição dos medicamentos pelo governo central, que reduz o olhar mais estrutural e amplo do programa. Ao transferir a responsabilidade da gestão para os estados e municípios, a descentralização flexibilizada pode ter sido acima do apropriado, retirando a obrigatoriedade de uma tabela predefinida para os medicamentos. Isto sem mencionar que a desvinculação dos repasses compromete a existência dos estabelecimentos próprios, e são exatamente estes os principais responsáveis pela oferta de 112 itens no Programa Farmácia Popular, disponibilizando um quantitativo de 87 itens a mais do que a rede privada, com no máximo 25 itens ofertados. Ou seja, a transição entre a rede pública e privada não está clara.
Em segundo lugar, para uma nação como o Brasil, de dimensão e economia relevante, o número de 393 estabelecimentos próprios é um quantitativo insuficiente e passível de ser expandido. Logo, não parece ser a composição do gasto o maior desafio do programa, a participação de 80% com manutenção dos estabelecimentos “versus” 20% com medicamentos revela outra perspectiva, a de que a magnitude dos recursos é ínfima frente a grandeza do país e da sua população.
Nesse sentido, existem dúvidas sobre a linearidade no processo de realocação dos recursos, os riscos atrelados ao abastecimento e se o acesso aos principais medicamentos é factível. A dissolução da capacidade própria pode afetar significativamente a população mais vulnerável. Em um cenário de crise, a situação é ainda mais crítica, a estrutura ocupacional poderá agravar o quadro.
Conforme tabela 1, hoje, a população economicamente ativa (PEA) que demanda o Farmácia Popular e assegura estabilidade social aos seus dependentes dentro da população inativa futuramente necessitará muito mais do programa, dado que uma parte dela se descolocará ao estrato dos desocupados, caso a crise não seja revertida.
As zonas urbanas serão as primeiras a sofrer com o aumento da demanda, porque, em média, os problemas laborais surtem efeitos diretos no estado de saúde dos trabalhadores. Os espaços urbanos, onde se aglomeram os maiores contingentes humanos, terão de enfrentar as pressões com a queda da qualidade de vida. E a locomoção intra-urbana, cada vez mais, surgirá como fator restritivo para o acesso aos cuidados de saúde. Nos últimos anos, o transporte vem ganhando maior peso no orçamento das famílias, principalmente nos estratos inferiores de renda, com aproximadamente 18% (Pesquisa de Orçamento Familiar – 2009). Isto significa que os custos indiretos da saúde estão em trajetória ascendente e podem dificultar o acesso da população aos pontos de saúde mais distantes das suas respectivas residências.
A ausência da capacidade instalada é temerosa e o impacto pode ser rapidamente percebido. Neste quesito, novamente, a cidade de São Paulo protagonizou uma prévia do que deve acontecer no país. Num movimento brusco, o atual prefeito sugeriu o fechamento dos estabelecimentos próprios do Farmácia Popular. A reação da população foi quase que instantânea nas regiões periféricas da cidade e levou o gestor municipal a suspender a medida. E é compreensível essa reação. Ao analisar o mapa 2, fica evidente o baixo nível quantitativo das farmácias populares na cidade e região metropolitana, todavia essas são fundamentais para o acesso da população. A cobertura das unidades próprias está voltada exatamente para os locais de menor renda média domiciliar, garantindo, mesmo que de forma limitada, o acesso as comunidades mais vulneráveis.
Grande parte dos tratamentos de saúde necessita de medicamentos para alcançar o estado da cura ou melhorar a condição de vida dos pacientes. Em diversos casos, o medicamento é único meio pelo qual parte das pessoas consegue viver sem maiores complicações. A hipertensão e a diabetes, que acometem um percentual não desprezível da população brasileira, são os exemplos mais comuns do grau de dependência farmacológico, mas existem aqueles em que a ausência do produto é indispensável, como: osteoporose, Parkinson e glaucoma. Em curto prazo e se não tratadas essas doenças podem evoluir mais rapidamente para o quadro grave, mudando o estágio epidemiológico dos usuários. Por isso, a disponibilidade dos medicamentos desempenha papel vital no desenvolvimento da proteção à saúde.
Em abril de 2004, com vistas a garantir o acesso aos medicamentos que mais atingem a população, foi criado o Programa Farmácia Popular do Brasil por meio da Lei de 10.858. Operacionalmente, o programa autorizou a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) a disponibilizar medicamentos mediante ressarcimento e proporcionou a oferta de remédios com desconto de até 90%. As adequações da política seguiram ano após ano e algumas, embora tenham se mostrado importantes, ao mesmo tempo fragilizaram a sua concepção. Este foi o caso da expansão dos serviços segundo a lógica privada. Em 2006, o setor privado ingressa ao programa e o acesso aos medicamentos, antes realizado exclusivamente pela rede própria das farmácias populares passa, agora, a contar com a rede privada na modalidade “Aqui Tem Farmácia Popular”. A abertura praticamente estancou a expansão pública.
Apesar disso, outras medidas reforçaram expressivamente o aspecto vital da presença pública na área. Nos anos posteriores foram incorporados ao rol dos itens do Farmácia Popular os contraceptivos, medicamentos para Gripe (H1N1), Insulina Regular, novos medicamentos para hipertensão e diabetes, a inclusão da Sinvastatina, osteoporose, rinite, asma, Parkinson, glaucoma e, para a incontinência urinária para idosos, também as fraldas geriátricas. A mais notável das mudanças do Farmácia Popular ocorreu no ano de 2011, quando três medicamentos voltados ao tratamento da asma passaram a ser disponibilizados de forma totalmente gratuita.
Entretanto, as atuais alterações na política podem retroceder a acessibilidade, isto porque, no início de 2017, o Ministério da Saúde emitiu uma nota sobre o funcionamento das unidades próprias do Programa Farmácia Popular do Brasil, e ficou determinado o fim do financiamento do Ministério da Saúde para as 393 unidades próprias do programa Farmácia Popular a partir da competência de maio de 2017.
Dessa forma, a existência do estabelecimento dependerá da capacidade financeira dos entes federados em assumir os custos. De acordo com a nota, a despesa atribuída à manutenção da capacidade instalada própria, de R$ 100 milhões, será canalizada para compra dos medicamentos, pois esse valor representa 80% dos gastos do programa. Ademais, ainda segundo a nota, esse valor estará garantido por meio da lógica do Componente Básico da Assistência Farmacêutica, segundo a qual os estados e municípios poderão definir quais princípios ativos adquirir e disponibilizá-los a partir dos postos de saúde.
Ao que tudo indica, essa mudança pode gerar algumas consequências não desejáveis. A primeira delas diz respeito à gestão da política, à perda de coordenação com o fim da definição dos medicamentos pelo governo central, que reduz o olhar mais estrutural e amplo do programa. Ao transferir a responsabilidade da gestão para os estados e municípios, a descentralização flexibilizada pode ter sido acima do apropriado, retirando a obrigatoriedade de uma tabela predefinida para os medicamentos. Isto sem mencionar que a desvinculação dos repasses compromete a existência dos estabelecimentos próprios, e são exatamente estes os principais responsáveis pela oferta de 112 itens no Programa Farmácia Popular, disponibilizando um quantitativo de 87 itens a mais do que a rede privada, com no máximo 25 itens ofertados. Ou seja, a transição entre a rede pública e privada não está clara.
Em segundo lugar, para uma nação como o Brasil, de dimensão e economia relevante, o número de 393 estabelecimentos próprios é um quantitativo insuficiente e passível de ser expandido. Logo, não parece ser a composição do gasto o maior desafio do programa, a participação de 80% com manutenção dos estabelecimentos “versus” 20% com medicamentos revela outra perspectiva, a de que a magnitude dos recursos é ínfima frente a grandeza do país e da sua população.
Nesse sentido, existem dúvidas sobre a linearidade no processo de realocação dos recursos, os riscos atrelados ao abastecimento e se o acesso aos principais medicamentos é factível. A dissolução da capacidade própria pode afetar significativamente a população mais vulnerável. Em um cenário de crise, a situação é ainda mais crítica, a estrutura ocupacional poderá agravar o quadro.
Conforme tabela 1, hoje, a população economicamente ativa (PEA) que demanda o Farmácia Popular e assegura estabilidade social aos seus dependentes dentro da população inativa futuramente necessitará muito mais do programa, dado que uma parte dela se descolocará ao estrato dos desocupados, caso a crise não seja revertida.
As zonas urbanas serão as primeiras a sofrer com o aumento da demanda, porque, em média, os problemas laborais surtem efeitos diretos no estado de saúde dos trabalhadores. Os espaços urbanos, onde se aglomeram os maiores contingentes humanos, terão de enfrentar as pressões com a queda da qualidade de vida. E a locomoção intra-urbana, cada vez mais, surgirá como fator restritivo para o acesso aos cuidados de saúde. Nos últimos anos, o transporte vem ganhando maior peso no orçamento das famílias, principalmente nos estratos inferiores de renda, com aproximadamente 18% (Pesquisa de Orçamento Familiar – 2009). Isto significa que os custos indiretos da saúde estão em trajetória ascendente e podem dificultar o acesso da população aos pontos de saúde mais distantes das suas respectivas residências.
A ausência da capacidade instalada é temerosa e o impacto pode ser rapidamente percebido. Neste quesito, novamente, a cidade de São Paulo protagonizou uma prévia do que deve acontecer no país. Num movimento brusco, o atual prefeito sugeriu o fechamento dos estabelecimentos próprios do Farmácia Popular. A reação da população foi quase que instantânea nas regiões periféricas da cidade e levou o gestor municipal a suspender a medida. E é compreensível essa reação. Ao analisar o mapa 2, fica evidente o baixo nível quantitativo das farmácias populares na cidade e região metropolitana, todavia essas são fundamentais para o acesso da população. A cobertura das unidades próprias está voltada exatamente para os locais de menor renda média domiciliar, garantindo, mesmo que de forma limitada, o acesso as comunidades mais vulneráveis.
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