Por Rafael Tatemoto, no jornal Brasil de Fato:
Em comparação com os mesmos períodos de 2016, os meses de janeiro e março deste ano foram melhores para a indústria nacional. No entanto, outros métodos de medição do próprio Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que a fragilidade do setor continua, contrariando o discurso do governo em relação à retomada do crescimento. Comparando, por exemplo, março e fevereiro de 2017, a produção recuou 1,8%.
Segundo especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato, a política econômica do governo impede uma retomada da industrialização e, consequentemente, de um crescimento vigoroso da economia.
"O atual governo não tem nenhuma preocupação nesse sentido, já que seu projeto é primário exportador", afirma Marcio Pochmann, professor de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Para Ruy Braga, professor de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP), a agenda de Michel Temer (PMDB) altera o projeto econômico que o país vinha seguindo: "A sociedade brasileira está passando por um ajuste muito profundo. Ela passa do modelo chamado neodesenvolvimentista - cujo cerne era um regime de acumulação apoiado sobre a exploração do trabalho, ainda que barato - para o modelo neoliberal - no qual o regime de acumulação se apoia na espoliação".
Retomada?
O setor pareceu ter dado sinais de fôlego em janeiro de 2017 ao apresentar uma alta de 1,4%, quando comparada ao mesmo período de 2016, quebrando uma série ininterrupta de 34 meses. Em fevereiro voltou a cair (-0,8%), para em março subir novamente (1,1%). Quando analisados outras séries históricas, a tendência de crescimento da indústria não se concretiza.
Em termos de rendimento real, o primeiro trimestre de 2017 apresentou queda de 6,7% em comparação com o ano passado. Em março deste ano, o acumulado dos últimos 12 meses ainda indicava retração de 3,8%. Diante do contexto, a maior parte dos analistas de mercado entende ser precipitado anunciar uma retomada.
A situação acentua a queda da participação da produção industrial na economia brasileira. Em 2016, a indústria passou a representar 11,7% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, o menor patamar desde o início da série histórica, em 1947. A atual situação, na perspectiva histórica, parece ser o ponto mais baixo de uma trajetória de cerca de três décadas. O patamar da atividade industrial é um dos fatores para o atual contexto social, em que o país apresenta o dobro do número de desempregados registrados em 2014.
Importância
A indústria é vista por parte dos economistas como principal fator de desenvolvimento econômico sustentado ao longo do tempo. Pochmann defende que o setor tem "trabalhadores melhor remunerados", amplia a "capacidade de arrecadação do Estado", já que é a "grande geradora de valor adicionado".
O economista cita dados para fortalecer sua visão. Na indústria, o salário médio anual de um trabalhador é de R$ 80 mil. Nos outros setores - agricultura e serviços - este valor cai para R$ 12 mil e R$ 20 mil, respectivamente.
"Não há notícia que tenha se desenvolvido sem indústria. Ela é um elemento central para viabilizar a produtividade e o crescimento econômico com expansão do emprego", resume.
Declínio
Pochmann diz que o grave cenário é justamente a conjunção de um processo que vem ocorrendo nas últimas décadas e a crise atual: "Há um movimento convergente entre mudança estrutural da economia brasileira e o impacto conjuntural, que resulta da recessão e da ausência de medidas de combate a ela".
"Desde a década de 1990, há praticamente um encerramento de um ciclo da industrialização brasileira. Nos anos 2000, ela resistiu um pouco. Na trajetória de longo prazo, entretanto, é de redução sensível da participação da indústria no PIB brasileiro", aponta ele.
Para explicar sua análise em relação à mudança nos regimes de acumulação, Braga reforça as peculiaridades da década passada, indicando que "[desde o início dos anos 2000] até por volta de 2012, a parcela dos setores industriais no PIB não teve uma queda tão acentuada. O que aconteceu foi uma reacomodação dos setores no interior da indústria: se na década de 80 a indústria de transformação - metalúrgica, química etc. - era a mais importante, o que aconteceu na década de 2000 outras áreas surgem como mais vigorosas, por exemplo, a construção civil e a agroindústria".
Agora, segundo o sociólogo, há uma forte tendência rumo à "multiplicação do subemprego" e à "deterioração da capacidade de consumo", marcadas por "uma queda muito brusca no investimento, fechamento dos postos de trabalho e uma quebradeira mais ou menos generalizada".
Pochmann, mesmo ressaltando o processo contínuo de desindustrialização, concorda: "Em 2015, a recessão atingiu de forma centrada a indústria. Se nós analisarmos o comportamento do setor, ele sofreu muito em 2015 e a partir do primeiro semestre de 2016 ele vinha em um movimento de redução da situação recessiva. Com a ascensão de Temer, a indústria voltou a ser impactada".
"Apesar de tudo, os anos 2000 produziram emprego, ainda que empregos que remuneram pouco. Era uma média de mais de dois milhões de postos formais por ano. É evidente que algum emprego é melhor que nenhum emprego", resume o sociólogo.
É nessa mudança - da exploração para a espoliação - que Braga vê impeditivos para a retomada da economia com vigor.
"O conceito de espoliação busca cobrir uma variedade de fenômenos. A que estamos testemunhando neste exato momento, com as votações no Congresso, é a espoliação dos direitos do trabalho. Ou seja, a regressão da proteção trabalhista. A tendência é que haja uma compressão do valor do trabalho e, consequentemente, um excedente maior para as empresas. Isto gera um aumento de lucratividade", aponta.
É justamente esse impacto sobre a classe trabalhadora um dos obstáculos ao desenvolvimento:"A espoliação é uma estratégia de fôlego muito curto. Ao atacar, por exemplo, direitos trabalhistas e previdenciários, o governo está dando um tiro no pé da arrecadação. Isso comprime a massa salarial, deprimindo parte da demanda agregada e, consequentemente, a retomada que se desenha é bastante tímida, que nunca ultrapassará um patamar, nos melhores momentos, de 2% ao ano".
Saída
O processo de desindustrialização, para Pochmann, é um desafio cada vez maior. Segundo ele, as medidas para tanto são conhecidas. O problema, entretanto, é de ordem política.
"Na verdade, nós não temos atores que possam colocar essa agenda, exceto os trabalhadores, mas que não são suficientes nesse sentido. Mais que um programa, na minha opinião, faltam atores que pautem o tema", lamenta, mencionando o desinteresse de empresários e políticos pela questão.
Ele aponta que a pauta da produção nacional tem sido apropriada por movimentações conservadoras ao redor do mundo: "A Inglaterra não apenas saiu da União Europeia como apresentou um plano de recuperação da indústria. O programa de Trump [também] coloca isso como um elemento importante".
"Com o passar do tempo sem que o país tenha uma ação organizada para a reindustrialização, ela se torna cada vez mais difícil", alerta, por fim.
Em comparação com os mesmos períodos de 2016, os meses de janeiro e março deste ano foram melhores para a indústria nacional. No entanto, outros métodos de medição do próprio Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que a fragilidade do setor continua, contrariando o discurso do governo em relação à retomada do crescimento. Comparando, por exemplo, março e fevereiro de 2017, a produção recuou 1,8%.
Segundo especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato, a política econômica do governo impede uma retomada da industrialização e, consequentemente, de um crescimento vigoroso da economia.
"O atual governo não tem nenhuma preocupação nesse sentido, já que seu projeto é primário exportador", afirma Marcio Pochmann, professor de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Para Ruy Braga, professor de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP), a agenda de Michel Temer (PMDB) altera o projeto econômico que o país vinha seguindo: "A sociedade brasileira está passando por um ajuste muito profundo. Ela passa do modelo chamado neodesenvolvimentista - cujo cerne era um regime de acumulação apoiado sobre a exploração do trabalho, ainda que barato - para o modelo neoliberal - no qual o regime de acumulação se apoia na espoliação".
Retomada?
O setor pareceu ter dado sinais de fôlego em janeiro de 2017 ao apresentar uma alta de 1,4%, quando comparada ao mesmo período de 2016, quebrando uma série ininterrupta de 34 meses. Em fevereiro voltou a cair (-0,8%), para em março subir novamente (1,1%). Quando analisados outras séries históricas, a tendência de crescimento da indústria não se concretiza.
Em termos de rendimento real, o primeiro trimestre de 2017 apresentou queda de 6,7% em comparação com o ano passado. Em março deste ano, o acumulado dos últimos 12 meses ainda indicava retração de 3,8%. Diante do contexto, a maior parte dos analistas de mercado entende ser precipitado anunciar uma retomada.
A situação acentua a queda da participação da produção industrial na economia brasileira. Em 2016, a indústria passou a representar 11,7% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, o menor patamar desde o início da série histórica, em 1947. A atual situação, na perspectiva histórica, parece ser o ponto mais baixo de uma trajetória de cerca de três décadas. O patamar da atividade industrial é um dos fatores para o atual contexto social, em que o país apresenta o dobro do número de desempregados registrados em 2014.
Importância
A indústria é vista por parte dos economistas como principal fator de desenvolvimento econômico sustentado ao longo do tempo. Pochmann defende que o setor tem "trabalhadores melhor remunerados", amplia a "capacidade de arrecadação do Estado", já que é a "grande geradora de valor adicionado".
O economista cita dados para fortalecer sua visão. Na indústria, o salário médio anual de um trabalhador é de R$ 80 mil. Nos outros setores - agricultura e serviços - este valor cai para R$ 12 mil e R$ 20 mil, respectivamente.
"Não há notícia que tenha se desenvolvido sem indústria. Ela é um elemento central para viabilizar a produtividade e o crescimento econômico com expansão do emprego", resume.
Declínio
Pochmann diz que o grave cenário é justamente a conjunção de um processo que vem ocorrendo nas últimas décadas e a crise atual: "Há um movimento convergente entre mudança estrutural da economia brasileira e o impacto conjuntural, que resulta da recessão e da ausência de medidas de combate a ela".
"Desde a década de 1990, há praticamente um encerramento de um ciclo da industrialização brasileira. Nos anos 2000, ela resistiu um pouco. Na trajetória de longo prazo, entretanto, é de redução sensível da participação da indústria no PIB brasileiro", aponta ele.
Para explicar sua análise em relação à mudança nos regimes de acumulação, Braga reforça as peculiaridades da década passada, indicando que "[desde o início dos anos 2000] até por volta de 2012, a parcela dos setores industriais no PIB não teve uma queda tão acentuada. O que aconteceu foi uma reacomodação dos setores no interior da indústria: se na década de 80 a indústria de transformação - metalúrgica, química etc. - era a mais importante, o que aconteceu na década de 2000 outras áreas surgem como mais vigorosas, por exemplo, a construção civil e a agroindústria".
Agora, segundo o sociólogo, há uma forte tendência rumo à "multiplicação do subemprego" e à "deterioração da capacidade de consumo", marcadas por "uma queda muito brusca no investimento, fechamento dos postos de trabalho e uma quebradeira mais ou menos generalizada".
Pochmann, mesmo ressaltando o processo contínuo de desindustrialização, concorda: "Em 2015, a recessão atingiu de forma centrada a indústria. Se nós analisarmos o comportamento do setor, ele sofreu muito em 2015 e a partir do primeiro semestre de 2016 ele vinha em um movimento de redução da situação recessiva. Com a ascensão de Temer, a indústria voltou a ser impactada".
"Apesar de tudo, os anos 2000 produziram emprego, ainda que empregos que remuneram pouco. Era uma média de mais de dois milhões de postos formais por ano. É evidente que algum emprego é melhor que nenhum emprego", resume o sociólogo.
É nessa mudança - da exploração para a espoliação - que Braga vê impeditivos para a retomada da economia com vigor.
"O conceito de espoliação busca cobrir uma variedade de fenômenos. A que estamos testemunhando neste exato momento, com as votações no Congresso, é a espoliação dos direitos do trabalho. Ou seja, a regressão da proteção trabalhista. A tendência é que haja uma compressão do valor do trabalho e, consequentemente, um excedente maior para as empresas. Isto gera um aumento de lucratividade", aponta.
É justamente esse impacto sobre a classe trabalhadora um dos obstáculos ao desenvolvimento:"A espoliação é uma estratégia de fôlego muito curto. Ao atacar, por exemplo, direitos trabalhistas e previdenciários, o governo está dando um tiro no pé da arrecadação. Isso comprime a massa salarial, deprimindo parte da demanda agregada e, consequentemente, a retomada que se desenha é bastante tímida, que nunca ultrapassará um patamar, nos melhores momentos, de 2% ao ano".
Saída
O processo de desindustrialização, para Pochmann, é um desafio cada vez maior. Segundo ele, as medidas para tanto são conhecidas. O problema, entretanto, é de ordem política.
"Na verdade, nós não temos atores que possam colocar essa agenda, exceto os trabalhadores, mas que não são suficientes nesse sentido. Mais que um programa, na minha opinião, faltam atores que pautem o tema", lamenta, mencionando o desinteresse de empresários e políticos pela questão.
Ele aponta que a pauta da produção nacional tem sido apropriada por movimentações conservadoras ao redor do mundo: "A Inglaterra não apenas saiu da União Europeia como apresentou um plano de recuperação da indústria. O programa de Trump [também] coloca isso como um elemento importante".
"Com o passar do tempo sem que o país tenha uma ação organizada para a reindustrialização, ela se torna cada vez mais difícil", alerta, por fim.
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