Por Cesar Locatelli, no site Jornalistas Livres:
A maioria de nós, quando imagina o que é a Previdência Social, pensa em uma caixa ou em um fundo de investimentos, onde é guardado nosso dinheiro, que recolhemos enquanto estamos na ativa como trabalhadores, para quando estivermos mais velhos podermos recebê-lo de volta na forma de aposentadoria.
Alguns também acreditam que a Previdência Social é como uma seguradora, em que muitos pagam para garantir o “seguro” ou a aposentadoria daqueles que já atingiram certo tempo de contribuição ou certa idade.
Dentro dessas ideias está embutida a noção de que é preciso contribuir para formar uma “poupança” para ter direito a receber no futuro. Mais ainda, está implícito que se a “poupança” for insuficiente haverá uma “crise”, pois não será possível pagar de volta os trabalhadores que se aposentam. A não ser que o governo resolva assumir “deficits” astronômicos para sustentar os velhos.
E cá estamos nós diante da “crise” que demanda uma reforma da previdência, não é mesmo?
Bem, nessa altura é preciso saber que esses conceitos acima sobre a Previdência estão errados. A Previdência não é um fundo de investimentos, não guarda a contribuição dos trabalhadores, não é uma seguradora e não é uma poupança.
Em certo momento da história do capitalismo, tomou-se a decisão política de proteger a velhice, de “transferir” alguma renda para aqueles que não podiam mais ser produtivos, que não conseguiam mais participar do mercado de trabalho.
Essa transferência de renda precisava ser financiada de algum modo. Precisava ser criado um ou mais “impostos” para custear essa “transferência”. Ressaltemos, aqui, que é exatamente isso que a Previdência é: uma cobrança de impostos seguida de uma transferência para aqueles que a sociedade politicamente decidiu que tinham direito a recebê-la.
Mas a Previdência não guarda meu dinheiro para quando eu me aposentar?
Não. Sua contribuição é como qualquer imposto que entra no caixa do governo e sai para pagar as despesas, nesse caso as aposentadorias. E não é só a sua contribuição que compõe esse montante para pagar os aposentados. Além da contribuição dos trabalhadores que estão na ativa, agregam-se as contribuições das empresas e alguns impostos, como a COFINS, que é uma sigla para Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social e a CSLL, sigla da Contribuição Sobre Lucro Líquido.
Aliás, a COFINS e a CSLL foram criadas porque houve a decisão política que o governo, na condição de empregador dos funcionários públicos, também deveria contribuir para que os brasileiros tivessem alguma renda na velhice.
A Previdência tem deficits enormes que, no futuro, serão insustentáveis, não é verdade?
Bem, essa questão do deficit da Previdência precisa ser entendida de uma vez: quando se soma as contribuições dos trabalhadores com a contribuição das empresas e os impostos (contribuições) criados para financiar a seguridade social não há deficit. Acontece que os sucessivos governos, desde Collor, resolveram chamar essa contribuição do governo, que é custeada pela Cofins, CSLL e outros impostos, de deficit.
Há inúmeros economistas que reafirmam que o “deficit” divulgado pelo governo e pelos meios de comunicação não passa de um mecanismo para convencer a população a, não só não reivindicar mais benefícios, como aceitar cortes de direitos.
Os próprios auditores fiscais, reunidos na ANFIP – Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal, concordam que o governo só considera as contribuições dos trabalhadores e das empresas para o cálculo do resultado da Previdência. Veja o que diz o presidente da ANFIP, Vílson Romero: “É preciso ser considerada também a arrecadação de outras contribuições sociais, como por exemplo a Contribuição Sobre Lucro Líquido (CSLL) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins)”.
Então a previdência não está e não estará em “crise” no futuro?
“Uma vez aceita a verdadeira natureza previdenciária de cobrança, contemporânea, de imposto, e transferência via pagamento de benefício, a ideia de uma “quebra da previdência” perde seu sentido lógico. Afinal, isso só seria possível caso houvesse uma acumulação de ativos que deveria fazer frente a compromissos fixos de remuneração futura e uma incompatibilidade atuarial entre tais ativos e compromissos explicitaria tal ‘‘quebra’’,” apontam Bastos e Oliveira (2017).
A verdade é que estamos sendo ameaçados por uma “crise” que só existe na cabeça de quem quer retirar direitos dos trabalhadores e voltar ao nível civilizatório de séculos passados. A expressão “crise” não é adequada para descrever uma decisão política, tomada pela sociedade, de tributar uma parcela da sociedade, empresas e trabalhadores na ativa, para transferir como renda para aposentados e pensionistas.
O que se pode e se deve é rever essa decisão, de tempos em tempos, para adequar essa repartição. Para isso, é preciso levar em conta o perfil populacional, a maior longevidade da população como temos ouvido, mas também outras variáveis econômicas como a produção do país por habitante (produto per capita), o nível de emprego, o salário real, dentre outras.
As decisões devem ser tomadas a partir do impacto social que terão entre aqueles que pagam e aqueles que recebem. Decisões tomadas às pressas, sob a espada de uma “crise” inexistente, não levarão em conta todos os aspectos necessários para alcançar maior justiça social.
Não estamos retirando da sociedade recursos que poderiam virar investimentos?
Aqui é preciso compreender que o mecanismo de tributação-transferência devolve os recursos para a sociedade. Os aposentados e pensionistas, ao receberem suas pensões, irão gastá-las, possivelmente a totalidade, em consumo para suas subsistências e de suas famílias.
Nas palavras de Bastos e Oliveira, a redistribuição de renda tem o efeito de, ao aumentar o consumo, tornar os investimentos mais atraentes: “… a redistribuição de renda decorrente, possivelmente elevaria a propensão a consumir da economia, o que, tendo o PDE [Princípio da Demanda Efetiva] como válido, estimularia o investimento e, com isso, o emprego, o crescimento da produtividade e a renda per capita”.
Em resumo
“Se por um lado o envelhecimento populacional é um fato em diversos países, isso não implica que a contrapartida deva ser no sentido de restringir os benefícios previdenciários. A equação financeira do sistema pode e deve ser mantida pela perseguição de políticas de pleno emprego que garantam elevadas taxas de crescimento do produto, aumentando a base de tributação.” (Bastos e Oliveira)
Notas
1- Esse texto se apoiou no estudo A verdadeira natureza macroeconômica do sistema público de contribuição da previdência social, de Carlos Pinkusfeld Bastos e Bruno Rodas Oliveira, ambos do Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, disponível em: http://www.ie.ufrj.br/images/pesquisa/publicacoes/discussao/2017/tdie0152017bastosoliveira.pdf
2- O site da ANFIP tem muitas informações e uma longa apresentação sobre a Previdência Social: www.anfip.org.br
Alguns também acreditam que a Previdência Social é como uma seguradora, em que muitos pagam para garantir o “seguro” ou a aposentadoria daqueles que já atingiram certo tempo de contribuição ou certa idade.
Dentro dessas ideias está embutida a noção de que é preciso contribuir para formar uma “poupança” para ter direito a receber no futuro. Mais ainda, está implícito que se a “poupança” for insuficiente haverá uma “crise”, pois não será possível pagar de volta os trabalhadores que se aposentam. A não ser que o governo resolva assumir “deficits” astronômicos para sustentar os velhos.
E cá estamos nós diante da “crise” que demanda uma reforma da previdência, não é mesmo?
Bem, nessa altura é preciso saber que esses conceitos acima sobre a Previdência estão errados. A Previdência não é um fundo de investimentos, não guarda a contribuição dos trabalhadores, não é uma seguradora e não é uma poupança.
Em certo momento da história do capitalismo, tomou-se a decisão política de proteger a velhice, de “transferir” alguma renda para aqueles que não podiam mais ser produtivos, que não conseguiam mais participar do mercado de trabalho.
Essa transferência de renda precisava ser financiada de algum modo. Precisava ser criado um ou mais “impostos” para custear essa “transferência”. Ressaltemos, aqui, que é exatamente isso que a Previdência é: uma cobrança de impostos seguida de uma transferência para aqueles que a sociedade politicamente decidiu que tinham direito a recebê-la.
Mas a Previdência não guarda meu dinheiro para quando eu me aposentar?
Não. Sua contribuição é como qualquer imposto que entra no caixa do governo e sai para pagar as despesas, nesse caso as aposentadorias. E não é só a sua contribuição que compõe esse montante para pagar os aposentados. Além da contribuição dos trabalhadores que estão na ativa, agregam-se as contribuições das empresas e alguns impostos, como a COFINS, que é uma sigla para Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social e a CSLL, sigla da Contribuição Sobre Lucro Líquido.
Aliás, a COFINS e a CSLL foram criadas porque houve a decisão política que o governo, na condição de empregador dos funcionários públicos, também deveria contribuir para que os brasileiros tivessem alguma renda na velhice.
A Previdência tem deficits enormes que, no futuro, serão insustentáveis, não é verdade?
Bem, essa questão do deficit da Previdência precisa ser entendida de uma vez: quando se soma as contribuições dos trabalhadores com a contribuição das empresas e os impostos (contribuições) criados para financiar a seguridade social não há deficit. Acontece que os sucessivos governos, desde Collor, resolveram chamar essa contribuição do governo, que é custeada pela Cofins, CSLL e outros impostos, de deficit.
Há inúmeros economistas que reafirmam que o “deficit” divulgado pelo governo e pelos meios de comunicação não passa de um mecanismo para convencer a população a, não só não reivindicar mais benefícios, como aceitar cortes de direitos.
Os próprios auditores fiscais, reunidos na ANFIP – Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal, concordam que o governo só considera as contribuições dos trabalhadores e das empresas para o cálculo do resultado da Previdência. Veja o que diz o presidente da ANFIP, Vílson Romero: “É preciso ser considerada também a arrecadação de outras contribuições sociais, como por exemplo a Contribuição Sobre Lucro Líquido (CSLL) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins)”.
Então a previdência não está e não estará em “crise” no futuro?
“Uma vez aceita a verdadeira natureza previdenciária de cobrança, contemporânea, de imposto, e transferência via pagamento de benefício, a ideia de uma “quebra da previdência” perde seu sentido lógico. Afinal, isso só seria possível caso houvesse uma acumulação de ativos que deveria fazer frente a compromissos fixos de remuneração futura e uma incompatibilidade atuarial entre tais ativos e compromissos explicitaria tal ‘‘quebra’’,” apontam Bastos e Oliveira (2017).
A verdade é que estamos sendo ameaçados por uma “crise” que só existe na cabeça de quem quer retirar direitos dos trabalhadores e voltar ao nível civilizatório de séculos passados. A expressão “crise” não é adequada para descrever uma decisão política, tomada pela sociedade, de tributar uma parcela da sociedade, empresas e trabalhadores na ativa, para transferir como renda para aposentados e pensionistas.
O que se pode e se deve é rever essa decisão, de tempos em tempos, para adequar essa repartição. Para isso, é preciso levar em conta o perfil populacional, a maior longevidade da população como temos ouvido, mas também outras variáveis econômicas como a produção do país por habitante (produto per capita), o nível de emprego, o salário real, dentre outras.
As decisões devem ser tomadas a partir do impacto social que terão entre aqueles que pagam e aqueles que recebem. Decisões tomadas às pressas, sob a espada de uma “crise” inexistente, não levarão em conta todos os aspectos necessários para alcançar maior justiça social.
Não estamos retirando da sociedade recursos que poderiam virar investimentos?
Aqui é preciso compreender que o mecanismo de tributação-transferência devolve os recursos para a sociedade. Os aposentados e pensionistas, ao receberem suas pensões, irão gastá-las, possivelmente a totalidade, em consumo para suas subsistências e de suas famílias.
Nas palavras de Bastos e Oliveira, a redistribuição de renda tem o efeito de, ao aumentar o consumo, tornar os investimentos mais atraentes: “… a redistribuição de renda decorrente, possivelmente elevaria a propensão a consumir da economia, o que, tendo o PDE [Princípio da Demanda Efetiva] como válido, estimularia o investimento e, com isso, o emprego, o crescimento da produtividade e a renda per capita”.
Em resumo
“Se por um lado o envelhecimento populacional é um fato em diversos países, isso não implica que a contrapartida deva ser no sentido de restringir os benefícios previdenciários. A equação financeira do sistema pode e deve ser mantida pela perseguição de políticas de pleno emprego que garantam elevadas taxas de crescimento do produto, aumentando a base de tributação.” (Bastos e Oliveira)
Notas
1- Esse texto se apoiou no estudo A verdadeira natureza macroeconômica do sistema público de contribuição da previdência social, de Carlos Pinkusfeld Bastos e Bruno Rodas Oliveira, ambos do Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, disponível em: http://www.ie.ufrj.br/images/pesquisa/publicacoes/discussao/2017/tdie0152017bastosoliveira.pdf
2- O site da ANFIP tem muitas informações e uma longa apresentação sobre a Previdência Social: www.anfip.org.br
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