Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Porta-vozes de uma espécie de sabedoria mundial importada de laboratórios ideológicos do império tentam transformar Emmanuel Macron, o novo presidente da França, numa espécie de modelo a seguir no Brasil de 2018.
"Com Macron, a França se afasta um pouco mais de propostas nacionalistas camufladas em discursos modernizantes", escreveu o Globo em editorial (9/5/2017).
Diante da vitória de Macron no segundo turno das eleições parlamentares, onde 75% das cadeiras terão novos ocupantes, o Estado de S. Paulo celebrou: "Tudo indica que a crise de representatividade, que atinge vários países de todos os continentes, está sendo resolvida ali rapidamente e sem maiores abalos." (20/6/2017)
Neste etapa da evolução humana em que a persistente crise do capitalismo produz colapsos econômicos em toda parte, com índices de desemprego e desastres sociais como há muito não se via, dando origem a inevitáveis rupturas na superestrutura política construída ao final da Guerra Fria, a vitória de Macron tem sido celebrada como um ponto fora da curva. Ele é apresentado como o "novo", cercado de políticos igualmente "novos" que, assim, está predestinado a produzir uma França "nova".
No Brasil, um país no qual a falta de credibilidade dos políticos se aponta em cada esquina e em toda roda de amigos, é bom não esquecer um fato didático. Na eleição de 1992, que somou decepções novas e antigas, com José Sarney e com a ditadura de 64, o rosto "novo" de Fernando Collor de Mello comoveu as multidões.
Como ocorre com toda peça de propaganda, seja de sabonete, de um aplicativo para o celular, ou num bom exercício de mistificação política, evita-se debater que novidade é essa, de onde ela veio e para onde se dirige.
Deixando fantasias de lado, na França de 2017 Macron está mais perto da realidade brasileira do que se imagina. Mesmo usando a roupagem de um nome de "centro", do ponto de vista das necessidades da maioria da população, pode ser entendido como uma versão à francesa das reformas que a dupla Temer-Meirelles pretende implantar a ferro e fogo.
É sempre importante sublinhar um ponto essencial. Macron possui a legitimidade insubstituível de um governo eleito, o que deve lhe garantir, ao menos por um bom período, um oxigênio fora de alcance para um governo empossado a partir de um golpe.
Mas até pela origem -- banqueiro do grupo Rotschild -- tem a mesma identidade ideológica com o núcleo que elabora a política econômica em vigor no país desde o golpe. Leram os mesmos autores, frequentaram as mesmas palestras, os mesmos grupos de amigos. O "novo" que anuncia é o velho capitalismo de Estado mínimo, que vigorou na Europa antes das grandes conquistas acumuladas depois da Segunda Guerra, que envolvem uma jornada de trabalho mais civilizada, um bem-estar social que funciona e um padrão de vida longe da barbárie anterior. Sua vitória, assim, foi celebrada pelos interesses inconformados diante da capacidade de resistência dos trabalhadores e da população francesa a sucessivos ataques às conquistas históricas golpeadas há muito tempo na maioria dos países vizinhos, situação que faz a França ser vista à direita como um dinossauro a ser eliminado na primeira oportunidade.
Os limites políticos do apoio a Macron não devem ser ignorados, porém. Não se pode esquecer, por exemplo, que formou na Assembleia Nacional uma maioria de 350 cadeiras sobre 577 num pleito com abstenção recorde, que flagrou candidatos e partidos políticos do país no pior momento de sua história. Um total de 56,6% dos eleitores, ou mais da metade das pessoas com direito de ir às urnas optaram por ficar em casa. Foi assim, numa escolha limitada a um universo de 43,4% do eleitorado, que surgiu uma maioria que ainda por cima é vitaminada artificialmente, por regras eleitorais que estão longe de expressar a relação democrática de 1 homem=1 voto.
Se um critério universal -- o melhor termômetro para expressar as decisões de uma sociedade -- fosse respeitado, Macron estaria muito longe da maioria de dois terços na Assembléia. Não teria sequer 2/3. Sua coalizão ficaria com 197 cabeças, contra o mínimo necessário de 289. Nesta situação, a noção de que o programa de reformas será aprovado sem maiores dificuldades precisará enfrentar um teste decisivo, de uma Assembléia pouco representativa e da resistência das lutas populares, em particular do movimento sindical, um dos mais vigorosos da Europa. Também aí, há algo em comum no destino de Macron e a dupla Temer-Meirelles, cujo programa enfrenta grandes protestos e greves gerais.
Mas há uma diferença importante, porém.
A ascensão de Macron - ele próprio um noviço que rompeu com o PS a poucos meses da eleição - ocorreu num ambiente de desmantelamento do Partido Socialista e desmoralização definitiva do presidente François Hollande. As eleições se realizaram numa situação em que os movimento dos trabalhadores já abandonaram dirigentes que tiveram um papel decepcionante à frente do Estado mas ainda não foram capazes de produzir lideranças de massa capazes de expressar seus interesses e necessidades no plano político. No Brasil, essa liderança se conserva, num ambiente de massacre.
É Lula, como dizem as pesquisas que somam a rejeição às reformas de Temer-Meirelles com o candidato favorito para 2018. Esta situação ajuda a entender as pressões permanentes para retirar Lula da campanha eleitoral. É uma providência política necessária para seus adversários. Permitiria remover o principal obstáculo à fabricação de um consenso conservador capaz de lançar um Macron tropical.
Deu para entender, certo?
Porta-vozes de uma espécie de sabedoria mundial importada de laboratórios ideológicos do império tentam transformar Emmanuel Macron, o novo presidente da França, numa espécie de modelo a seguir no Brasil de 2018.
"Com Macron, a França se afasta um pouco mais de propostas nacionalistas camufladas em discursos modernizantes", escreveu o Globo em editorial (9/5/2017).
Diante da vitória de Macron no segundo turno das eleições parlamentares, onde 75% das cadeiras terão novos ocupantes, o Estado de S. Paulo celebrou: "Tudo indica que a crise de representatividade, que atinge vários países de todos os continentes, está sendo resolvida ali rapidamente e sem maiores abalos." (20/6/2017)
Neste etapa da evolução humana em que a persistente crise do capitalismo produz colapsos econômicos em toda parte, com índices de desemprego e desastres sociais como há muito não se via, dando origem a inevitáveis rupturas na superestrutura política construída ao final da Guerra Fria, a vitória de Macron tem sido celebrada como um ponto fora da curva. Ele é apresentado como o "novo", cercado de políticos igualmente "novos" que, assim, está predestinado a produzir uma França "nova".
No Brasil, um país no qual a falta de credibilidade dos políticos se aponta em cada esquina e em toda roda de amigos, é bom não esquecer um fato didático. Na eleição de 1992, que somou decepções novas e antigas, com José Sarney e com a ditadura de 64, o rosto "novo" de Fernando Collor de Mello comoveu as multidões.
Como ocorre com toda peça de propaganda, seja de sabonete, de um aplicativo para o celular, ou num bom exercício de mistificação política, evita-se debater que novidade é essa, de onde ela veio e para onde se dirige.
Deixando fantasias de lado, na França de 2017 Macron está mais perto da realidade brasileira do que se imagina. Mesmo usando a roupagem de um nome de "centro", do ponto de vista das necessidades da maioria da população, pode ser entendido como uma versão à francesa das reformas que a dupla Temer-Meirelles pretende implantar a ferro e fogo.
É sempre importante sublinhar um ponto essencial. Macron possui a legitimidade insubstituível de um governo eleito, o que deve lhe garantir, ao menos por um bom período, um oxigênio fora de alcance para um governo empossado a partir de um golpe.
Mas até pela origem -- banqueiro do grupo Rotschild -- tem a mesma identidade ideológica com o núcleo que elabora a política econômica em vigor no país desde o golpe. Leram os mesmos autores, frequentaram as mesmas palestras, os mesmos grupos de amigos. O "novo" que anuncia é o velho capitalismo de Estado mínimo, que vigorou na Europa antes das grandes conquistas acumuladas depois da Segunda Guerra, que envolvem uma jornada de trabalho mais civilizada, um bem-estar social que funciona e um padrão de vida longe da barbárie anterior. Sua vitória, assim, foi celebrada pelos interesses inconformados diante da capacidade de resistência dos trabalhadores e da população francesa a sucessivos ataques às conquistas históricas golpeadas há muito tempo na maioria dos países vizinhos, situação que faz a França ser vista à direita como um dinossauro a ser eliminado na primeira oportunidade.
Os limites políticos do apoio a Macron não devem ser ignorados, porém. Não se pode esquecer, por exemplo, que formou na Assembleia Nacional uma maioria de 350 cadeiras sobre 577 num pleito com abstenção recorde, que flagrou candidatos e partidos políticos do país no pior momento de sua história. Um total de 56,6% dos eleitores, ou mais da metade das pessoas com direito de ir às urnas optaram por ficar em casa. Foi assim, numa escolha limitada a um universo de 43,4% do eleitorado, que surgiu uma maioria que ainda por cima é vitaminada artificialmente, por regras eleitorais que estão longe de expressar a relação democrática de 1 homem=1 voto.
Se um critério universal -- o melhor termômetro para expressar as decisões de uma sociedade -- fosse respeitado, Macron estaria muito longe da maioria de dois terços na Assembléia. Não teria sequer 2/3. Sua coalizão ficaria com 197 cabeças, contra o mínimo necessário de 289. Nesta situação, a noção de que o programa de reformas será aprovado sem maiores dificuldades precisará enfrentar um teste decisivo, de uma Assembléia pouco representativa e da resistência das lutas populares, em particular do movimento sindical, um dos mais vigorosos da Europa. Também aí, há algo em comum no destino de Macron e a dupla Temer-Meirelles, cujo programa enfrenta grandes protestos e greves gerais.
Mas há uma diferença importante, porém.
A ascensão de Macron - ele próprio um noviço que rompeu com o PS a poucos meses da eleição - ocorreu num ambiente de desmantelamento do Partido Socialista e desmoralização definitiva do presidente François Hollande. As eleições se realizaram numa situação em que os movimento dos trabalhadores já abandonaram dirigentes que tiveram um papel decepcionante à frente do Estado mas ainda não foram capazes de produzir lideranças de massa capazes de expressar seus interesses e necessidades no plano político. No Brasil, essa liderança se conserva, num ambiente de massacre.
É Lula, como dizem as pesquisas que somam a rejeição às reformas de Temer-Meirelles com o candidato favorito para 2018. Esta situação ajuda a entender as pressões permanentes para retirar Lula da campanha eleitoral. É uma providência política necessária para seus adversários. Permitiria remover o principal obstáculo à fabricação de um consenso conservador capaz de lançar um Macron tropical.
Deu para entender, certo?
Uma coisa eh a direita tomar o poder em País civilizado onde a maioria da população está protegida por um forte seguro social. E mesmo assim sabemos que a alternância de poder em Países como a França nao prejudica muito os ganhos sociais de séculos e o alto padrão social e economico. Já no nosso pobre Brasil, a classe media que apoia a direita ainda não enxergou que tamanha desigualdade, governo liberal e' incompatível com desenvolvimento social. A esquerda tem que continuar debatendo e educando a sociedade sobre esta falácia, uma luta pedagógica que nao pode mais se acomodar como acomodou durante o governo Lula-Dilma.
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