segunda-feira, 12 de junho de 2017

Eleição direta não é opção. É necessidade

Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:

Não devemos nos iludir sobre o colapso brasileiro. Chegamos aquele ponto em que todos estão insatisfeitos e nenhum dos lados tem legitimidade para assegurar seu ponto de vista. O fracasso dos parlamentares e do presidente em exercício dispensa comentários.

O fiasco do Judiciário, escondido por ações da Justiça-Espetáculo, foi escancarado no julgamento do TSE. A rejeição da maioria dos brasileiros, que sentiu-se traída resultado, é um sintoma.

O problema também é grave do outro lado.

Mesmo cidadãos que, em nome do respeito as garantias individuais e da presunção da inocência, lembram que as delações usadas para acusar a chapa Dilma-Temer não foram submetidas ao devido processo legal -- fronteira que separa civilização e selvageria desde a Revolução Francesa -- admitem que temos aqui um problema de origem. O 4 a 3 foi uma decisão contaminada pelo casuísmo e pelo interesse político, o que lhe tira credibilidade. Pode-se até considerar correta do ponto de vista da teoria, mas não exibe nenhuma consistência do ponto de vista da prática jurídica e política no Brasil de 2017.

Com escrevi neste espaço, quando comentava o 4 a 3, vivemos numa situação sem saída na qual "o preço do certo é o errado." (9/6/2017). Esta é a insustentável leveza do edifício institucional do país.

É possível enxergar um paisagem de escombros, onde há dois caminhos à frente.

Um deles é a continuidade provisória do governo Temer e sua queda mais do que provável sob direção do condomínio judiciário-midiático que vem acumulando poder desde a AP 470. Caso a queda se confirme, o plano é que seja substituído por um novo candidato escolhido pelos mesmos articuladores do golpe que afastou Dilma. O novo príncipe -- agora sem a mais remota conexão com as urnas de 2014 -- teria a incumbência de tocar as mesmas prioridades -- a começar pelas reformas.

Como a prioridade real aqui não é preservar a democracia -- mas um projeto econômico sem respaldo popular -- pode-se apostar que todas as contradições que empurram Temer para fora o Planalto irão se manter, crescer e se multiplicar.

É fácil entender porque isso acontece. O traço mais revelador da profundidade da crise que enfrentamos reside na constatação de que nenhuma das partes em conflito na cúpula do Estado, numa disputa palmo a palmo -- ou bilhões a bilhões, para ser mais claro -- se mostra capaz de falar pela maioria dos brasileiros e construir um acordo político pela voz da democracia. Há uma oposição cada vez mais clara, visceral, entre o projeto de quem governa -- e o ponto de vista de quem é governado.

É por isso que muitos analistas dizem que a Constituição de 1988 se esgotou. Outros falam que o universo criado pela Nova República se extinguiu. Sem discordar, não vou tão longe.

Mas não é possível ter dúvidas de que o ciclo inaugurado pelo afastamento de Dilma -- seja chamado de golpe, como acho adequado, de encenação, como disse Joaquim Barbosa, de impeachment, como sustentam os beneficiários -- terminou. Não representa o país, nem do ponto de vista daqueles que pediam Fora Dilma. Não dá mais. Se havia um tênue fio de continuidade com o voto popular na investidura de Temer, um mandato tão curto como desastroso encarregou-se de romper.

Nesta situação, é inaceitável escolher a presidência República num salão aristocrático onde milionários e seus empregados de confiança tentarão, no prazo de um ano e meio de reinado espúrio, produzir mudanças de longa duração e muita profundidade sobre o destino das brasileiras e brasileiros -- a quem se reserva o direito de se conformar e se submeter.

Não é uma questão de nomes mas de método.

No Brasil de 2017, os Três Poderes estão dominados por um pacto incapaz de gerar um consenso que permita a nação se levantar e debater o futuro que deseja construir. As principais referências foram rompidas, as cartas estão embaralhadas.

Mesmo para enfrentar uma situação extrema, nossa Constituição rejeita todo e qualquer ensaio de Poder Moderador, conceito que não passa de uma palavra chique para acobertar tramas de quem toma decisões cruciais para o destino da nação sem pedir autorização ao povo.

Numa conjuntura de reconhecida gravidade, a única opção consistente para se construir um novo consenso político é a democracia. Nem é preciso discutir muito. A possibilidade de se chegar a isso se encontra no artigo 1 da Constituição. Ali se diz, com simplicidade: "todo poder emana do povo, que o exerce em nome de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição."

Estamos falando de eleições diretas. Não é discurso de palanque, nem palavra solta em panfleto. É a única saída contra um desastre cuja sombra torna-se cada vez mais visível no horizonte.

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