Por Tarso Genro, no site Sul-21:
A viagem do Presidente Temer, cercada de inoperância e desprestígio político, o arquivamento preliminar da representação contra o Senador Aécio na Comissão de Ética do Senado, os dados do desemprego e do aumento da informalidade no país, são fatos significativos da crise que nos assola, que podem nos levar a uma situação limite, se Temer não sair do Governo, quando emergir o próximo episódio: a sentença do Juiz Moro — sobre Lula — no caso do “Triplex”, um processo que é um fracasso probatório, mas que obteve um certo sucesso midiático na tentativa de fulminar o prestígio político do ex-Presidente.
Este processo talvez seja o símbolo da “judicialização da política”, dos movimentos de “exceção” dentro da ordem, bem como da “midiatização” do processo penal, este, já tornado instrumento de uma persecução criminal desviada do seu leito constitucional, que se tornou - principalmente - uma “blitzkrieg” política de um processo sem lei. Por este “desvio”, especialmente, a reação e o conservadorismo buscaram, não a obtenção da verdade “ficta” para julgar dentro da ordem, mas proceder as três justificações, sem as quais o golpismo perderia um mínimo de coerência, para tentar uma legitimação que já fracassou.
A primeira justificação, é colocar o Judiciário e o Ministério Público como árbitros e fontes primárias da agenda política da nação, o que não está presente nas suas funções originárias, porque não são detentores - ambos - de uma representação delegada da soberania popular; a segunda é consagrar métodos de “exceção” para tensionar as instituições da Constituição, para estas incorporarem interpretações arbitrárias e autoritárias de uma democracia novo tipo, que dispense o golpe do estado, dando sentido a uma nova burocracia controladora, que ocupe a república democrática “por dentro”; e a terceira justificação, é a da “razão”: “provar” que o que foi denunciado pelo oligopólio da mídia é “verdadeiro”, não apenas a motivação ideológica de um grupo político corrompido, destinado a promover as “reformas”.
Max Weber numa célebre “Conferência sobre o Socialismo” proferida em 1918, para trezentos oficiais superiores do Exército Austríaco, ao fazer severas objeções à Revolução Soviética e, ao mesmo tempo, prever um evolucionismo social-democrata quase natural, contido na formação do Estado Moderno, diz que “ele” (Estado moderno) “surge no momento em que o príncipe concentra tudo isso” (gestão política e concentração de meios de pagamento para a profissionalização de uma burocracia civil e militar) “em suas próprias mãos, assumindo o controle dos empregados remunerados e completando, desse modo, a separação entre funcionários e meios de gestão”.
Ao fazer uma constatação empírica correta, Weber - que não lidava com a possibilidade da dominação do aparato de Estado pelas classes sociais mais cultas e poderosas, capazes de direcionar a burocracia para responder aos seus interesses históricos - perdeu de vista a possibilidade da “autonomia relativa” dos seus contingentes humanos. Uma autonomia relativa que pode romper com a neutralidade formal deste mesmo Estado Moderno, conciliando ou promovendo interesses corporativos -dentro ou fora da ordem- para servir ou resistir aos desígnios das classes hegemônicas.
O que estamos assistindo no Brasil - que a sentença de Moro vai revelar - é a decisão tomada por esta parte da burocracia: se ainda transita de um movimento de luta contra a corrupção - cujo sentido inicial motivou o apoio da população- para o controle arbitrário da máquina punitiva do Estado, ou se já é uma máquina destinada a decapitar adversários políticos do “reformismo” rentista. Temer, no exterior, já deu uma demonstração precisa do que foi o golpismo pós-moderno, que ele encarna como tragédia. Moro, com a sentença que vai proferir, tem a chance de indicar -se tiver coragem para tanto- para onde penderá a balança do punitivismo sem provas, que se desencadeou contra Lula. Está sem freio ou é hora de parar, para pensar numa saída honesta e republicana, que mantenha o impulso da luta contra corrupção dentro da Lei e da Ordem e deixe as pendências políticas para o espaço democrático que lhe é próprio: o espaço da soberania popular.
* Tarso Genro foi Governador do Estado do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, Ministro da Justiça, Ministro da Educação e Ministro das Relações Institucionais do Brasil.
A viagem do Presidente Temer, cercada de inoperância e desprestígio político, o arquivamento preliminar da representação contra o Senador Aécio na Comissão de Ética do Senado, os dados do desemprego e do aumento da informalidade no país, são fatos significativos da crise que nos assola, que podem nos levar a uma situação limite, se Temer não sair do Governo, quando emergir o próximo episódio: a sentença do Juiz Moro — sobre Lula — no caso do “Triplex”, um processo que é um fracasso probatório, mas que obteve um certo sucesso midiático na tentativa de fulminar o prestígio político do ex-Presidente.
Este processo talvez seja o símbolo da “judicialização da política”, dos movimentos de “exceção” dentro da ordem, bem como da “midiatização” do processo penal, este, já tornado instrumento de uma persecução criminal desviada do seu leito constitucional, que se tornou - principalmente - uma “blitzkrieg” política de um processo sem lei. Por este “desvio”, especialmente, a reação e o conservadorismo buscaram, não a obtenção da verdade “ficta” para julgar dentro da ordem, mas proceder as três justificações, sem as quais o golpismo perderia um mínimo de coerência, para tentar uma legitimação que já fracassou.
A primeira justificação, é colocar o Judiciário e o Ministério Público como árbitros e fontes primárias da agenda política da nação, o que não está presente nas suas funções originárias, porque não são detentores - ambos - de uma representação delegada da soberania popular; a segunda é consagrar métodos de “exceção” para tensionar as instituições da Constituição, para estas incorporarem interpretações arbitrárias e autoritárias de uma democracia novo tipo, que dispense o golpe do estado, dando sentido a uma nova burocracia controladora, que ocupe a república democrática “por dentro”; e a terceira justificação, é a da “razão”: “provar” que o que foi denunciado pelo oligopólio da mídia é “verdadeiro”, não apenas a motivação ideológica de um grupo político corrompido, destinado a promover as “reformas”.
Max Weber numa célebre “Conferência sobre o Socialismo” proferida em 1918, para trezentos oficiais superiores do Exército Austríaco, ao fazer severas objeções à Revolução Soviética e, ao mesmo tempo, prever um evolucionismo social-democrata quase natural, contido na formação do Estado Moderno, diz que “ele” (Estado moderno) “surge no momento em que o príncipe concentra tudo isso” (gestão política e concentração de meios de pagamento para a profissionalização de uma burocracia civil e militar) “em suas próprias mãos, assumindo o controle dos empregados remunerados e completando, desse modo, a separação entre funcionários e meios de gestão”.
Ao fazer uma constatação empírica correta, Weber - que não lidava com a possibilidade da dominação do aparato de Estado pelas classes sociais mais cultas e poderosas, capazes de direcionar a burocracia para responder aos seus interesses históricos - perdeu de vista a possibilidade da “autonomia relativa” dos seus contingentes humanos. Uma autonomia relativa que pode romper com a neutralidade formal deste mesmo Estado Moderno, conciliando ou promovendo interesses corporativos -dentro ou fora da ordem- para servir ou resistir aos desígnios das classes hegemônicas.
O que estamos assistindo no Brasil - que a sentença de Moro vai revelar - é a decisão tomada por esta parte da burocracia: se ainda transita de um movimento de luta contra a corrupção - cujo sentido inicial motivou o apoio da população- para o controle arbitrário da máquina punitiva do Estado, ou se já é uma máquina destinada a decapitar adversários políticos do “reformismo” rentista. Temer, no exterior, já deu uma demonstração precisa do que foi o golpismo pós-moderno, que ele encarna como tragédia. Moro, com a sentença que vai proferir, tem a chance de indicar -se tiver coragem para tanto- para onde penderá a balança do punitivismo sem provas, que se desencadeou contra Lula. Está sem freio ou é hora de parar, para pensar numa saída honesta e republicana, que mantenha o impulso da luta contra corrupção dentro da Lei e da Ordem e deixe as pendências políticas para o espaço democrático que lhe é próprio: o espaço da soberania popular.
* Tarso Genro foi Governador do Estado do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, Ministro da Justiça, Ministro da Educação e Ministro das Relações Institucionais do Brasil.
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