Por Leonardo Boff, na revista Caros Amigos:
Há um dado permanente e inegável: todos querem ser felizes. Não há métodos e artimanhas que não foram sugeridos para chegar ao reino da felicidade. A força do capitalismo reside na cultura que produziu, fundada na exaltação da acumulação privada de bens materiais e na indução ao consumo ilimitado, além da aquisição de um razoável status e certo reconhecimento social. O que mais ela faz é prometer felicidade plena. Entretanto é só promessa e falaciosa. Por mais que utilize todos os mecanismos do marketing, pinte com as cores mais atraentes a realidade e organize todo tipo de entretenimento, não consegue fazer as pessoas felizes. Ao contrário, as torna cada vez mais erráticas, frustradas e vazias, pois suas premissas são falsas ou enganosas como logo iremos mostrar a seguir.
Surgiu recentemente na Alemanha, elaborada por um coreano lá residente e que ganhou forte ressonância, a filosofia do cansaço, como característica da sociedade capitalista tardia. Efetivamente vivemos cansados de apelos para o consumo, afogados em informações, estafados pelo ritmo acelerado da produtividade e da competição que gera irritabilidade e ansiedade frequente. O número de suicídios no mundo inteiro e também no Brasil é assustador. Ressuscitou-se na frança o dito da revolução de 68 do século passado, agora radicalizado. Então se dizia: “metrô, trabalho, cama”. Agora se diz: “metrô, trabalho, túmulo”. Quer dizer: esta aceleração produz doenças letais, perda do sentido de vida e verdadeiros infartos psíquicos.
Esta situação fez surgir toda uma indústria de livros de auto-ajuda, feitos de cacos de ciência, de psicologia, de orientalismo, de esoterismo e de doutrinas religiosas, oferecendo fórmulas rápidas para ser feliz. Pura ilusão, porque oferece a felicidade feita como receita de cozinha e não como fruto de um processo pessoal trabalhando sobre a real condição humana.
Que é a felicidade? Não vou entrar nas lições dos clássicos como Aristóteles e Tomás de Aquino que possuem uma visão convergente: a felicidade resulta de um agir bom e de um viver bem, com equilíbrio e na justa medida. Corretíssimo, mas é muito conceptual. Talvez os poetas sejam mais ilustrativos e convincentes. Basta citar o comovente poema-canção de tom Jobim e Vinicius de Moraes “Tristeza não tem fim, Felicidade sim”:
“A felicidade é como a pluma
Que o vento vai levando pelo ar.
Voa tão leve
Mas tem a vida breve.
Precisa que haja vento sem parar.
A felicidade é como a gota
De orvalho numa pétala de flor.
Brilha tranquila,
Depois de leve oscila
E cai como uma lágrima de amor.
Tristeza não tem fim,
Felicidade sim.”
Aqui aparece a natureza frágil da felicidade: é como uma pluma leve que o vento carrega. Ela tem vida breve porque para subsistir precisa que haja vento sem parar. Mas nem sempre há vento. Então aparece a tristeza que sempre nos acompanha deixando-nos a saudade da felicidade vivida. A felicidade, por mais plenitude que nos conceda, guarda sempre um transfundo de tristeza: por causa da fugacidade da vida, dos acontecimentos inesperados, das mudanças do curso das coisas e das eventuais rupturas de laços afetivos. Mesmo assim nunca desistimos dela, pois fomos pensados e criados para a felicidade.
Ela se assemelha a uma gota de orvalho que um leve movimento a faz cair. Ela lembra a lágrima de amor que torna adorável a vida, mas que também é frágil como a flor. Esta, a flor, tem vida curta, murcha e por fim fenece.
Quem poderá carregar o peso da pluma? Ela é tão leve que ninguém pode carregá-la. Ela está à mercê de si mesma. algo parecido ocorre com a felicidade. Revela um estado de espírito que não pode ser medido e pesado, apenas vivido e compartido. Mas precisa ser cultivado, cuidado e alimentado porque só seremos realmente felizes fazendo também outros felizes.
Hoje a busca da felicidade tem que se enfrentar com um mundo profundamente infeliz, com uma escandalosa concentração de riqueza (1% da humanidade controla 80% de todos os fluxos financeiros), com bilhões de famélicos e marginalizados, com um planeta terra devastado e graves ameaças que pesam sobre o futuro da vida e de nossa civilização. Quem pode ser feliz numa condição dessa?
Tudo isso é consequência do fato denunciado, já em 1944, pelo economista húngaro-norte-americano Karl Polanyi (em seu livro A Grande Transformação) de termos passado de uma economia de mercado para uma sociedade de mercado. Tudo vira mercadoria, até as coisas mais sagradas. Com tudo se procura ganhar dinheiro, com métodos que devem produzir a felicidade, com o sexo, a venda de órgãos, de armas e de drogas e até com promessas de um pedaço do céu por certas igrejas pentecostais que se submetem à lógica do mercado.
Isso não é novidade. Karl Marx, com seu fino tato de perceber as tendências do capital e para onde ele nos pode levar, já em 1847, em seu livro Miséria da filosofia, denunciava esta barbárie: “Chegará, enfim, um tempo em que tudo o que os homens haviam considerado inalienável se tornará objeto de troca, de tráfico e se poderá vender. o tempo em que as próprias coisas que até então eram compartilhadas, mas jamais feitas objeto de troca; dadas, mas jamais vendidas; adquiridas, mas jamais compradas – virtude, amor, opinião, ciência, consciência etc – agora de tudo isso se faz comércio. irrompeu o tempo da corrupção geral, da venalidade universal ou, para falar em termos de economia política, se inaugurou o tempo em que qualquer coisa, moral ou física, uma vez tornada valor venal é levada ao mercado para receber seu preço”.
Esse tempo chegou, “tempo da corrupção geral e da venalidade universal” no Brasil e no mundo. A atual desordem mundial, descrita minuciosamente pelo nosso melhor analista de política internacional, Moniz bandeira, com um livro com esse mesmo título (A desordem mundial, 2016) que se expressa pelo desenraizamento geral, pelo vazio existencial, pelo cansaço, pela depressão e pela violência como forma de resolver os problemas mundiais e sociais bem pode ser o fruto apodrecido deste tipo de sociedade mercantilista e venal. Esse caminho poderá produzir prazeres para alguns, mas jamais a felicidade que tanto ansiamos. Ela reside em outro lugar que importa definir. Bem o expressou outro poeta, Vicente de Carvalho (†1924):
"Esta felicidade que supomos,
Árvore milagrosa que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,
Existe, sim, mas nós não a alcançamos,
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos”.
Esta observação do poeta suscita corretamente a pergunta: onde colocamos a felicidade? Em que objetos? Em que desejos a serem satisfeitos? Colocamo-la fora de nós, num determinado tipo de pessoa amada? Numa cirurgia plástica para parecermos mais jovens?
Há um dado permanente e inegável: todos querem ser felizes. Não há métodos e artimanhas que não foram sugeridos para chegar ao reino da felicidade. A força do capitalismo reside na cultura que produziu, fundada na exaltação da acumulação privada de bens materiais e na indução ao consumo ilimitado, além da aquisição de um razoável status e certo reconhecimento social. O que mais ela faz é prometer felicidade plena. Entretanto é só promessa e falaciosa. Por mais que utilize todos os mecanismos do marketing, pinte com as cores mais atraentes a realidade e organize todo tipo de entretenimento, não consegue fazer as pessoas felizes. Ao contrário, as torna cada vez mais erráticas, frustradas e vazias, pois suas premissas são falsas ou enganosas como logo iremos mostrar a seguir.
Surgiu recentemente na Alemanha, elaborada por um coreano lá residente e que ganhou forte ressonância, a filosofia do cansaço, como característica da sociedade capitalista tardia. Efetivamente vivemos cansados de apelos para o consumo, afogados em informações, estafados pelo ritmo acelerado da produtividade e da competição que gera irritabilidade e ansiedade frequente. O número de suicídios no mundo inteiro e também no Brasil é assustador. Ressuscitou-se na frança o dito da revolução de 68 do século passado, agora radicalizado. Então se dizia: “metrô, trabalho, cama”. Agora se diz: “metrô, trabalho, túmulo”. Quer dizer: esta aceleração produz doenças letais, perda do sentido de vida e verdadeiros infartos psíquicos.
Esta situação fez surgir toda uma indústria de livros de auto-ajuda, feitos de cacos de ciência, de psicologia, de orientalismo, de esoterismo e de doutrinas religiosas, oferecendo fórmulas rápidas para ser feliz. Pura ilusão, porque oferece a felicidade feita como receita de cozinha e não como fruto de um processo pessoal trabalhando sobre a real condição humana.
Que é a felicidade? Não vou entrar nas lições dos clássicos como Aristóteles e Tomás de Aquino que possuem uma visão convergente: a felicidade resulta de um agir bom e de um viver bem, com equilíbrio e na justa medida. Corretíssimo, mas é muito conceptual. Talvez os poetas sejam mais ilustrativos e convincentes. Basta citar o comovente poema-canção de tom Jobim e Vinicius de Moraes “Tristeza não tem fim, Felicidade sim”:
“A felicidade é como a pluma
Que o vento vai levando pelo ar.
Voa tão leve
Mas tem a vida breve.
Precisa que haja vento sem parar.
A felicidade é como a gota
De orvalho numa pétala de flor.
Brilha tranquila,
Depois de leve oscila
E cai como uma lágrima de amor.
Tristeza não tem fim,
Felicidade sim.”
Aqui aparece a natureza frágil da felicidade: é como uma pluma leve que o vento carrega. Ela tem vida breve porque para subsistir precisa que haja vento sem parar. Mas nem sempre há vento. Então aparece a tristeza que sempre nos acompanha deixando-nos a saudade da felicidade vivida. A felicidade, por mais plenitude que nos conceda, guarda sempre um transfundo de tristeza: por causa da fugacidade da vida, dos acontecimentos inesperados, das mudanças do curso das coisas e das eventuais rupturas de laços afetivos. Mesmo assim nunca desistimos dela, pois fomos pensados e criados para a felicidade.
Ela se assemelha a uma gota de orvalho que um leve movimento a faz cair. Ela lembra a lágrima de amor que torna adorável a vida, mas que também é frágil como a flor. Esta, a flor, tem vida curta, murcha e por fim fenece.
Quem poderá carregar o peso da pluma? Ela é tão leve que ninguém pode carregá-la. Ela está à mercê de si mesma. algo parecido ocorre com a felicidade. Revela um estado de espírito que não pode ser medido e pesado, apenas vivido e compartido. Mas precisa ser cultivado, cuidado e alimentado porque só seremos realmente felizes fazendo também outros felizes.
Hoje a busca da felicidade tem que se enfrentar com um mundo profundamente infeliz, com uma escandalosa concentração de riqueza (1% da humanidade controla 80% de todos os fluxos financeiros), com bilhões de famélicos e marginalizados, com um planeta terra devastado e graves ameaças que pesam sobre o futuro da vida e de nossa civilização. Quem pode ser feliz numa condição dessa?
Tudo isso é consequência do fato denunciado, já em 1944, pelo economista húngaro-norte-americano Karl Polanyi (em seu livro A Grande Transformação) de termos passado de uma economia de mercado para uma sociedade de mercado. Tudo vira mercadoria, até as coisas mais sagradas. Com tudo se procura ganhar dinheiro, com métodos que devem produzir a felicidade, com o sexo, a venda de órgãos, de armas e de drogas e até com promessas de um pedaço do céu por certas igrejas pentecostais que se submetem à lógica do mercado.
Isso não é novidade. Karl Marx, com seu fino tato de perceber as tendências do capital e para onde ele nos pode levar, já em 1847, em seu livro Miséria da filosofia, denunciava esta barbárie: “Chegará, enfim, um tempo em que tudo o que os homens haviam considerado inalienável se tornará objeto de troca, de tráfico e se poderá vender. o tempo em que as próprias coisas que até então eram compartilhadas, mas jamais feitas objeto de troca; dadas, mas jamais vendidas; adquiridas, mas jamais compradas – virtude, amor, opinião, ciência, consciência etc – agora de tudo isso se faz comércio. irrompeu o tempo da corrupção geral, da venalidade universal ou, para falar em termos de economia política, se inaugurou o tempo em que qualquer coisa, moral ou física, uma vez tornada valor venal é levada ao mercado para receber seu preço”.
Esse tempo chegou, “tempo da corrupção geral e da venalidade universal” no Brasil e no mundo. A atual desordem mundial, descrita minuciosamente pelo nosso melhor analista de política internacional, Moniz bandeira, com um livro com esse mesmo título (A desordem mundial, 2016) que se expressa pelo desenraizamento geral, pelo vazio existencial, pelo cansaço, pela depressão e pela violência como forma de resolver os problemas mundiais e sociais bem pode ser o fruto apodrecido deste tipo de sociedade mercantilista e venal. Esse caminho poderá produzir prazeres para alguns, mas jamais a felicidade que tanto ansiamos. Ela reside em outro lugar que importa definir. Bem o expressou outro poeta, Vicente de Carvalho (†1924):
"Esta felicidade que supomos,
Árvore milagrosa que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,
Existe, sim, mas nós não a alcançamos,
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos”.
Esta observação do poeta suscita corretamente a pergunta: onde colocamos a felicidade? Em que objetos? Em que desejos a serem satisfeitos? Colocamo-la fora de nós, num determinado tipo de pessoa amada? Numa cirurgia plástica para parecermos mais jovens?
Bravo!!!
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