Por Euzébio Jorge, no site da UJS:
A América Latina se defronta com a crise do capitalismo mundial ao seu jeito. Não me refiro aqui a também histórica usurpação do sangue, do suor e das riquezas naturais que sempre sustentaram o capitalismo mundial em períodos de crise e bonança. Refiro-me a incontestável capacidade dos latino-americanos das classes subalternas – originários ou trazidos nos porões dos navios – de resistirem com uma bravura que tende a questionar a sensatez.
Porém, a própria razão é capaz de reafirmar o que foi dito há mais de um século: os despossuídos não têm nada a perder. Como pode ser observado no “livro maldito” de Eduardo Galeano, As Veias Abertas da América Latina, a interconexão dos países latinos se reafirma século pós século, mesmo antes das invasões espanhola e portuguesa no “novo mundo”. Povos Incas, Maias, Astecas, Guaranis já tinham costurado o continente com as linhas inquebrantáveis de nossa história social, econômica e política.
Não é possível observar o que ocorre na América Latina nos dias de hoje sem nos remetermos aos processos de devastações e saques da colonização. A ambição por apropriar-se do gás boliviano, do petróleo venezuelano e brasileiro, das reservas minerais da Amazônia e dos bens primários de toda a América Latina em nada se diferencia das descrições que Galeano faz da “relação comercial” entre os países periféricos da América com seus “benevolentes colonizadores”. Ao explorarem em ritmo acelerado a Prata de Potosí e Sucre, na Bolívia, as minas de Guanajuato e Zacatecas, no México, o ouro de Ouro Preto, a cana-de-açúcar do Brasil, da Jamaica, do Haiti, da República Dominicana, de Cuba e de Porto Rico, a borracha da floresta Amazônica, o cacau e o petróleo da Venezuela, o salitre, cobre, banana, café, tomaram destes países as riquezas necessárias para financiar a acumulação primitiva na Europa, deixando para trás a miséria e as mortes ao final de cada ciclo de exploração. Civilizações indígenas e africanas, que muitas vezes possuíam conhecimentos técnicos e filosóficos mais sofisticados que o europeu, foram escravizadas como animais desprovidos de capacidades cognitivas. Conhecimentos nas áreas das engenharias, matemática, botânica, sociologia, história, astronomia, agronomia foram enterrados nas tumbas dos escravos das minas de ouro e prata e das plantações de cana.
Como hoje, os povos Latino Americanos nunca se furtaram de resistir, mesmo combatendo em evidente desvantagem de armas e recursos, motivados pela possibilidade de se desvencilharem das correntes que lhes aprisionam. No nordeste brasileiro, sertanejos esmagados pelas aristocracias locais se rebelavam via misticismos religiosos, como em Canudos, ou via grupos de cangaceiros que se opunham ao Estado (formal ou informal) dos coronéis, como no bando de Lampião. Entre os séculos XVII e XVIII centenas de Quilombos formados por mulheres e homens que não aceitaram ser escravizados constituíram um instrumento de luta por liberdade e preservação de suas culturas; o Quilombo dos Palmares atingiu uma população estimada de 50 mil pessoas, resistiu a algo entorno de dezoito investidas militares e constituiu um exército que ajudou a libertar dezenas de milhares de escravos no Brasil.
No Século XVIII, Túpac Amaru, um cacique mestiço descendente de imperadores incas, evoca uma rebelião de indígenas escravizados, liquida com o corregedor real de Potosí, decreta a libertação de milhares de escravos e monta um grande exército de libertação. No México, Hidalgo e Morelos, sob um estandarte de nossa Senhora de Guadalupe, tocam o sino da Igreja de Dolores convocando os escravos a se levantarem, constituíram em uma semana contingente de 80 mil indígenas com facões, lanças arcos e flechas para lutarem contra o invasor. No começo do Século XX, Emiliano Zapata e Pancho Villa lideram revoltas camponesas reivindicando reforma agrária e outros direitos no México. Em cuba do século XIX, escravos incapazes de promoverem um levante que se confrontasse diretamente com seus opressores, cometiam o suicídio como uma última forma de protesto as degradantes condições de vida.
Como nos lembra Augusto Buonicore, no ano da Revolução Russa trabalhadores da indústria e comércio paulista realizam uma greve que foi ferozmente combatida, mas que influenciou o movimento operário em todo país, dado o apoio popular, a capacidade de radicalizar e a profundidade das conquistas. Em 1º de Janeiro de 1959 jovens revolucionários destituem o ditador Cubano Fulgencio Batista, e implantam um governo que posteriormente assume um caráter socialista.
O século XX reafirmou que a América Latina está irmanada não apenas na identidade combativa de seus povos, como também na ambição e voracidade de seus carrascos. Apavorados com a revolução Cubana e com os avanços das lutas operárias e populares na América, os EUA patrocinam de forma sincrônica golpes em grande parte dos países da região, em um período surpreendentemente curto. Tenta-se um golpe no governo Vargas em 1954 – mesmo ano em que são realizados treze golpes militares na América Latina, dentre estes, Paraguai e Guatemala. Posteriormente sofrem golpes militares a Argentina em 1955/1962/1966, Brasil em 64, Peru em 68, Uruguai e Chile em 73. O Golpe no Brasil deu sustentação para a operação Condor que possibilitou aos EUA, a partir do Brasil, apoiar golpes nos outros países da região. Os governos militares promoveram as mais sangrentas formas de terrorismo de Estado praticando sequestros, assassinatos e torturas de opositores dos regimes.
A mais violenta ditadura argentina resultou em mais de 30 mil desaparecidos e 2 mil mortes confirmadas – milhares de execuções ocorreram jogando pessoas de aviões que sobrevoavam o mar. No Chile também se contabilizam milhares de desaparecidos e mortos sob a ditadura do Ditador Neoliberal Augusto Pinochet. No Uruguai, em 27 de junho de 1973, é anunciado por Juan María Bordaberry que seriam realizadas reformas republicanas democratizantes, três dias depois joga na ilegalidade sindicatos, censura e imprensa e reprime com violência o Movimento de Libertação Nacional (Tupamaro). A ditadura brasileira agiu com a mesma violência das outras ditaduras da América Latina, exilando, torturando e assassinando qualquer opositor. Mesmo com todo o esforço para desarticular a resistência, movimentos populares e de trabalhadores resistiram bravamente por meio de guerrilhas armadas e urbanas, greves, manifestações, festivais e campanhas internacionais de denúncia.
A América Latina conquistou com sangue, suor e lágrimas o retorno à democracia nos anos 1980. Movimentos que lutaram contra o terrorismo de Estado na segunda metade do século XX não se contentaram com a frágil democracia construída na região. Os anos de ditadura serviram para promover um substancial crescimento econômico nos países latinos à custa da elevação da desigualdade e redução dos rendimentos dos trabalhadores. As ditaduras tentaram sufocar no sangue das torturas as mais triviais reivindicações dos movimentos sociais e operários como o direito ao trabalho e renda, reforma agrária e moradia. Almejava-se ampliar as conquistas para temas latentes como o combate ao machismo e ao racismo, expressos sobretudo, nas desigualdades do mercado de trabalho. Os trabalhadores ansiavam por usufruir das riquezas geradas pelos milhões de braços durante a ditadura, porém, nos deparamos com o neoliberalismo e com a crise da dívida.
Se a missão do Estado até a segunda crise do petróleo era promover elevados investimentos, nos anos 1980 era conter os gastos, as importações e a inflação. Neste período, ancorado no Consenso de Washington, difunde-se a ideia de que o Estado é um péssimo administrador e o responsável pela elevação da inflação e do desemprego. Mais uma vez a América Latina está no mesmo barco. Executando o receituário neoliberal, os países da região sofrem com uma nova ditadura, agora amorfa e difícil de ser combatida, a ditadura do grande capital globalizado, demandando abertura comercial e financeira irrestrita. Mesmo com grande dificuldade, os movimentos sociais e operários passam a década de 1990 combatendo o neoliberalismo e, mais uma vez, de forma relativamente sincronizada, começam a obter vitórias contra o consenso de Washington. Mesmo com a esquerda obtendo um conjunto de vitórias eleitorais na primeira década do século XXI, a América Latina não consegue enterrar o receituário neoliberal – seja pela histórica característica conciliatória dos países latinos, ou pelo elevado poder que o capital internacional exerce na região – as políticas de desenvolvimento não conseguiram (em alguns países nem tentaram) romper com os fatores que reproduzem a superexploração e o subdesenvolvimento latino-americano.
O professor Carlos Cordovano parece ter razão ao afirmar que América Latina está sempre na vanguarda da exploração e da barbárie, mas está sempre atrasado na consolidação do nível civilizatório contemporâneo. As reformas previdenciária e trabalhista no Brasil são evidências de tal fenômeno; em um momento de crise capitalista, em que o grande capital avança suas margens de lucros sobre os rendimentos do salário e os parcos direitos trabalhistas, as elites da América Latina protagonizam a construção do “moderno”. O “moderno” dos períodos de crise é não ter legislação alguma que garanta direitos sociais, é permitir que os capitalistas negociem com os operários individualmente em condições de “igualdade” (em um quadro de elevado desemprego e insegurança social), é eliminar qualquer tipo de previdência pública, permitindo que prevaleçam os fundos de previdência privada, geridos pelo “confiável” mercado financeiro.
A derrota da esquerda na Argentina e o golpe no Brasil são apenas sintomas dos novos ares. Os governos populares da Venezuela e da Bolívia, que tomaram medidas mais profundas de transformação em suas estruturas sociais, também sofrem violentos ataques internos e externos. As insuficientes conquistas sociais dos anos 2000 não só foram incapazes de contribuir substancialmente para a superação do subdesenvolvimento, como também foram rapidamente revertidas, abrindo caminho para um novo ciclo conservador na região. A crise econômica mundial impacta a América Latina política e socialmente, trazendo à tona históricos problemas estruturais de elevado desemprego, baixos salários e elevada rotatividade. Tais características presentes em toda a região reforçam a também histórica desigualdade social e a superexploração do trabalho. A residual redução das desigualdades dos anos 2000 tendem a ser revertidas, o que significa ainda piores condições de vida e de trabalho as mulheres, negrxs e LGBT’s.
Mesmo com o Brasil praticando políticas de proteção do emprego e da renda muito mais efetivas que o México, os dois países terminam a atual década com indicadores de emprego semelhantes, o que sugere que por vezes as conexões entre os países transcendem as políticas nacionais. Mesmo com toda a diversidade de estratégias e políticas implementadas nos anos 2000, a região parece estar aprisionada por estruturas econômicas e institucionais que reproduzem a inserção subalterna no mercado internacional, o que apenas evidencia a superexploração. As políticas macroeconômicas contracionistas, guiada pelas elevadas taxas de juros e pelo combate à inflação, não passam de indícios de que nos dias de hoje não ditamos nossos rumos.
Vale refletirmos se é possível um país latino-americano individualmente superar este ciclo de reprodução do subdesenvolvimento. Não tentei responder esta questão neste texto, busquei apenas demonstrar quão profundos são os laços que integram os países e os povos da América Latina, seja pela capacidade de resistirmos aos mais violentos ataques, seja pelo desejo de países imperialistas nos ver uniformemente de joelhos.
Porém, a própria razão é capaz de reafirmar o que foi dito há mais de um século: os despossuídos não têm nada a perder. Como pode ser observado no “livro maldito” de Eduardo Galeano, As Veias Abertas da América Latina, a interconexão dos países latinos se reafirma século pós século, mesmo antes das invasões espanhola e portuguesa no “novo mundo”. Povos Incas, Maias, Astecas, Guaranis já tinham costurado o continente com as linhas inquebrantáveis de nossa história social, econômica e política.
Não é possível observar o que ocorre na América Latina nos dias de hoje sem nos remetermos aos processos de devastações e saques da colonização. A ambição por apropriar-se do gás boliviano, do petróleo venezuelano e brasileiro, das reservas minerais da Amazônia e dos bens primários de toda a América Latina em nada se diferencia das descrições que Galeano faz da “relação comercial” entre os países periféricos da América com seus “benevolentes colonizadores”. Ao explorarem em ritmo acelerado a Prata de Potosí e Sucre, na Bolívia, as minas de Guanajuato e Zacatecas, no México, o ouro de Ouro Preto, a cana-de-açúcar do Brasil, da Jamaica, do Haiti, da República Dominicana, de Cuba e de Porto Rico, a borracha da floresta Amazônica, o cacau e o petróleo da Venezuela, o salitre, cobre, banana, café, tomaram destes países as riquezas necessárias para financiar a acumulação primitiva na Europa, deixando para trás a miséria e as mortes ao final de cada ciclo de exploração. Civilizações indígenas e africanas, que muitas vezes possuíam conhecimentos técnicos e filosóficos mais sofisticados que o europeu, foram escravizadas como animais desprovidos de capacidades cognitivas. Conhecimentos nas áreas das engenharias, matemática, botânica, sociologia, história, astronomia, agronomia foram enterrados nas tumbas dos escravos das minas de ouro e prata e das plantações de cana.
Como hoje, os povos Latino Americanos nunca se furtaram de resistir, mesmo combatendo em evidente desvantagem de armas e recursos, motivados pela possibilidade de se desvencilharem das correntes que lhes aprisionam. No nordeste brasileiro, sertanejos esmagados pelas aristocracias locais se rebelavam via misticismos religiosos, como em Canudos, ou via grupos de cangaceiros que se opunham ao Estado (formal ou informal) dos coronéis, como no bando de Lampião. Entre os séculos XVII e XVIII centenas de Quilombos formados por mulheres e homens que não aceitaram ser escravizados constituíram um instrumento de luta por liberdade e preservação de suas culturas; o Quilombo dos Palmares atingiu uma população estimada de 50 mil pessoas, resistiu a algo entorno de dezoito investidas militares e constituiu um exército que ajudou a libertar dezenas de milhares de escravos no Brasil.
No Século XVIII, Túpac Amaru, um cacique mestiço descendente de imperadores incas, evoca uma rebelião de indígenas escravizados, liquida com o corregedor real de Potosí, decreta a libertação de milhares de escravos e monta um grande exército de libertação. No México, Hidalgo e Morelos, sob um estandarte de nossa Senhora de Guadalupe, tocam o sino da Igreja de Dolores convocando os escravos a se levantarem, constituíram em uma semana contingente de 80 mil indígenas com facões, lanças arcos e flechas para lutarem contra o invasor. No começo do Século XX, Emiliano Zapata e Pancho Villa lideram revoltas camponesas reivindicando reforma agrária e outros direitos no México. Em cuba do século XIX, escravos incapazes de promoverem um levante que se confrontasse diretamente com seus opressores, cometiam o suicídio como uma última forma de protesto as degradantes condições de vida.
Como nos lembra Augusto Buonicore, no ano da Revolução Russa trabalhadores da indústria e comércio paulista realizam uma greve que foi ferozmente combatida, mas que influenciou o movimento operário em todo país, dado o apoio popular, a capacidade de radicalizar e a profundidade das conquistas. Em 1º de Janeiro de 1959 jovens revolucionários destituem o ditador Cubano Fulgencio Batista, e implantam um governo que posteriormente assume um caráter socialista.
O século XX reafirmou que a América Latina está irmanada não apenas na identidade combativa de seus povos, como também na ambição e voracidade de seus carrascos. Apavorados com a revolução Cubana e com os avanços das lutas operárias e populares na América, os EUA patrocinam de forma sincrônica golpes em grande parte dos países da região, em um período surpreendentemente curto. Tenta-se um golpe no governo Vargas em 1954 – mesmo ano em que são realizados treze golpes militares na América Latina, dentre estes, Paraguai e Guatemala. Posteriormente sofrem golpes militares a Argentina em 1955/1962/1966, Brasil em 64, Peru em 68, Uruguai e Chile em 73. O Golpe no Brasil deu sustentação para a operação Condor que possibilitou aos EUA, a partir do Brasil, apoiar golpes nos outros países da região. Os governos militares promoveram as mais sangrentas formas de terrorismo de Estado praticando sequestros, assassinatos e torturas de opositores dos regimes.
A mais violenta ditadura argentina resultou em mais de 30 mil desaparecidos e 2 mil mortes confirmadas – milhares de execuções ocorreram jogando pessoas de aviões que sobrevoavam o mar. No Chile também se contabilizam milhares de desaparecidos e mortos sob a ditadura do Ditador Neoliberal Augusto Pinochet. No Uruguai, em 27 de junho de 1973, é anunciado por Juan María Bordaberry que seriam realizadas reformas republicanas democratizantes, três dias depois joga na ilegalidade sindicatos, censura e imprensa e reprime com violência o Movimento de Libertação Nacional (Tupamaro). A ditadura brasileira agiu com a mesma violência das outras ditaduras da América Latina, exilando, torturando e assassinando qualquer opositor. Mesmo com todo o esforço para desarticular a resistência, movimentos populares e de trabalhadores resistiram bravamente por meio de guerrilhas armadas e urbanas, greves, manifestações, festivais e campanhas internacionais de denúncia.
A América Latina conquistou com sangue, suor e lágrimas o retorno à democracia nos anos 1980. Movimentos que lutaram contra o terrorismo de Estado na segunda metade do século XX não se contentaram com a frágil democracia construída na região. Os anos de ditadura serviram para promover um substancial crescimento econômico nos países latinos à custa da elevação da desigualdade e redução dos rendimentos dos trabalhadores. As ditaduras tentaram sufocar no sangue das torturas as mais triviais reivindicações dos movimentos sociais e operários como o direito ao trabalho e renda, reforma agrária e moradia. Almejava-se ampliar as conquistas para temas latentes como o combate ao machismo e ao racismo, expressos sobretudo, nas desigualdades do mercado de trabalho. Os trabalhadores ansiavam por usufruir das riquezas geradas pelos milhões de braços durante a ditadura, porém, nos deparamos com o neoliberalismo e com a crise da dívida.
Se a missão do Estado até a segunda crise do petróleo era promover elevados investimentos, nos anos 1980 era conter os gastos, as importações e a inflação. Neste período, ancorado no Consenso de Washington, difunde-se a ideia de que o Estado é um péssimo administrador e o responsável pela elevação da inflação e do desemprego. Mais uma vez a América Latina está no mesmo barco. Executando o receituário neoliberal, os países da região sofrem com uma nova ditadura, agora amorfa e difícil de ser combatida, a ditadura do grande capital globalizado, demandando abertura comercial e financeira irrestrita. Mesmo com grande dificuldade, os movimentos sociais e operários passam a década de 1990 combatendo o neoliberalismo e, mais uma vez, de forma relativamente sincronizada, começam a obter vitórias contra o consenso de Washington. Mesmo com a esquerda obtendo um conjunto de vitórias eleitorais na primeira década do século XXI, a América Latina não consegue enterrar o receituário neoliberal – seja pela histórica característica conciliatória dos países latinos, ou pelo elevado poder que o capital internacional exerce na região – as políticas de desenvolvimento não conseguiram (em alguns países nem tentaram) romper com os fatores que reproduzem a superexploração e o subdesenvolvimento latino-americano.
O professor Carlos Cordovano parece ter razão ao afirmar que América Latina está sempre na vanguarda da exploração e da barbárie, mas está sempre atrasado na consolidação do nível civilizatório contemporâneo. As reformas previdenciária e trabalhista no Brasil são evidências de tal fenômeno; em um momento de crise capitalista, em que o grande capital avança suas margens de lucros sobre os rendimentos do salário e os parcos direitos trabalhistas, as elites da América Latina protagonizam a construção do “moderno”. O “moderno” dos períodos de crise é não ter legislação alguma que garanta direitos sociais, é permitir que os capitalistas negociem com os operários individualmente em condições de “igualdade” (em um quadro de elevado desemprego e insegurança social), é eliminar qualquer tipo de previdência pública, permitindo que prevaleçam os fundos de previdência privada, geridos pelo “confiável” mercado financeiro.
A derrota da esquerda na Argentina e o golpe no Brasil são apenas sintomas dos novos ares. Os governos populares da Venezuela e da Bolívia, que tomaram medidas mais profundas de transformação em suas estruturas sociais, também sofrem violentos ataques internos e externos. As insuficientes conquistas sociais dos anos 2000 não só foram incapazes de contribuir substancialmente para a superação do subdesenvolvimento, como também foram rapidamente revertidas, abrindo caminho para um novo ciclo conservador na região. A crise econômica mundial impacta a América Latina política e socialmente, trazendo à tona históricos problemas estruturais de elevado desemprego, baixos salários e elevada rotatividade. Tais características presentes em toda a região reforçam a também histórica desigualdade social e a superexploração do trabalho. A residual redução das desigualdades dos anos 2000 tendem a ser revertidas, o que significa ainda piores condições de vida e de trabalho as mulheres, negrxs e LGBT’s.
Mesmo com o Brasil praticando políticas de proteção do emprego e da renda muito mais efetivas que o México, os dois países terminam a atual década com indicadores de emprego semelhantes, o que sugere que por vezes as conexões entre os países transcendem as políticas nacionais. Mesmo com toda a diversidade de estratégias e políticas implementadas nos anos 2000, a região parece estar aprisionada por estruturas econômicas e institucionais que reproduzem a inserção subalterna no mercado internacional, o que apenas evidencia a superexploração. As políticas macroeconômicas contracionistas, guiada pelas elevadas taxas de juros e pelo combate à inflação, não passam de indícios de que nos dias de hoje não ditamos nossos rumos.
Vale refletirmos se é possível um país latino-americano individualmente superar este ciclo de reprodução do subdesenvolvimento. Não tentei responder esta questão neste texto, busquei apenas demonstrar quão profundos são os laços que integram os países e os povos da América Latina, seja pela capacidade de resistirmos aos mais violentos ataques, seja pelo desejo de países imperialistas nos ver uniformemente de joelhos.
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