quarta-feira, 7 de junho de 2017

Vamos internar o "prefake" João Doria?

Por Muryel Euzébio, no site Jornalistas Livres:

Vamos internar o Doria?

Alguns vão dizer que, para idade que eu tenho e outros fatores pessoais da minha vida, começar um texto com tal título é pura imaturidade, falta de senso, pedido por atenção, falta de entendimento e/ou de esclarecimento.

Mas, falando sério, eu pergunto se não falta entendimento e esclarecimento exatamente ao prefeito João Doria Jr. Só assim para ele ser capaz de tomar medidas tão brutais na Cracolândia, com sua política de exclusão social amparada na ignorância do que seja uma cidade real (não um jogo de Lego) e toda a diversidade de gente que ela abriga. Esse tipo de conhecimento, diga-se nenhuma escola burguesa consegue dar.


Vamos internar Doria, sim!

“O viciado em exterminar a minoria, e resolver os problemas varrendo para debaixo do tapete.”

É assustador saber que ainda no ano de 2017 tantas pessoas acreditem que a droga seja a única responsável pela “destruição” de vidas e famílias, como afirma a grande mídia, a polícia e os médicos interessados em lotar suas clínicas particulares. Essa fala preconceituosa, embora pareça ok, impede-nos de lidar com os problemas que vemos à frente. Me explica como é possível ajudar os dependentes químicos, tratando-os com nojo, como se não fossem humanos?

Tenho certeza de que Doria não deve tratar os animais dele de estimação quebrando a casinha deles. Mas fazer isso com seres-humanos, como ele fez na Cracolândia, derrubando uma pensão com os moradores dentro, tudo bem — “aliás eles já estão fodidos na vida mesmo”.

Gentrificação é o nome que se dá aos processos de valorização imobiliária de uma região ou bairro, o que pode ocorrer pela construção de um museu, de um shopping center ou de novos edifícios, expulsando a população local de baixa renda. Guarde essa palavra, porque ela expressa muito bem as perspectivas do governo Doria para a cidade de São Paulo em geral, e para a Cracolândia em particular.

Sim, porque é gentrificação a expulsão brutal dos moradores da Luz (usuários de crack entre eles) com 0 discurso de que é necessário prestar-lhes atendimento, por intermédio da internação compulsória. Isso nada mais é do que uma estratégia para encobrir um novo empreendimento imobiliário, que trará benefício para os grande proprietários e capitalistas que especulam com o terreno urbano.

A faxina social que Doria vem fazendo, na tentativa de criar uma cidade em que todos os moradores pareçam ter saído de um comercial de margarina, nada mais é do que a demonstração máxima de que este prefeito não se encontra preparado para administrar São Paulo. Sim, porque a obrigação de um prefeito é cuidar dos seus sem olhar a quem.

A situação fica ainda pior porque nossa Justiça ainda hoje é racista, machista e lgbtfóbica. É explícito que, ao contrário da sonhada “justiça cega”, a que temos criminaliza, diminui, e tenta expor ao ridículo a situação das pessoas que vivem na Cracolândia.

Vamos internar o Doria, sim!

“O viciado em ridicularizar pessoas pra ganhar status social.”
O improviso do projeto Redenção, que seria a base das ações do prefeito na Cracolândia, é tal, que Doria informou antes mesmo da confirmação que o médico Drauzio Varella estaria apoiando internar dependentes químicos sem a autorização deles ou de pessoa da família, passando por cima de leis. Mas o próprio Varella disse em seu site pessoal:

“Hoje fui surpreendido com as notícias divulgadas pela imprensa de que os dois colegas a que me referi e eu fazíamos parte de um ‘Comitê Superior de Saúde contra a dependência química’, encarregado de ‘acompanhar e auditar as ações governamentais na Cracolândia. Não recebi convite formal para fazer parte de um comitê com essas funções. Caso recebesse, não aceitaria: não tenho preparo técnico nem tempo livre para um trabalho dessa natureza.”

Vamos internar o Doria, sim!

“O viciado em oficializar convites, sem de fato tê-los feito, apenas para conseguir aprovação do povo.”
Carl Hart. Nasceu em Miami, nos Estados Unidos. Tendo crescido em um bairro periférico parecido com a periferia das grandes cidades brasileiras, onde o crime e as drogas sempre foram de fácil acesso, Hart relata que foi se questionando por que essa realidade era tão comum entre os seus amigos e a população de seu bairro. Após servir na Força Aérea dos Estados Unidos, Hart voltou-se ao ensino superior. Sua experiência prévia despertou-lhe interesse em se especializar em neurociência e demais estudos voltados a drogas. Atualmente, é professor de psicologia e de psiquiatria da Universidade de Columbia, e há muito tempo vem estudando os efeitos do crack. Em entrevista com o dr. Drauzio Varella, Hart pontua:
“Depois de duas décadas, ficou claro que o uso de crack era mero sintoma de problemas maiores como as dificuldades econômicas, a falta de oportunidade e de educação. O Brasil está repetindo os erros dos EUA.”

Uma cena que sempre esteve muito presente para a população negra - seja aqui no Brasil ou nos Estados Unidos - é a nossa falta de oportunidade. E quando as perspectivas de vida que temos são sempre negativas, não é incomum que busquemos nas drogas a tão sonhada felicidade que o capitalismo e a sociedade burguesa ainda tentam nos vender. É errado? Mas qualquer pessoa que vive dentro da nossa sociedade capitalista busca prazeres, seja por meio de drogas lícitas, ilícitas, relacionamentos, dinheiro poder. E apenas digo que é HIPOCRISIA ouvir da população burguesa que todas as sextas-feiras se encontra no bar para afogar as mágoas, que são os usuários de crack que estão se viciando, e se matando.

Vamos internar o Doria, sim!

“O viciado em achar a solução dos seus problemas, colocando a culpa nos outros.”

Bem que minha mãe sempre disse que enquanto você aponta um dedo para alguém, haverá quatro dedos apontando para você. Temos como prefeito da nossa cidade um mau ator, que tentar se apropriar cinicamente de símbolos dos trabalhadores que vivem nas situações mais precárias de vida, como os garis. Mas em vez de pelo menos tentar viver como um pobre, Doria faz a glamourização da pobreza, o que é indecente. Ele vem cheiroso, banho recém-tomado, vestindo uniforme de gari devidamente costurado e ajustado por um alfaiate chique. Tudo marketing.

Se, de fato, Doria se preocupa tanto com a população da Cracolândia, que tal se preocupar com as estruturas que levam as pessoas até lá?
Doria já conversou com algum usuário de crack que mora na Cracolândia? Já viu qual é a situação deles? Vou te dar uma ajudinha. Aproximadamente 60% dos usuários de crack e cocaína se encontram morando em casas bem organizadas, trabalhando e estudando. Portanto, a maioria dos usuários de crack não está na Cracolândia.
Quem está usando drogas na Cracolândia é apenas a franja mais vulnerável, mais frágil da sociedade, aquela que mais precisa de respeito e de ajuda, na forma de saúde, educação, formação e trabalho.

Enfim,

Vamos internar o Doria, sim!

“O viciado em fingir que sabe cuidar de uma cidade.”

* Muryel Euzébio, 17 anos, é jornalista livre, artista, músico, ativista negro e LGBT.

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