Por Paulo Kliass, no site Carta Maior:
A maior parte do noticiário atual tem se ocupado dos impactos políticos e econômicos derivados da mais recente decisão da equipe comandada por Henrique Meirelles. Trata-se da opção por lançar mão do aumento de impostos para dar uma maquiadazinha na calamitosa situação fiscal de nosso País. Na verdade, o problema não está tanto na majoração dos tributos incidentes na cadeia de combustíveis em si. Mas principalmente pelo fato de se tratar de mais um evento de estelionato golpeachmental patrocinado por Temer.
Afinal o bloco majoritário que promoveu a retirada ilegal e inconstitucional da Presidenta legitimamente eleita foi useiro e vezeiro da ladainha contra o uso de novas elevações de medidas de tributação como instrumento de política econômica. Esse foi o caso da derrota da CPMF e de todas as outras tentativas de recompor o equilíbrio fiscal a partir de fontes de arrecadação. Afinal, o mote do Estado mínimo rima perfeitamente com a negativa em pagar impostos.
Todas as vezes que Lula e Dilma ousaram apresentar alguma opção nessa linha foram severamente bombardeados como gastadores, populistas, irresponsáveis, bolivarianos e por aí vai. O interessante é observar a mudança radical dos analistas vinculados ao financismo e à equipe dos sonhos da economia. O tom dos comentários e editoriais nos grandes órgãos de comunicação é totalmente diferente. Agora, a decisão de elevar PIS/COFINS incidente sobre diesel, gasolina e etanol é apresentada como uma inevitabilidade, uma triste necessidade inescapável para fechar as contas do governo federal. Coitado, em meio a tantas dificuldades a serem enfrentadas, dá mesmo até dó do Ministro da Fazenda...
Até então a turma do impostômetro era implacável na crítica a esse tipo de possibilidade. Isso para não mencionar o bombardeio sistemático de qualquer alternativa de uso de tributos para estabelecer um novo padrão de justiça social e econômica, com maior incidência de impostos sobre a renda e o patrimônio. O exemplo mais simbólico é a incansável luta contra a regulamentação do dispositivo previsto na Constituição desde 1988. Trata-se do Imposto sobre Grandes Fortunas, que deveria já estar definido em lei complementar específica há 29 anos, tal como determina o inciso VII, do art. 153 da Carta Magna.
Pois bem, o foco do debate na questão da arrecadação escamoteia a divulgação e análise das informações relativas ao comportamento da dívida pública federal. Como ocorre a cada mês, a Secretária do Tesouro Nacional (STN) divulga o relatório periódico com os dados relativos à evolução dessa importante referência de avaliação das condições macroeconômicas do País.
De acordo com os números oficiais do próprio Ministério da Fazenda, o estoque total da dívida pública federal em poder do público atingiu a marca de R$ 3,36 trilhões em junho de 2017. Esse valor representou um crescimento significativo ao longo de 12 meses. Há exatamente um ano, o estoque dessa dívida estava no nível de R$ 2,96 tri. Isso significa que houve um crescimento de R$ 400 bi no período. Antes de quaisquer conclusões apressadas a respeito de um suposto gigantismo nos números, é importante registrar que a existência de dívida pública não é nenhum problema em si. Antes, pelo contrário, o processo de endividamento público pode se traduzir em importante instrumento de política econômica. O importante é entendermos os “comos”, os “quantos” e os “porquês” de cada caso concreto a ser estudado.
Um aspecto relevante a ser observado é que o crescimento do estoque da dívida deu-se em período onde houve, também, o pagamento expressivo de juros sobre esse mesmo montante de títulos emitidos sob a responsabilidade do Tesouro Nacional. Ou seja, seguiu-se à risca o preceito da ditadura do superávit primário e os resultados das contas orçamentárias de natureza não financeira foram comprimidos para que sobrassem recursos para o pagamento dos compromissos da dívida. E mesmo assim, tal esforço não foi suficiente. Com isso, novos títulos foram emitidos e o estoque da dívida cresceu.
Os dados disponíveis no Banco Central a respeito do pagamento de juros mostram que no período maio de 2016 a maio de 2017 (12 meses) foram direcionados R$ 431 bi para esse fim. A tendência é que seja observada uma ligeira piora quando forem divulgados os dados de junho. O importante a reter é que houve um duplo movimento de primazia do financismo sobre a chamada “economia real”. Além de sorver essa parcela ponderável do orçamento da União com juros, o movimento apresenta o já mencionado acréscimo de novos R$ 400 bi em títulos públicos federais, provocando a elevação também no estoque da dívida.
Um indicador bastante utilizado para avaliar a evolução do processo de endividamento e a capacidade de cumprimento das obrigações no longo prazo diz respeito à relação dívida bruta/PIB. No caso brasileiro, estamos algo próximo a 73% para os dados de maio de 2017. Esse número é bastante inferior a outras economias, como Japão (250%), Grécia (179%), Itália (132%), Portugal (130%), Estados Unidos (106%), Canadá (92%) e média da zona do euro (89%). Como se pode verificar, a dívida pública mais ou menos elevada em si não é um problema. O que é relevante na análise é a capacidade de o Estado do país considerado apresentar um panorama futuro sustentável e capaz de assegurar o compromisso com tais títulos.
Porém, vale observar a evolução recente desse indicador brasileiro e associá-lo às opções de política econômica adotada ao longo dos últimos anos. Um ponto de virada parece ter sido a opção explícita pela política de austericídio a partir do final de 2014 e início de 2015. Com a consequente queda brutal da capacidade arrecadadora do Estado, as contas orçamentárias foram comprimidas pela redução das despesas de forma obtusa. Com isso, um dos efeitos terríveis foi a redução crescente das atividades econômicas em geral e a entrada em recessão desde 2015. E a engrenagem do círculo vicioso entra em operação, com queda ainda maior da arrecadação e mais recessão e assim por diante.
A Tabela abaixo mostra o comportamento indicador “dívida bruta/PIB” para o caso brasileiro o longo da última década. Entre 2007 e 2013, observa-se uma tendência de estabilidade da relação, com uma média de 55% ao longo do período. Como a recessão provoca a redução do Produto Interno, a queda do denominador provoca uma elevação na relação e o indicador cresce. Assim, a partir de 2014, o indicador começa a apresentar uma tendência de alta, passando de 56% para os atuais 73%.
Uma conclusão a respeito desse processo refere-se à falácia do discurso do financismo a respeito da importância de manter a política de geração de superávit primário. O principal argumento preconizava que o esforço fiscal era essencial para evitar o crescimento da dívida, uma vez que os juros seriam pagos com esse saldo derivado da redução dos gastos de natureza social e investimentos. Pois bem essa opção tem sido levada acabo há muito tempo. Com isso, o Brasil destinou mais de R$ 2,7 trilhões de seu orçamento público para o sistema financeiro para esse fim entre 2007 e 2017, por exemplo.
Ora, durante esse mesmo período, ao invés de ser reduzida ou se estabilizar, o estoque da dívida pública bruta saltou de R$ 1,5 trilhão para R$ 4,6 trilhões. Ou seja, vivemos o pior dos mundos. Foi realizado um esforço fiscal contracionista para pagar juros da dívida. E, simultaneamente, assistimos ao aumento dos valores nominais do próprio estoque de títulos emitidos. Uma loucura!
Mas na aprovação recente da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2018 foi incluído um importante dispositivo que pode auxiliar nesse problema. Ali está determinada a realização de uma auditoria da dívida pública brasileira durante o próximo ano. O artigo aprovado pelo Congresso Nacional diz o seguinte:
“Art. 91. Durante o exercício de 2018, será realizada auditoria da dívida pública, com a participação de entidades da sociedade civil, no âmbito do Ministério da Fazenda e do Banco Central do Brasil.”
Por mais que a intenção não seja a criminalização da política fiscal e nem a condenação do uso do endividamento como instrumento estratégico de uma política desenvolvimentista, o fato é que há muitas dúvidas a serem a esclarecidas a respeito do assunto. O debate amplo e aberto no legislativo, com participação de analistas de fora da máquina pública, pode contribuir para o aperfeiçoamento dos métodos e questionamento de práticas.
A maior parte do noticiário atual tem se ocupado dos impactos políticos e econômicos derivados da mais recente decisão da equipe comandada por Henrique Meirelles. Trata-se da opção por lançar mão do aumento de impostos para dar uma maquiadazinha na calamitosa situação fiscal de nosso País. Na verdade, o problema não está tanto na majoração dos tributos incidentes na cadeia de combustíveis em si. Mas principalmente pelo fato de se tratar de mais um evento de estelionato golpeachmental patrocinado por Temer.
Afinal o bloco majoritário que promoveu a retirada ilegal e inconstitucional da Presidenta legitimamente eleita foi useiro e vezeiro da ladainha contra o uso de novas elevações de medidas de tributação como instrumento de política econômica. Esse foi o caso da derrota da CPMF e de todas as outras tentativas de recompor o equilíbrio fiscal a partir de fontes de arrecadação. Afinal, o mote do Estado mínimo rima perfeitamente com a negativa em pagar impostos.
Todas as vezes que Lula e Dilma ousaram apresentar alguma opção nessa linha foram severamente bombardeados como gastadores, populistas, irresponsáveis, bolivarianos e por aí vai. O interessante é observar a mudança radical dos analistas vinculados ao financismo e à equipe dos sonhos da economia. O tom dos comentários e editoriais nos grandes órgãos de comunicação é totalmente diferente. Agora, a decisão de elevar PIS/COFINS incidente sobre diesel, gasolina e etanol é apresentada como uma inevitabilidade, uma triste necessidade inescapável para fechar as contas do governo federal. Coitado, em meio a tantas dificuldades a serem enfrentadas, dá mesmo até dó do Ministro da Fazenda...
Até então a turma do impostômetro era implacável na crítica a esse tipo de possibilidade. Isso para não mencionar o bombardeio sistemático de qualquer alternativa de uso de tributos para estabelecer um novo padrão de justiça social e econômica, com maior incidência de impostos sobre a renda e o patrimônio. O exemplo mais simbólico é a incansável luta contra a regulamentação do dispositivo previsto na Constituição desde 1988. Trata-se do Imposto sobre Grandes Fortunas, que deveria já estar definido em lei complementar específica há 29 anos, tal como determina o inciso VII, do art. 153 da Carta Magna.
Pois bem, o foco do debate na questão da arrecadação escamoteia a divulgação e análise das informações relativas ao comportamento da dívida pública federal. Como ocorre a cada mês, a Secretária do Tesouro Nacional (STN) divulga o relatório periódico com os dados relativos à evolução dessa importante referência de avaliação das condições macroeconômicas do País.
De acordo com os números oficiais do próprio Ministério da Fazenda, o estoque total da dívida pública federal em poder do público atingiu a marca de R$ 3,36 trilhões em junho de 2017. Esse valor representou um crescimento significativo ao longo de 12 meses. Há exatamente um ano, o estoque dessa dívida estava no nível de R$ 2,96 tri. Isso significa que houve um crescimento de R$ 400 bi no período. Antes de quaisquer conclusões apressadas a respeito de um suposto gigantismo nos números, é importante registrar que a existência de dívida pública não é nenhum problema em si. Antes, pelo contrário, o processo de endividamento público pode se traduzir em importante instrumento de política econômica. O importante é entendermos os “comos”, os “quantos” e os “porquês” de cada caso concreto a ser estudado.
Um aspecto relevante a ser observado é que o crescimento do estoque da dívida deu-se em período onde houve, também, o pagamento expressivo de juros sobre esse mesmo montante de títulos emitidos sob a responsabilidade do Tesouro Nacional. Ou seja, seguiu-se à risca o preceito da ditadura do superávit primário e os resultados das contas orçamentárias de natureza não financeira foram comprimidos para que sobrassem recursos para o pagamento dos compromissos da dívida. E mesmo assim, tal esforço não foi suficiente. Com isso, novos títulos foram emitidos e o estoque da dívida cresceu.
Os dados disponíveis no Banco Central a respeito do pagamento de juros mostram que no período maio de 2016 a maio de 2017 (12 meses) foram direcionados R$ 431 bi para esse fim. A tendência é que seja observada uma ligeira piora quando forem divulgados os dados de junho. O importante a reter é que houve um duplo movimento de primazia do financismo sobre a chamada “economia real”. Além de sorver essa parcela ponderável do orçamento da União com juros, o movimento apresenta o já mencionado acréscimo de novos R$ 400 bi em títulos públicos federais, provocando a elevação também no estoque da dívida.
Um indicador bastante utilizado para avaliar a evolução do processo de endividamento e a capacidade de cumprimento das obrigações no longo prazo diz respeito à relação dívida bruta/PIB. No caso brasileiro, estamos algo próximo a 73% para os dados de maio de 2017. Esse número é bastante inferior a outras economias, como Japão (250%), Grécia (179%), Itália (132%), Portugal (130%), Estados Unidos (106%), Canadá (92%) e média da zona do euro (89%). Como se pode verificar, a dívida pública mais ou menos elevada em si não é um problema. O que é relevante na análise é a capacidade de o Estado do país considerado apresentar um panorama futuro sustentável e capaz de assegurar o compromisso com tais títulos.
Porém, vale observar a evolução recente desse indicador brasileiro e associá-lo às opções de política econômica adotada ao longo dos últimos anos. Um ponto de virada parece ter sido a opção explícita pela política de austericídio a partir do final de 2014 e início de 2015. Com a consequente queda brutal da capacidade arrecadadora do Estado, as contas orçamentárias foram comprimidas pela redução das despesas de forma obtusa. Com isso, um dos efeitos terríveis foi a redução crescente das atividades econômicas em geral e a entrada em recessão desde 2015. E a engrenagem do círculo vicioso entra em operação, com queda ainda maior da arrecadação e mais recessão e assim por diante.
A Tabela abaixo mostra o comportamento indicador “dívida bruta/PIB” para o caso brasileiro o longo da última década. Entre 2007 e 2013, observa-se uma tendência de estabilidade da relação, com uma média de 55% ao longo do período. Como a recessão provoca a redução do Produto Interno, a queda do denominador provoca uma elevação na relação e o indicador cresce. Assim, a partir de 2014, o indicador começa a apresentar uma tendência de alta, passando de 56% para os atuais 73%.
Uma conclusão a respeito desse processo refere-se à falácia do discurso do financismo a respeito da importância de manter a política de geração de superávit primário. O principal argumento preconizava que o esforço fiscal era essencial para evitar o crescimento da dívida, uma vez que os juros seriam pagos com esse saldo derivado da redução dos gastos de natureza social e investimentos. Pois bem essa opção tem sido levada acabo há muito tempo. Com isso, o Brasil destinou mais de R$ 2,7 trilhões de seu orçamento público para o sistema financeiro para esse fim entre 2007 e 2017, por exemplo.
Ora, durante esse mesmo período, ao invés de ser reduzida ou se estabilizar, o estoque da dívida pública bruta saltou de R$ 1,5 trilhão para R$ 4,6 trilhões. Ou seja, vivemos o pior dos mundos. Foi realizado um esforço fiscal contracionista para pagar juros da dívida. E, simultaneamente, assistimos ao aumento dos valores nominais do próprio estoque de títulos emitidos. Uma loucura!
Mas na aprovação recente da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2018 foi incluído um importante dispositivo que pode auxiliar nesse problema. Ali está determinada a realização de uma auditoria da dívida pública brasileira durante o próximo ano. O artigo aprovado pelo Congresso Nacional diz o seguinte:
“Art. 91. Durante o exercício de 2018, será realizada auditoria da dívida pública, com a participação de entidades da sociedade civil, no âmbito do Ministério da Fazenda e do Banco Central do Brasil.”
Por mais que a intenção não seja a criminalização da política fiscal e nem a condenação do uso do endividamento como instrumento estratégico de uma política desenvolvimentista, o fato é que há muitas dúvidas a serem a esclarecidas a respeito do assunto. O debate amplo e aberto no legislativo, com participação de analistas de fora da máquina pública, pode contribuir para o aperfeiçoamento dos métodos e questionamento de práticas.
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