Por André Barrocal, na revista CartaCapital:
A condenação de Lula aconteceu em Curitiba, mas o jogo político está bagunçado é em Brasília, terra de uma crise própria chamada Michel Temer.
Um dia após a sentença, o advogado e amigo do peemedebista, Antonio Claudio Mariz de Oliveira, tentou defender o cliente com uma associação ao caso do ex-presidente: “Pau que mata Michel mata Lula”.
No Congresso, petistas juraram que o problema é oposto, Lula atacado e Michel sobrevivente no cargo há dois meses, desde o escândalo da Friboi.
O PSDB segue desnorteado, com o denunciado Aécio Neves a circular incomodamente no partido, e os tucanos sem saber se abandonam Temer, se festejam a sina de Lula ou se silenciam para não alimentar a estratégia lulista de usar a condenação em favor de outra candidatura presidencial dele.
O “mercado” já funciona em clima de eleição, a Bolsa sobe e o dólar desce, e Brasília vai pelo mesmo caminho, embora ainda falte um ano até a próxima campanha – em tese.
Com Lula sob risco de não poder se candidatar em 2018, alas do PT desejam ver Temer substituído logo pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, do DEM. O deputado é tido como um dos poucos governistas de expressão, se não o único, disposto a sentar para conversar com Lula e reconhecido por este como um interlocutor que vale a pena.
Sua primeira vitória para comandar a Câmara, em julho de 2016, teve discreta simpatia de setores petistas. Um dos simpatizantes é o atual relator da reforma política, o deputado paulista Vicente Cândido, autor certa vez de um interessante comentário a portas fechadas: “Eu inventei a candidatura do Rodrigo”.
Com Maia no Palácio do Planalto, um destino que o deputado discute nos bastidores e admite com certos gestos públicos, para desespero de Temer, Cândido crê ser possível negociar um acordo que garanta a realização de eleição em 2018 e que Lula concorra.
Ao “Botafogo” da Odebrecht caberia trabalhar para evitar a judicialização da campanha, ou seja, para os tribunais em Brasília não tirarem Lula do páreo, caso a sentença do juiz Sergio Moro seja confirmada na segunda instância e o petista fique inelegível.
O ganho de Maia? Ser chefe da nação até dezembro de 2018. Primeiro, durante os seis meses que o Supremo Tribunal Federal teria para julgar Temer, caso a Câmara autorize a abertura de um processo contra o peemedebista. Depois, eleito por via indireta sem muita resistência por parte do PT.
Maia no Planalto é um cenário que deixa tucanos arrepiados. Se ele resolvesse tentar a reeleição no ano que vem, teria provavelmente o PMDB como aliado preferencial, quem sabe para vice. Maia se dá bem com Temer, e o secretário-geral da Presidência, o peemedebista Moreira Franco, é seu sogro. E aí o PSDB estaria relegado a uma espécie de terceira força ou fadado a ir para a disputa casado com partidos pobres em máquina eleitoral.
A queda de Temer pode, no entanto, precipitar pressões sociais para antecipar a eleição de 2018, com desfecho imprevisível, diz o secretário-geral tucano, Silvio Torres.
A data da votação pelos deputados era incerta até a conclusão desta reportagem na noite da quinta-feira 13. Podia ser ainda antes das férias do Congresso, a começar na terça-feira 18, mas o provável era ficar só para depois, de 1o de agosto em diante.
Temer acha que vencerá essa batalha, uma impressão corrente entre governistas e oposicionistas.
Na quarta-feira 12, três partidos fecharam questão a favor do presidente, jargão político que significa disposição para punir rebeldes. Um deles foi o PMDB, que se pôs numa situação curiosa. Punirá o deputado autor do relatório favorável à degola de Temer, Sergio Zveiter, um milionário advogado pertencente a uma família de juízes?
No seu parecer, Zveiter diz algo singelo: “É preciso apurar o envolvimento do presidente Temer no suposto recebimento de 500 mil reais, com envolvimento do ex-deputado Rodrigo Rocha Loures, também denunciado no mesmo inquérito”. Se não houver processo, não há como saber se o “homem da mala” pegou a grana em nome do chefe, como acusa o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Não é preciso “contato físico” com dinheiro para que haja um crime desse tipo, escreveu o PGR em um documento enviado à Câmara na quinta-feira 13.
Temer pode até escapar do caso da mala, mas terá de apelar de novo à boa vontade dos deputados, movida a cargos e emendas parlamentares distribuídos pelo Planalto. O mandato de Janot termina em setembro, mas ele já avisou: “Enquanto houver bambu, lá vai flecha”. A próxima flechada será mais venenosa.
Denúncias contra Temer por organização criminosa e obstrução de Justiça nas quais o capo estará acompanhado de uns goodfellas, casos do presidiário Eduardo Cunha e de Geddel. Para Janot, esse pessoal formava uma quadrilha nos tempos de deputado, caracterização facilitada pela delação do anistiado criminoso Joesley Batista, da JBS, e pelas descobertas da Operação Cui Bono, investigadora de bandalheiras em diretorias da Caixa Econômica Federal controladas por peemedebistas.
O último ato da quadrilha teria sido com Temer no pleno exercício da Presidência: o uso de grana da JBS-Friboi como cala-boca em Cunha e no doleiro Lúcio Funaro, velho prestador de serviços ao PMDB.
Será uma denúncia retumbante, encorpada por delações de Cunha e Funaro, e Temer tachado de chefe de quadrilha. Deputados do PSOL estiveram na PGR na terça-feira 11 e saíram com a impressão de que as flechadas virão em agosto.
Em guerra particular com Janot, Temer acaba de nomear o sucessor dele na PGR, uma situação absurda na qual o investigado escolheu seu investigador. O presidente ainda tinha dois meses pela frente antes do fim do mandato do atual “xerife”, mas apressou-se para tentar deixar o algoz no limbo, como a autoridade em xeque. Não importa, Janot avisa: “Até o dia 17 de setembro, a caneta está na minha mão e eu vou continuar no mesmo ritmo que estou”. A nomeação de Raquel Dodge foi relâmpago.
A futura PGR foi sabatinada pelo Senado, aprovada em plenário pelos senadores e depois encontrou Temer para a assinatura de sua nomeação, tudo no mesmo dia, a quarta-feira 12. Na sabatina, deu pistas a confirmar que as coisas vão mudar na Procuradoria. O combate à corrupção deixará de ser a estrela, haverá mais ênfase na defesa de direitos dos cidadãos.
As prisões preventivas serão usadas com moderação, para não piorar o caos do sistema carcerário. Idem para o “tribunal da mídia”, aquela invenção de Moro copiada com gosto por Janot para facilitar a condenação de poderosos. Dodge pretende criar um sistema interno de custódia de documentos capaz de permitir a identificação de vazadores de informações sigilosas.
Aliás, vem aí troca de comando também na Polícia Federal, outro sonho da turma governista em Brasília. O longevo Leandro Daiello, diretor-geral da PF há mais de sete anos, já prepara o terreno de sua saída.
Nos últimos dias, cavou cobiçadas vagas de adido policial em embaixadas brasileiras para quatro amigos. Destinos: Espanha, África do Sul, México e França. Ir para o exterior é desejo do próprio Daiello, ao deixar a direção da PF. No fim do governo Dilma Rousseff, ele chegou a combinar sua transferência para Portugal, mas a petista caiu antes.
A designação de seus amigos, formalizada em 4 de julho, dependeu de atos assinados por Temer e o chanceler tucano Aloysio Nunes Ferreira. Sinal de negociação com o Planalto. Em troca de quê? Bom, dois dias depois das nomeações, a PF anunciou o fim da força-tarefa policial da Operação Lava Jato em Curitiba.
Com Lula condenado por Sergio Moro, a força-tarefa já pode sair de cena. Missão cumprida.
A condenação de Lula aconteceu em Curitiba, mas o jogo político está bagunçado é em Brasília, terra de uma crise própria chamada Michel Temer.
Um dia após a sentença, o advogado e amigo do peemedebista, Antonio Claudio Mariz de Oliveira, tentou defender o cliente com uma associação ao caso do ex-presidente: “Pau que mata Michel mata Lula”.
No Congresso, petistas juraram que o problema é oposto, Lula atacado e Michel sobrevivente no cargo há dois meses, desde o escândalo da Friboi.
O PSDB segue desnorteado, com o denunciado Aécio Neves a circular incomodamente no partido, e os tucanos sem saber se abandonam Temer, se festejam a sina de Lula ou se silenciam para não alimentar a estratégia lulista de usar a condenação em favor de outra candidatura presidencial dele.
O “mercado” já funciona em clima de eleição, a Bolsa sobe e o dólar desce, e Brasília vai pelo mesmo caminho, embora ainda falte um ano até a próxima campanha – em tese.
Com Lula sob risco de não poder se candidatar em 2018, alas do PT desejam ver Temer substituído logo pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, do DEM. O deputado é tido como um dos poucos governistas de expressão, se não o único, disposto a sentar para conversar com Lula e reconhecido por este como um interlocutor que vale a pena.
Sua primeira vitória para comandar a Câmara, em julho de 2016, teve discreta simpatia de setores petistas. Um dos simpatizantes é o atual relator da reforma política, o deputado paulista Vicente Cândido, autor certa vez de um interessante comentário a portas fechadas: “Eu inventei a candidatura do Rodrigo”.
Com Maia no Palácio do Planalto, um destino que o deputado discute nos bastidores e admite com certos gestos públicos, para desespero de Temer, Cândido crê ser possível negociar um acordo que garanta a realização de eleição em 2018 e que Lula concorra.
Ao “Botafogo” da Odebrecht caberia trabalhar para evitar a judicialização da campanha, ou seja, para os tribunais em Brasília não tirarem Lula do páreo, caso a sentença do juiz Sergio Moro seja confirmada na segunda instância e o petista fique inelegível.
O ganho de Maia? Ser chefe da nação até dezembro de 2018. Primeiro, durante os seis meses que o Supremo Tribunal Federal teria para julgar Temer, caso a Câmara autorize a abertura de um processo contra o peemedebista. Depois, eleito por via indireta sem muita resistência por parte do PT.
Maia no Planalto é um cenário que deixa tucanos arrepiados. Se ele resolvesse tentar a reeleição no ano que vem, teria provavelmente o PMDB como aliado preferencial, quem sabe para vice. Maia se dá bem com Temer, e o secretário-geral da Presidência, o peemedebista Moreira Franco, é seu sogro. E aí o PSDB estaria relegado a uma espécie de terceira força ou fadado a ir para a disputa casado com partidos pobres em máquina eleitoral.
A queda de Temer pode, no entanto, precipitar pressões sociais para antecipar a eleição de 2018, com desfecho imprevisível, diz o secretário-geral tucano, Silvio Torres.
Na trincheira anti-Lula, também há defensores de Diretas Já, caso do líder do DEM no Senado, o presidenciável Ronaldo Caiado, ruralista de Goiás.
Além disso, afirma Torres, Maia na Presidência teria de passar por uma espécie de fase de testes por uns dois meses, para mostrar se aguenta o tranco, se conseguirá conduzir as coisas na economia. E se ele for reprovado?
Tem mais: a condenação de Lula sem a imediata prisão dele permitirá ao petista fazer manifestações públicas de que é perseguido por ser candidato a presidente, como ocorreu um dia após a sentença.
Assim, teoriza o tucano, haverá “tensionamento” na sociedade, com parte dela a pregar eleições já. Um “tensionamento”, comenta Torres, que tem tudo para aumentar diante da permanência de Temer no poder mesmo metido em uma friboiana encrenca.
O contraste entre a situação de Lula (condenado) e Temer (vai ficando) não é o único. Aécio Neves acaba de ser liberado pelo Supremo para voltar ao Senado e responder livremente à denúncia do Ministério Público de corrupção passiva e obstrução da Justiça no caso Friboi. De quebra, viu o Senado arquivar sumariamente sua cassação, graças ao PMDB. O ex-assessor presidencial Rodrigo Rocha Loures, o “homem da mala”, foi liberado há pouco também pelo STF de uma prisão preventiva.
No dia da condenação de Lula, quem escapou de uma preventiva foi um ex-ministro de Temer, Geddel Vieira Lima. Acusado pelo MP de “criminoso em série” e de fazer disso sua “própria carreira profissional”, Geddel conseguiu a liberdade em um tribunal de segunda instância, o TRF da 1a Região. E Lula, triunfará em um TRF, o da 4a Região, Corte acima de Moro? “Difícil dizer. O caso do sítio de Atibaia é mais forte...”, afirma Silvio Torres.“O TRF vai reverter essa decisão.
O apartamento não é do Lula, não há prova”, diz o senador Roberto Requião, do PMDB do Paraná.
Em Brasília, a condenação foi recebida com certo cuidado. Quase nada de antipetistas furiosos a fazer discursos inflamados na Câmara, no Senado e na mídia. Repercussão surpreendente, quando se lembra o grau de radicalização política no País dos últimos anos.
A explicação talvez seja um receio revelado por alguns governistas nos bastidores, como Moreira Franco e o deputado baiano José Carlos Aleluia, do DEM. A de que a condenação não interessava à classe política, pois Lula funcionaria como uma espécie de blindagem do sistema.
Quem comemorou foi o dito “mercado”. Após a notícia, a Bolsa disparou, o dólar caiu. O motivo? Com a agenda radical de Temer quase toda aprovada (reforma trabalhista, congelamento de gastos públicos por duas décadas, liberação do pré-sal à exploração das multinacionais), o sistema financeiro já está mais preocupado com a eleição de 2018 do que com as próximas decisões do governo.
Em entrevista ao Valor da quarta-feira 12, antes da sentença de Moro, o economista tucano Arminio Fraga dizia: “O que mais atrapalha a recuperação (econômica) neste momento provavelmente ainda é 2018”. Embora tenha feito um governo amigável à turma das finanças, Lula não é mais visto ali como o “paz e amor” vitorioso em 2002, mas como o esquerdista de 1989.
“A eleição será polarizada entre esquerda e direita, o centro será esmagado”, diz o ex-ministro Roberto Amaral, um dos coordenadores da Frente Brasil Popular, grupo de movimentos sociais lulistas.
Enquanto as eleições se desenham, o agonizante Temer luta para salvar o pescoço.
Ele transformou seu gabinete em uma espécie de consultório do SUS. O entra e sai de deputados é impressionante. Na quarta-feira 12, 23 excelências passaram por ali. Na semana anterior, haviam sido 29 em um único dia.
Entre um momento e outro, viajou às pressas para a Alemanha, onde nos dias 7 e 8 houve o encontro do G-20, o time das maiores economias globais. Cogitara não ir, devido à sua crise pessoal, e até desmarcara um almoço com a chanceler do país anfitrião, Angela Merkel.
Mas mudou de ideia. Lá ele posou para a foto oficial da reunião postado no cantinho, gravou um vídeo destinado a brasileiros com um ato falho (“estamos fazendo o desemprego voltar”), não teve um tête-à-tête sequer com líder estrangeiro. Uma performance digna do mais impopular presidente desde José Sarney.
Ao voltar ao Brasil, declarou-se “tranquilíssimo” e engatou uma frenética agenda de eventos no Planalto, uma tentativa de gerar fatos positivos. Em um desses atos, o lançamento do Plano Safra 2017-2018 na terça-feira 11, Temer declarou: “Eu respeitarei qualquer que seja o resultado da votação”, em alusão à decisão da Câmara de autorizar ou negar seu julgamento no Supremo pela denúncia de crime de corrupção passiva no caso da mala de 500 mil reais. Um comentário óbvio e dispensável.
Ou será que o peemedebista, em suas noites no Palácio do Jaburu, chegou a pensar em convocar de novo as baionetas, desta vez para sitiar o Congresso?
Além disso, afirma Torres, Maia na Presidência teria de passar por uma espécie de fase de testes por uns dois meses, para mostrar se aguenta o tranco, se conseguirá conduzir as coisas na economia. E se ele for reprovado?
Tem mais: a condenação de Lula sem a imediata prisão dele permitirá ao petista fazer manifestações públicas de que é perseguido por ser candidato a presidente, como ocorreu um dia após a sentença.
Assim, teoriza o tucano, haverá “tensionamento” na sociedade, com parte dela a pregar eleições já. Um “tensionamento”, comenta Torres, que tem tudo para aumentar diante da permanência de Temer no poder mesmo metido em uma friboiana encrenca.
O contraste entre a situação de Lula (condenado) e Temer (vai ficando) não é o único. Aécio Neves acaba de ser liberado pelo Supremo para voltar ao Senado e responder livremente à denúncia do Ministério Público de corrupção passiva e obstrução da Justiça no caso Friboi. De quebra, viu o Senado arquivar sumariamente sua cassação, graças ao PMDB. O ex-assessor presidencial Rodrigo Rocha Loures, o “homem da mala”, foi liberado há pouco também pelo STF de uma prisão preventiva.
No dia da condenação de Lula, quem escapou de uma preventiva foi um ex-ministro de Temer, Geddel Vieira Lima. Acusado pelo MP de “criminoso em série” e de fazer disso sua “própria carreira profissional”, Geddel conseguiu a liberdade em um tribunal de segunda instância, o TRF da 1a Região. E Lula, triunfará em um TRF, o da 4a Região, Corte acima de Moro? “Difícil dizer. O caso do sítio de Atibaia é mais forte...”, afirma Silvio Torres.“O TRF vai reverter essa decisão.
O apartamento não é do Lula, não há prova”, diz o senador Roberto Requião, do PMDB do Paraná.
Em Brasília, a condenação foi recebida com certo cuidado. Quase nada de antipetistas furiosos a fazer discursos inflamados na Câmara, no Senado e na mídia. Repercussão surpreendente, quando se lembra o grau de radicalização política no País dos últimos anos.
A explicação talvez seja um receio revelado por alguns governistas nos bastidores, como Moreira Franco e o deputado baiano José Carlos Aleluia, do DEM. A de que a condenação não interessava à classe política, pois Lula funcionaria como uma espécie de blindagem do sistema.
Quem comemorou foi o dito “mercado”. Após a notícia, a Bolsa disparou, o dólar caiu. O motivo? Com a agenda radical de Temer quase toda aprovada (reforma trabalhista, congelamento de gastos públicos por duas décadas, liberação do pré-sal à exploração das multinacionais), o sistema financeiro já está mais preocupado com a eleição de 2018 do que com as próximas decisões do governo.
Em entrevista ao Valor da quarta-feira 12, antes da sentença de Moro, o economista tucano Arminio Fraga dizia: “O que mais atrapalha a recuperação (econômica) neste momento provavelmente ainda é 2018”. Embora tenha feito um governo amigável à turma das finanças, Lula não é mais visto ali como o “paz e amor” vitorioso em 2002, mas como o esquerdista de 1989.
“A eleição será polarizada entre esquerda e direita, o centro será esmagado”, diz o ex-ministro Roberto Amaral, um dos coordenadores da Frente Brasil Popular, grupo de movimentos sociais lulistas.
Enquanto as eleições se desenham, o agonizante Temer luta para salvar o pescoço.
Ele transformou seu gabinete em uma espécie de consultório do SUS. O entra e sai de deputados é impressionante. Na quarta-feira 12, 23 excelências passaram por ali. Na semana anterior, haviam sido 29 em um único dia.
Entre um momento e outro, viajou às pressas para a Alemanha, onde nos dias 7 e 8 houve o encontro do G-20, o time das maiores economias globais. Cogitara não ir, devido à sua crise pessoal, e até desmarcara um almoço com a chanceler do país anfitrião, Angela Merkel.
Mas mudou de ideia. Lá ele posou para a foto oficial da reunião postado no cantinho, gravou um vídeo destinado a brasileiros com um ato falho (“estamos fazendo o desemprego voltar”), não teve um tête-à-tête sequer com líder estrangeiro. Uma performance digna do mais impopular presidente desde José Sarney.
Ao voltar ao Brasil, declarou-se “tranquilíssimo” e engatou uma frenética agenda de eventos no Planalto, uma tentativa de gerar fatos positivos. Em um desses atos, o lançamento do Plano Safra 2017-2018 na terça-feira 11, Temer declarou: “Eu respeitarei qualquer que seja o resultado da votação”, em alusão à decisão da Câmara de autorizar ou negar seu julgamento no Supremo pela denúncia de crime de corrupção passiva no caso da mala de 500 mil reais. Um comentário óbvio e dispensável.
Ou será que o peemedebista, em suas noites no Palácio do Jaburu, chegou a pensar em convocar de novo as baionetas, desta vez para sitiar o Congresso?
A data da votação pelos deputados era incerta até a conclusão desta reportagem na noite da quinta-feira 13. Podia ser ainda antes das férias do Congresso, a começar na terça-feira 18, mas o provável era ficar só para depois, de 1o de agosto em diante.
Temer acha que vencerá essa batalha, uma impressão corrente entre governistas e oposicionistas.
Na quarta-feira 12, três partidos fecharam questão a favor do presidente, jargão político que significa disposição para punir rebeldes. Um deles foi o PMDB, que se pôs numa situação curiosa. Punirá o deputado autor do relatório favorável à degola de Temer, Sergio Zveiter, um milionário advogado pertencente a uma família de juízes?
No seu parecer, Zveiter diz algo singelo: “É preciso apurar o envolvimento do presidente Temer no suposto recebimento de 500 mil reais, com envolvimento do ex-deputado Rodrigo Rocha Loures, também denunciado no mesmo inquérito”. Se não houver processo, não há como saber se o “homem da mala” pegou a grana em nome do chefe, como acusa o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Não é preciso “contato físico” com dinheiro para que haja um crime desse tipo, escreveu o PGR em um documento enviado à Câmara na quinta-feira 13.
Temer pode até escapar do caso da mala, mas terá de apelar de novo à boa vontade dos deputados, movida a cargos e emendas parlamentares distribuídos pelo Planalto. O mandato de Janot termina em setembro, mas ele já avisou: “Enquanto houver bambu, lá vai flecha”. A próxima flechada será mais venenosa.
Denúncias contra Temer por organização criminosa e obstrução de Justiça nas quais o capo estará acompanhado de uns goodfellas, casos do presidiário Eduardo Cunha e de Geddel. Para Janot, esse pessoal formava uma quadrilha nos tempos de deputado, caracterização facilitada pela delação do anistiado criminoso Joesley Batista, da JBS, e pelas descobertas da Operação Cui Bono, investigadora de bandalheiras em diretorias da Caixa Econômica Federal controladas por peemedebistas.
O último ato da quadrilha teria sido com Temer no pleno exercício da Presidência: o uso de grana da JBS-Friboi como cala-boca em Cunha e no doleiro Lúcio Funaro, velho prestador de serviços ao PMDB.
Será uma denúncia retumbante, encorpada por delações de Cunha e Funaro, e Temer tachado de chefe de quadrilha. Deputados do PSOL estiveram na PGR na terça-feira 11 e saíram com a impressão de que as flechadas virão em agosto.
Em guerra particular com Janot, Temer acaba de nomear o sucessor dele na PGR, uma situação absurda na qual o investigado escolheu seu investigador. O presidente ainda tinha dois meses pela frente antes do fim do mandato do atual “xerife”, mas apressou-se para tentar deixar o algoz no limbo, como a autoridade em xeque. Não importa, Janot avisa: “Até o dia 17 de setembro, a caneta está na minha mão e eu vou continuar no mesmo ritmo que estou”. A nomeação de Raquel Dodge foi relâmpago.
A futura PGR foi sabatinada pelo Senado, aprovada em plenário pelos senadores e depois encontrou Temer para a assinatura de sua nomeação, tudo no mesmo dia, a quarta-feira 12. Na sabatina, deu pistas a confirmar que as coisas vão mudar na Procuradoria. O combate à corrupção deixará de ser a estrela, haverá mais ênfase na defesa de direitos dos cidadãos.
As prisões preventivas serão usadas com moderação, para não piorar o caos do sistema carcerário. Idem para o “tribunal da mídia”, aquela invenção de Moro copiada com gosto por Janot para facilitar a condenação de poderosos. Dodge pretende criar um sistema interno de custódia de documentos capaz de permitir a identificação de vazadores de informações sigilosas.
Aliás, vem aí troca de comando também na Polícia Federal, outro sonho da turma governista em Brasília. O longevo Leandro Daiello, diretor-geral da PF há mais de sete anos, já prepara o terreno de sua saída.
Nos últimos dias, cavou cobiçadas vagas de adido policial em embaixadas brasileiras para quatro amigos. Destinos: Espanha, África do Sul, México e França. Ir para o exterior é desejo do próprio Daiello, ao deixar a direção da PF. No fim do governo Dilma Rousseff, ele chegou a combinar sua transferência para Portugal, mas a petista caiu antes.
A designação de seus amigos, formalizada em 4 de julho, dependeu de atos assinados por Temer e o chanceler tucano Aloysio Nunes Ferreira. Sinal de negociação com o Planalto. Em troca de quê? Bom, dois dias depois das nomeações, a PF anunciou o fim da força-tarefa policial da Operação Lava Jato em Curitiba.
Com Lula condenado por Sergio Moro, a força-tarefa já pode sair de cena. Missão cumprida.
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