Por Adriane Secco, no site Justificando:
A reforma trabalhista (Projeto de Lei 6.787) que está prestes a ser definitivamente sancionada apresenta, algumas vezes de forma camuflada, elementos de retrocesso em direitos trabalhistas duramente conquistados ao longo da história.
Uma das grandes polêmicas envolvendo alterações na esfera trabalhista é a ampliação da terceirização (recente Lei 13.429/2017 sancionada por Michel Temer, no final de março). Nesse modelo – a grosso modo – o empregador envolve uma outra empresa de serviços que disponibiliza trabalhadores para realizarem atividades meio, e assim a empresa principal delega responsabilidades que seriam suas para essa empresa tomadora.
Esse sistema acaba saindo mais barato para o empregador porque ele não precisa contratar diretamente. Dados do DIEESE (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos) feitos em 2007 a 2014 apontam que a remuneração dos terceirizados é menor, com uma diferença entre 23% e 27% em relação aos contratados diretamente. Além disso, 85,9% dos vínculos nas atividades tipicamente terceirizadas possuem jornada contratada nas faixas de 41 a 44 horas semanais, contra 61,6% nas atividades tipicamente contratantes.
A terceirização, até o momento, era permitida somente para atividades meio (por ex., um hospital contratar seguranças). Mas agora ela pode ser interpretada de forma ampliada, de modo que atividades fim tenham trabalhadores nessas condições, consequentemente ganhando menos e custando pouco.
Essa forma de contratação, por si só, acarreta um volume enorme de ações trabalhistas. Há quatro anos, o TRT da 15ª Região registrou mais de 14 mil ações nessa temática, e só em 2016 o aumento foi de 59%. E agora, com as novas regras, trabalhadores terceirizados não poderão se unir para formar sindicatos nem greves, com o risco de terem seus salários prejudicados.
Além disso, a reforma permite que as negociações coletivas sejam flexíveis, fazendo com que a empresa proponha medidas até acima das leis desde que “comum acordo”. Em outras palavras, o negociado vai prevalecer sobre o legislado.
O problema é que há uma aparente mistura de institutos do direito: o direito civil e o trabalhista.
Numa relação civil contratual tradicional, as partes têm livre arbítrio para negociação desde que tenham capacidade legal. No entanto, nas relações trabalhistas, não há igualdade entre as partes, mas uma assimetria nas relações, onde se devem observar parâmetros legislativos e históricos na concessão de deveres e direitos.
Dessa forma, num contexto atual de desemprego e a crise econômica, o trabalhador pode se sentir forçado a aceitar condições que ele não quer, mas que precisa, caracterizando assim a disponibilização de direitos que deveriam ser indisponíveis.
A reforma também propõe que mulheres grávidas podem ser expostas a trabalhos insalubres mediante atestado médico. Com isso, esse médico pode ser algum profissional contratado pela empresa levado a realizar atestados para atender às demandas econômicas. Nesse sentido, não há preocupação à prevenção de riscos e acidentes.
Ou seja, se ela tiver qualquer tipo de mal estar ou acidente, a empresa poderá alegar sua isenção de responsabilidade, porque se baseará somente no laudo médico concedido antes da realização das atividades, e não na visão global da vulnerabilidade da mulher nessas condições. Empresas poderão ainda contratar trabalhador como pessoa jurídica, de forma que ele não receba por férias, 13º, rescisão contratual, etc.
Diante desses pontos e de outras inúmeras violações a CLT, há uma análise de mercado que está se sobrepondo às regras trabalhistas, de modo que os direitos serão negociados diante de critérios econômicos, e não baseados na dignidade do trabalhador (violando os arts. 7º, 8º e 9º da CF). Há também sérios riscos de alterações significativas nas responsabilidades objetivas e solidárias que agora podem passar a ter status de subjetivas (com análise da culpa).
Uma das grandes polêmicas envolvendo alterações na esfera trabalhista é a ampliação da terceirização (recente Lei 13.429/2017 sancionada por Michel Temer, no final de março). Nesse modelo – a grosso modo – o empregador envolve uma outra empresa de serviços que disponibiliza trabalhadores para realizarem atividades meio, e assim a empresa principal delega responsabilidades que seriam suas para essa empresa tomadora.
Esse sistema acaba saindo mais barato para o empregador porque ele não precisa contratar diretamente. Dados do DIEESE (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos) feitos em 2007 a 2014 apontam que a remuneração dos terceirizados é menor, com uma diferença entre 23% e 27% em relação aos contratados diretamente. Além disso, 85,9% dos vínculos nas atividades tipicamente terceirizadas possuem jornada contratada nas faixas de 41 a 44 horas semanais, contra 61,6% nas atividades tipicamente contratantes.
A terceirização, até o momento, era permitida somente para atividades meio (por ex., um hospital contratar seguranças). Mas agora ela pode ser interpretada de forma ampliada, de modo que atividades fim tenham trabalhadores nessas condições, consequentemente ganhando menos e custando pouco.
Essa forma de contratação, por si só, acarreta um volume enorme de ações trabalhistas. Há quatro anos, o TRT da 15ª Região registrou mais de 14 mil ações nessa temática, e só em 2016 o aumento foi de 59%. E agora, com as novas regras, trabalhadores terceirizados não poderão se unir para formar sindicatos nem greves, com o risco de terem seus salários prejudicados.
Além disso, a reforma permite que as negociações coletivas sejam flexíveis, fazendo com que a empresa proponha medidas até acima das leis desde que “comum acordo”. Em outras palavras, o negociado vai prevalecer sobre o legislado.
O problema é que há uma aparente mistura de institutos do direito: o direito civil e o trabalhista.
Numa relação civil contratual tradicional, as partes têm livre arbítrio para negociação desde que tenham capacidade legal. No entanto, nas relações trabalhistas, não há igualdade entre as partes, mas uma assimetria nas relações, onde se devem observar parâmetros legislativos e históricos na concessão de deveres e direitos.
Dessa forma, num contexto atual de desemprego e a crise econômica, o trabalhador pode se sentir forçado a aceitar condições que ele não quer, mas que precisa, caracterizando assim a disponibilização de direitos que deveriam ser indisponíveis.
A reforma também propõe que mulheres grávidas podem ser expostas a trabalhos insalubres mediante atestado médico. Com isso, esse médico pode ser algum profissional contratado pela empresa levado a realizar atestados para atender às demandas econômicas. Nesse sentido, não há preocupação à prevenção de riscos e acidentes.
Ou seja, se ela tiver qualquer tipo de mal estar ou acidente, a empresa poderá alegar sua isenção de responsabilidade, porque se baseará somente no laudo médico concedido antes da realização das atividades, e não na visão global da vulnerabilidade da mulher nessas condições. Empresas poderão ainda contratar trabalhador como pessoa jurídica, de forma que ele não receba por férias, 13º, rescisão contratual, etc.
Diante desses pontos e de outras inúmeras violações a CLT, há uma análise de mercado que está se sobrepondo às regras trabalhistas, de modo que os direitos serão negociados diante de critérios econômicos, e não baseados na dignidade do trabalhador (violando os arts. 7º, 8º e 9º da CF). Há também sérios riscos de alterações significativas nas responsabilidades objetivas e solidárias que agora podem passar a ter status de subjetivas (com análise da culpa).
Onde os imigrantes entram nessa questão?
Os princípios de vulnerabilidade declarados pela Nova Lei de Migração serão o grande alicerce na fundamentação dos direitos trabalhistas dos imigrantes. Os profissionais que fazem esse trabalho de defesa terão que se apoiar em critérios e princípios da Lei 13.445/17 para rebater eventuais medidas trabalhistas arbitrárias que os imigrantes poderão sofrer.
É sempre importante ressaltar que grande parte dos imigrantes está sujeita ao trabalho irregular ou em condições análogas a escravidão, podendo ser ainda mais vitimizados pelas novas regras trabalhistas. As pessoas mais vulneráveis assumiram posições subalternas, mas agora com a reforma trabalhista, essas condições com baixos salários podem continuar de forma a acentuar o racismo e desigualdade de oportunidades.
Os vetos de Michel Temer na lei da Migração afetaram também pessoas indocumentadas, o que envolve imigrantes em trabalhos insalubres e irregulares com medo de se expor e serem deportados.
O aumento da carga horária de 8 para 12 horas diárias poderá fomentar muito mais irregularidades na contagem das horas trabalhadas e descansos, principalmente em cargos subalternos como limpeza, segurança, construção civil, cozinha, setores estes que muitos imigrantes vieram a ocupar ultimamente.
Com relação à micro empresas e empresários individuais, as oficinas de costura irregulares em São Paulo, por exemplo, permitiram que muitos imigrantes, principalmente bolivianos, se sujeitassem a registros como Pessoa Jurídica de modo a camuflar direitos trabalhistas. E isso pode ser considerado legal.
Ainda sobre as oficinas de costura, não raro o Ministério do Trabalho encontra mulheres grávidas e ou com filhos pequenos expostos aos perigos de contaminação e acidentes por máquinas velhas e enferrujadas. Isso sem falar das violações ao meio ambiente e dignidade da pessoa, pois muitas vezes os trabalhadores dormem no próprio local de trabalho. Dessa forma, não é necessário qualquer laudo médico ou perícia que ateste dos perigos, pois a própria vulnerabilidade conglobante já é caracterizadora de emergências e intervenções do Poder Público.
Diante desse cenário, o Brasil corre o risco de perder mais mão de obra por falta de políticas públicas adequadas, xenofobia e crises institucionais.
Muitos imigrantes que vieram a trabalhar no Brasil estão desmotivados e já procuram novos países para morar, caracterizando um abandono de vínculos econômicos e até familiares. Um relatório de 2016, do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra), aponta que entre outubro de 2015 e junho de 2016 os imigrantes foram afetados com a crise econômica e perda de emprego. No primeiro semestre de 2016, foram admitidos cerca de 20 mil imigrantes e demitidos cerca de 25 mil.
É preciso, ainda, considerar o imigrante como cidadão trabalhador e potencial fomentador da economia nacional, não como uma ameaça à ordem brasileira e retirada de empregos. Além disso, nenhum trabalhador merece ter seus direitos violados como forma de superação da crise. Os direitos humanos devem sempre ser elementos basilares de qualquer medida política, econômica, legislativa, judicial, e demais direitos que se projetam.
* Adriane Secco é advogada especialista em Direito Constitucional pela PUC-SP. Atua com direitos humanos, especificamente com imigração desde 2013, passando por diversas ONGs, centros acadêmicos, e órgãos governamentais, como a Defensoria Pública da União e juizados especiais.
Os princípios de vulnerabilidade declarados pela Nova Lei de Migração serão o grande alicerce na fundamentação dos direitos trabalhistas dos imigrantes. Os profissionais que fazem esse trabalho de defesa terão que se apoiar em critérios e princípios da Lei 13.445/17 para rebater eventuais medidas trabalhistas arbitrárias que os imigrantes poderão sofrer.
É sempre importante ressaltar que grande parte dos imigrantes está sujeita ao trabalho irregular ou em condições análogas a escravidão, podendo ser ainda mais vitimizados pelas novas regras trabalhistas. As pessoas mais vulneráveis assumiram posições subalternas, mas agora com a reforma trabalhista, essas condições com baixos salários podem continuar de forma a acentuar o racismo e desigualdade de oportunidades.
Os vetos de Michel Temer na lei da Migração afetaram também pessoas indocumentadas, o que envolve imigrantes em trabalhos insalubres e irregulares com medo de se expor e serem deportados.
O aumento da carga horária de 8 para 12 horas diárias poderá fomentar muito mais irregularidades na contagem das horas trabalhadas e descansos, principalmente em cargos subalternos como limpeza, segurança, construção civil, cozinha, setores estes que muitos imigrantes vieram a ocupar ultimamente.
Com relação à micro empresas e empresários individuais, as oficinas de costura irregulares em São Paulo, por exemplo, permitiram que muitos imigrantes, principalmente bolivianos, se sujeitassem a registros como Pessoa Jurídica de modo a camuflar direitos trabalhistas. E isso pode ser considerado legal.
Ainda sobre as oficinas de costura, não raro o Ministério do Trabalho encontra mulheres grávidas e ou com filhos pequenos expostos aos perigos de contaminação e acidentes por máquinas velhas e enferrujadas. Isso sem falar das violações ao meio ambiente e dignidade da pessoa, pois muitas vezes os trabalhadores dormem no próprio local de trabalho. Dessa forma, não é necessário qualquer laudo médico ou perícia que ateste dos perigos, pois a própria vulnerabilidade conglobante já é caracterizadora de emergências e intervenções do Poder Público.
Diante desse cenário, o Brasil corre o risco de perder mais mão de obra por falta de políticas públicas adequadas, xenofobia e crises institucionais.
Muitos imigrantes que vieram a trabalhar no Brasil estão desmotivados e já procuram novos países para morar, caracterizando um abandono de vínculos econômicos e até familiares. Um relatório de 2016, do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra), aponta que entre outubro de 2015 e junho de 2016 os imigrantes foram afetados com a crise econômica e perda de emprego. No primeiro semestre de 2016, foram admitidos cerca de 20 mil imigrantes e demitidos cerca de 25 mil.
É preciso, ainda, considerar o imigrante como cidadão trabalhador e potencial fomentador da economia nacional, não como uma ameaça à ordem brasileira e retirada de empregos. Além disso, nenhum trabalhador merece ter seus direitos violados como forma de superação da crise. Os direitos humanos devem sempre ser elementos basilares de qualquer medida política, econômica, legislativa, judicial, e demais direitos que se projetam.
* Adriane Secco é advogada especialista em Direito Constitucional pela PUC-SP. Atua com direitos humanos, especificamente com imigração desde 2013, passando por diversas ONGs, centros acadêmicos, e órgãos governamentais, como a Defensoria Pública da União e juizados especiais.
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