domingo, 9 de julho de 2017

São Paulo: à venda com muita propaganda

Por Laurindo Lalo Leal Filho, na Revista do Brasil:

Nem a Globo aguentou o discurso marqueteiro do prefeito de São Paulo e cortou sua fala em pleno ar. No Bom dia SP do último dia 3, o apresentador Rodrigo Bocardi comentou que muitos programas da prefeitura mais parecem ações de marketing e fez a seguinte pergunta a João Doria Junior: "Nos últimos seis meses foram criados Cidade Linda, Bairro Lindo, Calçada Nova, Corredor Verde... são programas com nomes anunciados todos finais de semana e tal. E o resultado que a gente tem visto é que não são nada mais do que aquilo que já era feito. Será que a gente não cai na história do marketing que é tanto falado? A gente cria marcas, nomes e no fim o resultado que temos visto é algo que já vinha sendo feito antes. Talvez até menos agora".

Tratava-se de uma constatação difícil de ser rebatida. Doria tentou jogar a culpa na administração anterior apesar de dizer que não faz gestão com retrovisor e começou a ensaiar autoelogios quando entrou no ar a vinheta de encerramento do programa pondo fim a mais uma tentativa propagandística do prefeito.

Cabe lembrar que a inauguração do governo Doria na cidade de São Paulo foi marcada por uma cena patética: o prefeito e seus secretários uniformizados como garis posando para fotografias. Nada melhor como símbolo do que viria pela frente: a combinação perfeita entre propaganda e venda confundindo gestão pública com armazém de secos e molhados.

É a isso que se pretende resumir a administração da cidade de São Paulo, um imenso balcão de negócios embalado por um marketing agressivo. Grande parte do patrimônio da cidade está à venda e para realizá-la são necessários instrumentos eficientes de propaganda. Esta, por sua vez, além de anunciar para o mercado as qualidades dos produtos em oferta, exalta a capacidade gerencial do prefeito em busca de voos políticos mais altos.

É desalentador observar que bens públicos construídos com recursos acumulados através de gerações estejam sendo transformados em simples mercadorias. E o processo de vendas em espetáculos, fazendo lembrar as teses apresentadas por Guy Debord no seu clássico livro A sociedade do espetáculo. Dizia ele que “O espetáculo é o momento em que a mercadoria ocupou totalmente a vida social. Não apenas a relação com a mercadoria é visível, mas não se consegue ver nada além dela: o mundo que se vê é o seu mundo. A produção econômica moderna espalha, extensa e intensivamente, sua ditadura”.

Debord referia-se à produção na esfera econômica sem poder imaginar que ela abarcaria também os bens públicos, como no caso atual de São Paulo. E mais. A mercadoria a ser posta à venda pelo prefeito é apresentada por um discurso que vai além do seu consumo. Não basta vender, é preciso justificar essa venda com mensagens de eficiência e modernidade. Para isso ele utiliza todos os recursos das redes sociais, especialmente aqueles já testados e aprovados pelas chamadas "celebridades" da internet. O prefeito segue o modelo à risca relatando em vídeo cada gesto do seu dia a dia.

Completa-se dessa forma a inserção do mercado de bens públicos na lógica da sociedade do espetáculo. Não cabe nesse quadro uma discussão racional sobre as consequências reais para a cidade e para os cidadãos das vendas do patrimônio público. É impossível acreditar que os novos administradores privados do Pacaembu, Anhembi, Autódromo de Interlagos, dos parques, praças, sacolões, mercados e planetários, entre outros bens à venda, colocarão em risco suas margens de lucro caso seja necessário manter e aperfeiçoar a qualidade do serviço público hoje prestado nesses equipamentos municipais.

São questões que não cabem no mundo dos espetáculos. E quando se abre uma breve exceção, como no caso do entrevistador da Globo, arguindo o prefeito sobre os programas apresentados pela prefeitura, de nítido apelo marqueteiro, as respostas são tão vazias e simplistas que só resta mesmo rodar a vinheta do programa e encerrar a conversa.

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