Por João Paulo Cunha, no jornal Brasil de Fato:
Depois de revolucionar a história e a filosofia do século 20, o filósofo francês Michel Foucault voltou aos gregos clássicos e, em seus dois últimos cursos no Collège de France, recuperou a noção de parrhesia, um conceito que pode ser traduzido como “coragem da verdade”. O que o pensador tinha em mente era uma transformação da ideia de verdade, que fosse além apenas da coerência logica e da ligação com os fatos para afirmar uma disposição ética. Buscar a verdade exige engajamento, compromisso, audácia.
O presidente não eleito Michel Temer pode ter o mesmo primeiro nome do filósofo, mas pode ser considerado um antípoda moral. Se o Michel francês apostou na coragem da verdade, o Michel brasileiro inaugurou com seu pronunciamento de terça-feira um estágio quase absoluto de “covardia da mentira”. Para fundamentar seu discurso, Temer seguiu o percurso inverso de Foucault, habitou a arrogância, desprezou os fatos, mergulhou na mais medíocre das provocações, deixando de lado os argumentos para atacar a pessoa que os proferiu.
Homem de gestos medidos e palavras melífluas, o golpista do Planalto a princípio parecia outro, afetando destempero raivoso e esgares antipáticos. No entanto, bem medida sua estratégia de covardia da mentira, era necessário que transparecesse um traço de ira para dar peso ao discurso. Nunca Temer foi tão Temer, mesmo com a aparente máscara da indignação.
Jamais Temer caiu tão baixo em sua atuação política de décadas. Nem mesmo a pretensa sabedoria jurídica que arrogou ao começo de sua fala foi real. Ele errou em política e errou em direito, como salientaram juristas que analisaram seu pronunciamento. Aliás, errar se tornou um método para o homem que confunde, até hoje, Rússia com União Soviética.
A mentira do vexame de terça-feira se estabeleceu em todos os momentos. Na fuga aos argumentos, combatidos apenas com palavras ocas como ficção e ilação; na inconvincente defesa de sua honra pessoal, apelando para o passado ilibado; na fraqueza em sugerir ilícitos do acusador, sem apresentar as provas que ele mesmo cobrava na denúncia de que foi objeto.
Além da mentira das palavras, estratégias e atos, havia uma falsidade cênica igualmente perniciosa. Temer se cercou do que havia de pior no Congresso, do baixo clero venal a investigados disputando um lugar na foto da posteridade. Papagaios de pirata da infâmia. Sua aparição foi uma catástrofe multimídia.
Para completar, como não se tratava de uma ameaça do seu papel institucional, mas sim de um crime pessoal (o recebimento literal de uma mala de dinheiro), exacerbou em utilizar a rede pública para apresentar sua defesa. Confundir privado e público é uma marca que não se apaga no patrimonialismo nacional. Temer subiu um degrau na escada do orgulho: mais que juntar público e privado, julga-se merecedor até das graças de Deus.
O episódio deixa algumas constatações que precisam ser levadas a sério. Mesmo defunto, o traidor deixou claro que não vai se entregar de bandeja e nem que vai sozinho para a fogueira. Sabe que um dia a mais no Jaburu é um dia a menos na Papuda. Além disso, conta com a cumplicidade do sistema político acuado para adiar por meio de estratagemas regimentais e chantagem explícita a autorização para sua investigação.
Ao se pintar para a guerra contra a Procuradoria Geral da República e a Polícia Federal, ele sabe que o jogo fica tensionado e aposta no medo da instabilidade no cenário político. Até mesmo a covardia da mentira tem seus momentos de temeridade. Não se pode esquecer que o pacote prometido de reformas ainda é moeda de troca poderosa.
A imprensa que insuflou o golpe, partidos aliados que hoje vivem crise de identidade em suas bases e até setores do empresariado que se retiraram por conveniência, podem voltar atrás alegando a gravidade da situação. Imprestável hoje, Temer pode ser descartado para dar lugar a um cenário tão ruim como o que conta com sua presença especialmente desagradável. Não é um acaso que as diretas não façam parte do cardápio do golpe dentro do golpe.
Depois de revolucionar a história e a filosofia do século 20, o filósofo francês Michel Foucault voltou aos gregos clássicos e, em seus dois últimos cursos no Collège de France, recuperou a noção de parrhesia, um conceito que pode ser traduzido como “coragem da verdade”. O que o pensador tinha em mente era uma transformação da ideia de verdade, que fosse além apenas da coerência logica e da ligação com os fatos para afirmar uma disposição ética. Buscar a verdade exige engajamento, compromisso, audácia.
O presidente não eleito Michel Temer pode ter o mesmo primeiro nome do filósofo, mas pode ser considerado um antípoda moral. Se o Michel francês apostou na coragem da verdade, o Michel brasileiro inaugurou com seu pronunciamento de terça-feira um estágio quase absoluto de “covardia da mentira”. Para fundamentar seu discurso, Temer seguiu o percurso inverso de Foucault, habitou a arrogância, desprezou os fatos, mergulhou na mais medíocre das provocações, deixando de lado os argumentos para atacar a pessoa que os proferiu.
Homem de gestos medidos e palavras melífluas, o golpista do Planalto a princípio parecia outro, afetando destempero raivoso e esgares antipáticos. No entanto, bem medida sua estratégia de covardia da mentira, era necessário que transparecesse um traço de ira para dar peso ao discurso. Nunca Temer foi tão Temer, mesmo com a aparente máscara da indignação.
Jamais Temer caiu tão baixo em sua atuação política de décadas. Nem mesmo a pretensa sabedoria jurídica que arrogou ao começo de sua fala foi real. Ele errou em política e errou em direito, como salientaram juristas que analisaram seu pronunciamento. Aliás, errar se tornou um método para o homem que confunde, até hoje, Rússia com União Soviética.
A mentira do vexame de terça-feira se estabeleceu em todos os momentos. Na fuga aos argumentos, combatidos apenas com palavras ocas como ficção e ilação; na inconvincente defesa de sua honra pessoal, apelando para o passado ilibado; na fraqueza em sugerir ilícitos do acusador, sem apresentar as provas que ele mesmo cobrava na denúncia de que foi objeto.
Além da mentira das palavras, estratégias e atos, havia uma falsidade cênica igualmente perniciosa. Temer se cercou do que havia de pior no Congresso, do baixo clero venal a investigados disputando um lugar na foto da posteridade. Papagaios de pirata da infâmia. Sua aparição foi uma catástrofe multimídia.
Para completar, como não se tratava de uma ameaça do seu papel institucional, mas sim de um crime pessoal (o recebimento literal de uma mala de dinheiro), exacerbou em utilizar a rede pública para apresentar sua defesa. Confundir privado e público é uma marca que não se apaga no patrimonialismo nacional. Temer subiu um degrau na escada do orgulho: mais que juntar público e privado, julga-se merecedor até das graças de Deus.
O episódio deixa algumas constatações que precisam ser levadas a sério. Mesmo defunto, o traidor deixou claro que não vai se entregar de bandeja e nem que vai sozinho para a fogueira. Sabe que um dia a mais no Jaburu é um dia a menos na Papuda. Além disso, conta com a cumplicidade do sistema político acuado para adiar por meio de estratagemas regimentais e chantagem explícita a autorização para sua investigação.
Ao se pintar para a guerra contra a Procuradoria Geral da República e a Polícia Federal, ele sabe que o jogo fica tensionado e aposta no medo da instabilidade no cenário político. Até mesmo a covardia da mentira tem seus momentos de temeridade. Não se pode esquecer que o pacote prometido de reformas ainda é moeda de troca poderosa.
A imprensa que insuflou o golpe, partidos aliados que hoje vivem crise de identidade em suas bases e até setores do empresariado que se retiraram por conveniência, podem voltar atrás alegando a gravidade da situação. Imprestável hoje, Temer pode ser descartado para dar lugar a um cenário tão ruim como o que conta com sua presença especialmente desagradável. Não é um acaso que as diretas não façam parte do cardápio do golpe dentro do golpe.
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