Por Érika Ceconi, no site da CTB:
“Não interessa ao capital financeiro internacional que o Brasil ou, de forma mais ampla, os países da América Latina e Caribe, produzam as reformas sociais necessárias a uma sociedade mais justa e tracem rumos próprios na política internacional”, alertou o embaixador Celso Amorim em entrevista exclusiva concedida ao Portal CTB.
O diplomata e ex-ministro participa, na próxima quinta-feira (24), em Salvador (Bahia), do Seminário Internacional “A crise econômica global e o mundo do trabalho” que antecede o 4º Congresso Nacional da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) e reúne dirigentes sindicais de 29 países.
Amorim foi chanceler nos dois governos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ministro da Defesa no governo Dilma Rousseff. Na conversa, ele destacou, entre outros temas, a mudança na política externa brasileira a partir de 2003.
Leia abaixo a íntegra da entrevista:
Durante os oito anos de governo Lula, o Brasil protagonizou a chamada política externa “altiva e ativa”. Como foi possível ter uma diplomacia independente do alinhamento automático aos interesses dos Estados Unidos?
O Brasil é um grande país, quinto em território e população e uma das dez maiores economias do mundo (chegou a ser a sétima). Além disso, seu povo reflete uma pluralidade de origens que o torna especial aos olhos de outros. Talvez mais importante: com quase 17 mil quilômetros de fronteira e dez vizinhos, o Brasil não se envolveu em conflito armado na região por um século e meio. Tudo isso credencia o nosso país a ter uma ação forte e independente no cenário internacional. Esse foi o pensamento de Rio Branco, Rui Barbosa e San Tiago Dantas, cada um deles refletindo as realidades de suas épocas. A eleição do presidente Lula e a perspectiva de que o país voltasse a ter um período de crescimento, acompanhado, desta vez, de firme combate à desigualdade (sua maior chaga), elevou a autoestima do povo brasileiro, o que não poderia deixar de se refletir na política externa. Essa atitude desassombrada, aliada à capacidade de articular alianças com países e blocos, permitiu ao Brasil atuar com desenvoltura ímpar no cenário internacional, angariando respeito, mesmo daqueles que não pensavam como nós.
Como estas políticas de integração regional, fortalecimento da relação Sul-Sul e a aproximação com países Árabes e da África favoreceram Brasil no cenário mundial?
A integração da América do Sul foi uma prioridade do governo do presidente Lula, que se empenhou no fortalecimento do Mercosul e na constituição de uma Comunidade Sul-Americana de Nações (CASA), que resultou na Unasul. Também se empenhou em um mais amplo entendimento entre todos os países da América Latina e Caribe, convocando, pela primeira vez na história, uma cúpula dessas nações (CALC), realizada em Sauipe, na Bahia. Ao mesmo tempo, foram criados ou fortalecidos laços com países africanos e árabes, sempre que possível com o envolvimento dos nossos vizinhos, fato de que são exemplos a ASPA (Cúpula América do Sul-Países Árabes) e a ASA (Cúpula América do Sul – África). De igual importância foi a criação do Fórum IBAS, com a participação das três maiores democracias multiétnicas e multiculturais do mundo em desenvolvimento: Índia, Brasil e África do Sul. O IBAS está na raiz dos BRICS, até então uma mera sigla criada por um economista de um banco de investimentos. Todas essas articulações, entre outras (como aproximação com o Caribe), facilitaram a busca de objetivos comuns em fóruns como a Organização Mundial de Comércio (OMC) e as Nações Unidas, o que ensejou decisões favoráveis desses órgãos em temas de nosso interesse, bem como facilitou a eleição de brasileiros para cargos importantes em entidades como a FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) e a OMC.
Depois de Honduras e Paraguai, o Brasil foi outra vítima do chamado “golpe suave”, agora a Venezuela está sendo fortemente atacada numa tentativa de desestabilização do governo de Nicolás Maduro. O que há por trás destes golpes e quais interesses em questão?
As sociedades latino-americanas e caribenhas são marcadas por fortes desigualdades, provenientes em grande parte do sistema escravista que nelas prevaleceu por longo tempo. Além disso, suas elites econômicas e políticas guardam forte relação com os países centrais. Qualquer tentativa de romper com essa estrutura social desigual e o status de dependência nas relações internacionais gera reações. As situações mencionadas na pergunta guardam semelhanças, mas não são idênticas. No caso de Honduras, o presidente Manuel Zelaya, foi apeado do poder, segundo relatos, com um fuzil encostado a sua cabeça. O presidente Fernando Lugo, por sua vez, foi objeto de um golpe parlamentar em um momento em que se encontrava muito debilitado. O caso do Brasil é mais complexo: a derrubada da presidenta Dilma exigiu manobras sutis e prolongadas, que lhe pudessem dar alguma aparência de legalidade. Os indícios de interferência externa são muito claros nas três situações. No caso do Brasil (um processo ainda não terminado), o objetivo é barrar um projeto de país que, além de afetar interesses internos, foi percebido como potencial ameaça à hegemonia norte-americana na região e para além dela, dada a projeção que a diplomacia brasileira adquiriu na África, no Oriente Médio etc.
Após o golpe no Brasil, várias medidas como a terceirização, a reforma trabalhista, a redução de programas sociais e a privatização de setores estratégicos estão sendo rapidamente aprovadas, na sua opinião há uma ofensiva do capital internacional?
Há, sem dúvida, uma grande ofensiva do capital internacional, sobretudo o financeiro, que dispõe de poderosos aliados em nosso país, a começar pela grande mídia. Não interessa ao capital financeiro internacional que o Brasil ou, de forma mais ampla, os países da América Latina e Caribe, produzam as reformas sociais necessárias a uma sociedade mais justa e tracem rumos próprios na política internacional.
Como fica a diplomacia brasileira no governo Michel Temer?
Não fica.
O diplomata e ex-ministro participa, na próxima quinta-feira (24), em Salvador (Bahia), do Seminário Internacional “A crise econômica global e o mundo do trabalho” que antecede o 4º Congresso Nacional da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) e reúne dirigentes sindicais de 29 países.
Amorim foi chanceler nos dois governos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ministro da Defesa no governo Dilma Rousseff. Na conversa, ele destacou, entre outros temas, a mudança na política externa brasileira a partir de 2003.
Leia abaixo a íntegra da entrevista:
Durante os oito anos de governo Lula, o Brasil protagonizou a chamada política externa “altiva e ativa”. Como foi possível ter uma diplomacia independente do alinhamento automático aos interesses dos Estados Unidos?
O Brasil é um grande país, quinto em território e população e uma das dez maiores economias do mundo (chegou a ser a sétima). Além disso, seu povo reflete uma pluralidade de origens que o torna especial aos olhos de outros. Talvez mais importante: com quase 17 mil quilômetros de fronteira e dez vizinhos, o Brasil não se envolveu em conflito armado na região por um século e meio. Tudo isso credencia o nosso país a ter uma ação forte e independente no cenário internacional. Esse foi o pensamento de Rio Branco, Rui Barbosa e San Tiago Dantas, cada um deles refletindo as realidades de suas épocas. A eleição do presidente Lula e a perspectiva de que o país voltasse a ter um período de crescimento, acompanhado, desta vez, de firme combate à desigualdade (sua maior chaga), elevou a autoestima do povo brasileiro, o que não poderia deixar de se refletir na política externa. Essa atitude desassombrada, aliada à capacidade de articular alianças com países e blocos, permitiu ao Brasil atuar com desenvoltura ímpar no cenário internacional, angariando respeito, mesmo daqueles que não pensavam como nós.
Como estas políticas de integração regional, fortalecimento da relação Sul-Sul e a aproximação com países Árabes e da África favoreceram Brasil no cenário mundial?
A integração da América do Sul foi uma prioridade do governo do presidente Lula, que se empenhou no fortalecimento do Mercosul e na constituição de uma Comunidade Sul-Americana de Nações (CASA), que resultou na Unasul. Também se empenhou em um mais amplo entendimento entre todos os países da América Latina e Caribe, convocando, pela primeira vez na história, uma cúpula dessas nações (CALC), realizada em Sauipe, na Bahia. Ao mesmo tempo, foram criados ou fortalecidos laços com países africanos e árabes, sempre que possível com o envolvimento dos nossos vizinhos, fato de que são exemplos a ASPA (Cúpula América do Sul-Países Árabes) e a ASA (Cúpula América do Sul – África). De igual importância foi a criação do Fórum IBAS, com a participação das três maiores democracias multiétnicas e multiculturais do mundo em desenvolvimento: Índia, Brasil e África do Sul. O IBAS está na raiz dos BRICS, até então uma mera sigla criada por um economista de um banco de investimentos. Todas essas articulações, entre outras (como aproximação com o Caribe), facilitaram a busca de objetivos comuns em fóruns como a Organização Mundial de Comércio (OMC) e as Nações Unidas, o que ensejou decisões favoráveis desses órgãos em temas de nosso interesse, bem como facilitou a eleição de brasileiros para cargos importantes em entidades como a FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) e a OMC.
Depois de Honduras e Paraguai, o Brasil foi outra vítima do chamado “golpe suave”, agora a Venezuela está sendo fortemente atacada numa tentativa de desestabilização do governo de Nicolás Maduro. O que há por trás destes golpes e quais interesses em questão?
As sociedades latino-americanas e caribenhas são marcadas por fortes desigualdades, provenientes em grande parte do sistema escravista que nelas prevaleceu por longo tempo. Além disso, suas elites econômicas e políticas guardam forte relação com os países centrais. Qualquer tentativa de romper com essa estrutura social desigual e o status de dependência nas relações internacionais gera reações. As situações mencionadas na pergunta guardam semelhanças, mas não são idênticas. No caso de Honduras, o presidente Manuel Zelaya, foi apeado do poder, segundo relatos, com um fuzil encostado a sua cabeça. O presidente Fernando Lugo, por sua vez, foi objeto de um golpe parlamentar em um momento em que se encontrava muito debilitado. O caso do Brasil é mais complexo: a derrubada da presidenta Dilma exigiu manobras sutis e prolongadas, que lhe pudessem dar alguma aparência de legalidade. Os indícios de interferência externa são muito claros nas três situações. No caso do Brasil (um processo ainda não terminado), o objetivo é barrar um projeto de país que, além de afetar interesses internos, foi percebido como potencial ameaça à hegemonia norte-americana na região e para além dela, dada a projeção que a diplomacia brasileira adquiriu na África, no Oriente Médio etc.
Após o golpe no Brasil, várias medidas como a terceirização, a reforma trabalhista, a redução de programas sociais e a privatização de setores estratégicos estão sendo rapidamente aprovadas, na sua opinião há uma ofensiva do capital internacional?
Há, sem dúvida, uma grande ofensiva do capital internacional, sobretudo o financeiro, que dispõe de poderosos aliados em nosso país, a começar pela grande mídia. Não interessa ao capital financeiro internacional que o Brasil ou, de forma mais ampla, os países da América Latina e Caribe, produzam as reformas sociais necessárias a uma sociedade mais justa e tracem rumos próprios na política internacional.
Como fica a diplomacia brasileira no governo Michel Temer?
Não fica.
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