quarta-feira, 16 de agosto de 2017

O fascismo dos nossos tempos

Por Paulo Silveira, no site Jornalistas Livres:

No segundo turno da última eleição presidencial, na fila de espera para votação, num bairro ocupado pela alta burguesia da cidade de São Paulo, ouvi rapazes galhofeiros afirmarem que, se Dilma Rousseff fosse reeleita, grupos organizados através das redes sociais a arrancariam à força do poder! Um ano e meio depois, sem precisar fazer uso da agressão física, mas não sem deixar de exibir a prepotência que lhes é peculiar, esses grupos contribuíram para a deposição da presidenta.

Poucos dias antes da votação, a revista “Veja”, publicada, excepcionalmente, numa sexta-feira, estampava na sua capa as imagens de Dilma e de Lula ao lado de uma manchete grafada em letras vermelhas: “Eles sabiam de tudo”. Tratava-se da acusação feita pelo doleiro Alberto Youssef para os promotores da Lava Jato. Colocava-se em prática a divulgação das delações premiadas para a grande imprensa, uma estratégia que o juiz Sérgio Moro, em seu artigo “Considerações sobre a operação Mani Pulite”, afirma ter sido fundamental nessa ação judiciária italiana de combate à corrupção.

Não me parece necessário repassar todos os fatos da recente história da política brasileira, porém, está claro que vários grupos organizados através das redes sociais, alguns deles, coordenados por jornalistas que atuam na grande imprensa, ganharam força com a divulgação dessas delações, a maior parte delas, fruto de vazamentos pontuais. Entre as estratégias para aumentar a popularidade, esses grupos insistiram, e ainda insistem, em apresentar Lula e o PT como únicos responsáveis, não só pela corrupção e pela crise econômica, mas por todo mal que possa existir nesse país.

Em resposta a essa campanha que uniu parte do judiciário, a grande imprensa, a burguesia e os partidos políticos conservadores, foram às ruas os movimentos sociais, as centrais sindicais, os artistas, os intelectuais e os estudantes, num primeiro momento, para lutar pela democracia; num segundo momento, para lutar pelos direitos trabalhistas ameaçados por aqueles que assumiram o governo federal após a deposição da presidenta.

Uma radical polarização das convicções passou a acirrar os ânimos dos brasileiros de todas as classes e idades. As redes sociais, ferramenta de comunicação e circulação de opiniões que não existia na Itália no período da operação, funcionou como um eficiente meio de divulgação e de promoção das prisões coercitivas e das delações da Lava-Jato. Em muitos casos e de variadas maneiras, essa polarização provocou manifestações de intolerância e de ódio, seja pelas próprias redes sociais, seja nos encontros de grupos que sustentam posições contrárias.

Coincidentemente ou não, alguns dos elementos utilizados na fermentação desse ódio social fizeram parte da estruturação do ódio fomentado pelo fascismo hitlerista. Antes de tudo, salta aos olhos a incorporação da estratégia de apresentar uma única causa para todos os males sociais. Num livro escrito antes da sua ascensão ao poder, Hitler argumenta que a capacidade de assimilação de ideias e a inteligência das grandes massas são muito limitadas, desse modo, toda propaganda deve focar num único ponto, até que cada indivíduo incorpore e acredite na mensagem que lhe é apresentada.

Para o historiador Alcir Lenharo, a eficiência da propaganda nazista provém do fato de ela ter conseguido convencer a população de que os judeus eram os responsáveis pelo estado caótico do país. Essa propaganda forjou um espírito nacionalista que transpassou o horizonte das classes sociais. A Alemanha como um todo enfrentou uma grave crise econômica após a primeira guerra. No entanto, a situação dos trabalhadores cujos salários mal lhes permitiam alimentar suas famílias era muito diferente da situação dos grandes empresários que apoiaram Hitler desde o primeiro momento.
Palavras de ordem, memes e posts

Em cartazes colados nos muros e nas repartições públicas, estratégia chamada de “Die Parole der Woche” (A palavra de ordem da semana), uma propaganda semelhante aos atuais “posts” veiculados nas redes sociais (uma imagem, uma frase, um inimigo), os nazistas tentavam fixar mensagens de ódio nas mentes de todos. Essas mensagens deveriam reforçar o maniqueísmo que Hitler imagina marcar a forma comum do povo pensar e se posicionar. Era importante que, ao incorporarem essas palavras de ordem, as pessoas tivessem a impressão de estar defendendo suas próprias opiniões.

Pela interpretação de Gilbert Badia, germanista que viveu na Alemanha nos anos em que Hitler esteve no poder, a principal característica do fascismo, tanto o alemão quanto o japonês e o italiano, bem como de muitos regimes totalitários, foi sustentar medidas políticas e econômicas eminentemente conservadoras. Na experiência nazista, essas medidas implicaram no aumento da desigualdade econômica atrelada à maior exploração da força de trabalho.

No final dos anos trinta, aos grandes empresários alemães, como Gustav Krupp, então presidente da Associação da Indústria Alemã, interessava não pagar a conta da crise econômica e deter o crescimento político do partido comunista. Com o término da segunda guerra, Gustav e seu filho Alfried foram condenados no processo de Nuremberg por imporem, em suas indústrias, o trabalho escravo a centenas de crianças encarceradas nos campos de concentração.

Questionado no processo sobre seu apoio a um governo que praticou tantos horrores, Alfried Krupp respondeu: “Afirmo que ignorava a matança aos judeus; de todo modo, quando se compra um bom cavalo não se deve olhar os pequenos defeitos”.

Quero crer que a humanidade não toleraria um novo Holocausto, no Brasil ou em qualquer outro lugar. Ainda assim, é preocupante o uso de estratégias propagandísticas que estimulam o ódio social. Não há nenhuma dúvida de que o combate à corrupção é absolutamente necessário! Talvez, a médio ou a longo prazo, esse processo consiga promover mudanças relevantes na administração pública. Todavia, superado esse momento de teatralização da política, é preciso que os trabalhadores retomem o discurso em defesa dos seus direitos e participem, realmente, da política.

* Paulo Henrique Fernandes Silveira, 48 anos, é professor e pesquisador na Faculdade de Educação da USP. Coordena o Grupo de Estudos sobre Educação, Filosofia, Engajamento e Emancipação.

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