Nesta segunda-feira (07/08), O Estado de S. Paulo comparou a movimentação do twitter durante os dois julgamentos sobre impeachment na Câmara dos Deputados, o do golpista e presidente Michel Temer e o da ex-presidenta Dilma Rousseff. Os números impressionam: mais de um milhão de mensagens foram postadas na rede social na última quarta-feira (02/08) ante 3,5 milhões em 17 de abril de 2016.
Comparados o contexto, personagens e as denúncias que motivaram ambos julgamentos, temos a dimensão do absurdo ocorrido em 2016. Utilizadas como pretexto para o afastamento da presidenta democraticamente eleita, as pedaladas fiscais se desmancham frente à gravidade do episódio Joesley Batista (JBS).
Não se trata de uma delação, mas de uma conversa gravada e entregue à Justiça por um criminoso confesso que, de forma clandestina, entrou nos subterrâneos do Palácio do Planalto e recebeu a chancela do presidente da República para comprar o silêncio de outro criminoso. Os valores apareceram: 500 mil reais, por semana, ao longo de 20 anos.
Episódio e cifras que desembocaram em um julgamento que, pela lógica, levaria às ruas não apenas os defensores do Fora Temer, mas as forças que levantaram a bandeira do combate à corrupção no país. Para compreender o esvaziamento dessa manifestação, nas ruas e nas redes, um dos caminhos é adentrarmos o feudo dos barões da mídia.
O território onde é cultivada uma explosiva matéria-prima: a irracionalidade e o ódio contra as forças progressistas e de esquerda. A comparação entre o “tudo ou nada” durante o impeachment de 2016 e a cobertura jornalística do julgamento da semana passada evidencia que, desta vez, não houve interesse em derrubar o presidente da República. Vejamos o caso da Rede Globo:
Dois julgamentos, dois jornais
Como um julgamento aconteceu no domingo (Dilma) e o outro em plena quarta-feira útil (Temer), observemos como o Jornal Nacional (JN) – de maior capilaridade junto à população – cobriu cada um desses eventos nos seis dias que os antecederam. A minutagem de cada reportagem está entre parênteses (minutos ´ e segundos ”) e para revisitá-las basta clicar nos títulos.
6 dias antes do julgamento
2016 - Dando início à semana do julgamento do impeachment da presidenta Dilma, em sua edição no dia 11 de abril, o JN concedeu 24 minutos ao tema distribuídos nas reportagens: “Comissão aprova relatório a favor do impeachment da presidente Dilma” (16´44”); “Por descuido, Temer envia a grupos discurso sobre impeachment” (5´02”) veiculando, em rede nacional, os compromissos de Temer com a população; “Impeachment: segurança é reforçada dentro e fora do Congresso” (2´30”), preparando as manifestações para o dia 17; e “Manifestantes contra o impeachment se reúnem no Centro do Rio (50”), com apenas 50 segundos dados ao show no Rio de Janeiro, com a presença de Lula e vários artistas.
2017 – Seis dias antes do julgamento de Temer, na quarta-feira retrasada (26.07), apenas uma reportagem de 3´16” – Temer mantém investida para conquistar deputados indecisos -, divulgando o empenho do atual presidente em conquistar apoio entre os parlamentares. A reportagem traz, em sua maioria, aspas de governistas e não há menção ao mérito do pedido de impeachment. Com raras exceções, essa foi a tônica da Globo para cobrir o julgamento na última semana. No comparativo, é interessante observar como as ações de Temer são naturalizadas enquanto estratégia; enquanto as de Dilma, apresentadas como estratagemas visando burlar o processo.
5 dias antes do julgamento
2017 – Seis dias antes do julgamento de Temer, na quarta-feira retrasada (26.07), apenas uma reportagem de 3´16” – Temer mantém investida para conquistar deputados indecisos -, divulgando o empenho do atual presidente em conquistar apoio entre os parlamentares. A reportagem traz, em sua maioria, aspas de governistas e não há menção ao mérito do pedido de impeachment. Com raras exceções, essa foi a tônica da Globo para cobrir o julgamento na última semana. No comparativo, é interessante observar como as ações de Temer são naturalizadas enquanto estratégia; enquanto as de Dilma, apresentadas como estratagemas visando burlar o processo.
5 dias antes do julgamento
2016 – Na edição do JN de terça-feira, 12 de abril, foram destinados 11´14” à cobertura do julgamento nas reportagens: “Sem citar nomes, Dilma acusa Temer e Cunha de traição e conspiração” (9´59”) e Cunha anuncia que a votação do impeachment será no domingo (17) (1´55”). Naquele dia, Dilma denunciava o golpe à sociedade brasileira. Na edição do jornal, seus argumentos foram entremeados com a fala de vários líderes da oposição, conferindo legitimidade ao processo de impeachment. Nenhum aspecto salientado por Dilma foi debatido de forma mais densa no principal jornal do país.
2017 – Na quinta-feira retrasada (27.07), foram destinados apenas 4´71” sobre o impeachment no Jornal Nacional, distribuídos nas reportagens "Com possível nova denúncia contra Temer, Planalto avalia nova estratégia" (3´14") com aspas de Temer garantindo a aprovação das reformas, da situação criticando a acusação e as estratégias do governo visando “barrar a denúncia de corrupção passiva”, sem menção a Joesley ou declaração da oposição. Também foi dado mais 1´57” em “Governo Temer é ´ruim ou péssimo´ para 70% da população”, que mostra a baixíssima popularidade do atual governo.
4 dias antes do julgamento
2016 – Em sua edição do dia 13 de abril, o JN concedeu 5’08” ao julgamento de Dilma nas manchetes Ordem de chamada para votação do impeachment será por região (5´49”), divulgando o compromisso de Dilma de superar a crise, em meio a informações sobre o rito do processo, introduzindo falas da oposição, no caso, Eduardo Cunha; e Temer pede ao TSE que analise se ele pode ser punido por atos de Dilma (31”), mais uma reportagem dando destaque a Temer, apresentado como antagonista à Dilma, uma posição distinta da apresentação do presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ), cuja aparição na cobertura nestes seis dias finais foi muito menor do que a de Temer.
2017 - Na sexta-feira (28.07), foram concedidos 6´55” sobre o julgamento. Em “Deputados não podem adiar votação de denúncia contra Temer, diz Maia”, a edição do JN destacava que “os aliados do presidente continuam afinando as estratégias para quarta-feira (2)”, Maia apenas fala sobre o rito do julgamento. Também são divulgados os vídeos de Temer nas redes sociais e mencionado o clima amistoso do jantar no Jaburu.
3 dias antes do julgamento
2016 – A edição de 14 de abril do JN concedeu 16´82” ao tema do impeachment distribuídos na reportagem “STF analisa ações do governo e de aliados de Dilma sobre impeachment” (12´45”) sobre o questionamento da defesa da ex-presidenta junto ao STF, afirmava a reportagem que “o governo e aliados da presidente Dilma Rousseff foram ao STF para tentar mudar as regras da votação e até anular o processo”. A denúncia de Cardozo sobre a ilegalidade e prejuízos à defesa, dada no início da reportagem, acaba esvaziada com a introdução de outras questões relativas ao funcionamento do julgamento. A denúncia foi apresentada, mais uma vez, de forma superficial. Há ainda mais 4´37” na reportagem “Batalha por votos sobre impeachment é acirrada entre deputados”, que cita a frente parlamentar pela democracia, mas a reportagem se encerra com a imagem de Temer recebendo apoiadores no Jaburu.
2017 – Em sua edição de sábado (29.07), o JN concedeu 2´53” ao tema na reportagem “Temer tenta passar imagem de otimismo antes da votação na Câmara” (2´53”), divulgando trecho do terceiro vídeo de Temer disponibilizado nas redes sociais sobre melhorias dos índices econômicos. Encerra com uma frase suave de Maia: “Eu acho que para o próprio governo, encerrar essa matéria na quarta-feira, do meu ponto de vista, é muito importante”.
2 dias antes da votação
2016 – A dois dias do julgamento da ex-presidenta Dilma, em 15 de abril, foram destinados 5 minutos no JN sobre o tema. Foram divulgadas as reportagens “Secretaria de Comunicação cancela pronunciamento de Dilma” (43”) sobre a ação do Solidariedade e do PSDB contra a exibição do pronunciamento de Dilma em cadeia nacional. Nesta edição, em plena semana de manifestações contra o impeachment, o JN deu dois minutos aos protestos favoráveis a Dilma em “Militantes protestam contra o impeachment no DF e em 15 estados” (2´03”), com pouquíssimas imagens aéreas; e também Manifestantes a favor e contra o governo ficarão separados (2´55”) sobre os preparativos de domingo. Foi nesta reportagem que apareceram as ferramentas de trabalho de manifestantes do MST, apreendidas pela PF. A tentativa de criminalização do movimento é evidente.
2017 - Na última segunda-feira, início da semana decisiva para Temer, quando se esperava uma reportagem semelhante àquela do dia 11 de abril de 2016, o jornalismo “combativo” da Rede Globo concedeu apenas 6´59” ao tema em “Governo e oposição ainda traçam estratégias para a sessão de quarta (2)” (3´51”); e “No Planalto, continua a liberação de emendas para deputados aliados” (3´08”). Ambas batem na mesma tecla: a estratégia do governo. Nesta última matéria, inclusive, há uma forte denúncia do deputado Alessandro Molon (Rede - RJ) sobre a liberação de R$ 3,5 bilhões em emendas parlamentares, mas ela é citada sem maior aprofundamento e entremeada pela declaração de governistas.
Dia anterior à votação
2017 - Na última segunda-feira, início da semana decisiva para Temer, quando se esperava uma reportagem semelhante àquela do dia 11 de abril de 2016, o jornalismo “combativo” da Rede Globo concedeu apenas 6´59” ao tema em “Governo e oposição ainda traçam estratégias para a sessão de quarta (2)” (3´51”); e “No Planalto, continua a liberação de emendas para deputados aliados” (3´08”). Ambas batem na mesma tecla: a estratégia do governo. Nesta última matéria, inclusive, há uma forte denúncia do deputado Alessandro Molon (Rede - RJ) sobre a liberação de R$ 3,5 bilhões em emendas parlamentares, mas ela é citada sem maior aprofundamento e entremeada pela declaração de governistas.
Dia anterior à votação
2016 – No dia anterior à votação do impeachment de Dilma, em 16 de abril, foram dados 15´53” sobre o tema distribuídos em: “Nas redes sociais, Dilma ataca defensores do impeachment” (5´21”). O pronunciamento é apresentado não como defesa, mas ataque, e a edição daquela noite trouxe os dois antagonistas de Dilma para responde-la em cadeia nacional: Temer que, inclusive, garantiu a manutenção de programas sociais e o aperfeiçoamento do Pronatec e do Fies ( veja o que aconteceu depois); e Aécio Neves (PSDB-MG), até então blindado, que criticou abertamente a ex-presidenta. A reportagem termina em clima de disputa eleitoral: “As próximas horas serão de intensas negociações dentro e fora dos dois palácios: o da Alvorada e o do Jaburu”.
Também foram veiculadas naquele dia: Governo e oposição intensificam a disputa por votos (5´16”); “Manifestantes entram em conflito em frente a hotel de Lula” (0´51”) e “Manifestações acontecem na noite deste sábado (16) pelo país” (43”). Nesta última, para dar visibilidade ao grupo favorável ao impeachment, há uma imagem do acampamento na Avenida Paulista, balanceando as imagens dos protestos em defesa de Dilma no Rio, em Brasília e em São Paulo. Também foram veiculadas as reportagens “Impeachment transforma Brasília em uma cidade dividida” (1´56”); Votação do impeachment começa às 14h de domingo na Câmara (2´33”) e STF ainda recebe recursos na véspera da votação do impeachment (33”), uma curtíssima chamada sobre recursos encaminhados por partidos, entidades e parlamentares contra o processo. Nenhum deles é aprofundado, apenas citados, seguidos da negativa do ministro Celso de Mello.
2017 – Um dia antes do julgamento de Temer, o JN concedeu 9´88” divididos em duas reportagens apenas: Câmara decide se denúncia contra Temer por corrupção vai ao STF ou não (6´50”) sobre os ritos do processo e disputas internas; e No Planalto, Temer emenda reunião atrás da outra para conquistar votos (3”38) com imagem e aspas de Temer se mostrando confiante no resultado do julgamento. Há uma menção a Joesley no final da reportagem, mas veja como ela foi divulgada: “A Procuradoria-Geral da República deu parecer contrário ao pedido da defesa do presidente Michel Temer, que queria ter acesso a todas as gravações de Joesley Batista recuperadas pelos peritos da Polícia Federal. Os advogados de Temer queriam acesso ao material antes da votação de quarta-feira”.
2018 está aí
Em abril de 2016, o golpe foi vendido à sociedade brasileira como uma disputa eleitoral – Dilma versus Temer (apoiado por Aécio) –, o “tudo ou nada” da mídia transformou o julgamento em um espetáculo: o ápice da polarização social alimentada desde 2014. É patente como os argumentos da defesa de Dilma e as mobilizações pró-governo foram apresentadas de forma superficial pelo JN. Na cobertura da última semana, pelo contrário: o julgamento foi praticamente naturalizado, apresentado quase como uma questão de governo, com foco nos ritos do processo e na atuação de Temer, veiculado de forma muito mais favorável do que Dilma no ano passado.
É dentro desse contexto que podemos avaliar a interrupção do JN para que fosse transmitido o julgamento na Câmara da última quarta-feira. De fato, um ato expressivo – o JN nunca foi interrompido desde sua criação em 1969 –, capaz de equilibrar o placar da votação (263 votos favoráveis a Temer ante 227 contrários). Foi patente o constrangimento dos parlamentares, obrigados a responder junto a seus futuros eleitores sobre o apoio a um governo notoriamente corrupto.
No entanto, a seis dias do julgamento, comparadas as duas coberturas, observa-se que o “Fora Temer” do JN não passou de um pastiche. Embora haja um arrefecimento das críticas contra o atual presidente em outros veículos das Organizações Globo, como a Globonews, o JN é quem fala às massas.
É preciso observar o que está sendo dito e, em especial, o que está sendo omitido. Trata-se de uma manipulação que se dá pela omissão: da defesa de Dilma em 2016; do debate contra a austeridade neste 2017; e, certamente, do projeto progressista para o Brasil em 2018. No caso específico da última semana, o que se viu no JN esteve muito aquém do espetáculo montado e da mobilização popular vistas em 2016.
Naquele domingo, o campeonato do Brasileirão tinha sido interrompido pela emissora. As ruas estavam cheias, a população de olhos fixos na tevê, aplaudindo ou xingando cada um dos 367 votos a favor e 137 votos contrários ao impeachment de Dilma. O golpe se materializava, após anos de bombardeiro midiático contra os governos petistas, em meio à polarização incensada pelos veículos da mídia.
Não nos esqueçamos: até outro dia, sair de vermelho nas ruas poderia descambar em agressão física. Convenhamos, este seria um cenário ideal para a direita em 2018, caso as eleições realmente aconteçam. Por que eles uniriam a população em torno do Fora Temer, nesta altura do campeonato?
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