sexta-feira, 8 de setembro de 2017

As possibilidades democráticas na internet

Por Helga do Nascimento de Almeida, no site Brasil Debate:

O golpe dado por Michel Temer é uma realidade agonizante e que vem trazendo diversos desdobramentos perversos para o Brasil. Os resultados dessa empreitada de diminuição feroz do Estado brasileiro, além de estarem produzindo cicatrizes profundas na economia e desenvolvimento social do país, também têm gerado marcas na relação entre as elites políticas brasileiras e os eleitores.

Se a desconfiança em relação aos representantes políticos no Brasil já era baixa – segundo dados da FGV a confiança da população na figura do presidente da República em 2015 era de 14% e no Congresso era de 12% – hoje, diante de um presidente que apresenta uma taxa de aprovação de 4% (segundo pesquisa VoxPopuli/CUT de 2 de Agosto de 2017), há, de fato, um perceptível desânimo nacional em relação aos políticos brasileiros.

Se estamos vivendo uma realidade tão adversa, o que se pode fazer? Como dar mais transparência para às ações políticas? Como aproximar políticos e cidadãos para que esses últimos consigam ter uma maior margem de influência sobre os mandatos de seus representantes? Como fortalecer o relacionamento entre representante e representados no momento entre eleições?

Segundo Castells (2004), a internet não tem mais um papel puramente instrumental, mas, ao contrário, hoje há uma transformação das regras do jogo sociopolítico no ciberespaço, o que faz com que a internet esteja afetando o próprio jogo. Se a internet vem se tornando central na política, pode-se ver que os parlamentares em todo o globo não só notaram a mudança de paradigma tecnológico como já têm absorvido e se instrumentalizado para usufruírem das possibilidades dessa nova realidade.

Bom, se antes a percepção era de que a as elites políticas, em especial o Poder Legislativo, se abrigavam em uma caixa preta, agora a percepção é de que as elites políticas, na Era da Visibilidade, isso não é mais possível.

O encontro entre cidadãos e parlamentares no ambiente digital tem acontecido tanto pelo crescimento do uso pelos cidadãos, quanto por parlamentares. A pesquisa TICs Domicílios 2015 (2016) demonstrou que 58% das(os) brasileiras(os) se declaram usuárias(os) de internet (em 2014 eram 55%). Destes que usam a internet, 85% usam a rede para mandarem mensagens instantâneas por Whatsapp, Skype ou chat do Facebook, além disso, 77% usam redes sociais como Facebook, Instagram ou Snapchat.

Esse novo panorama torna indispensável que parlamentares estejam na internet e principalmente nas redes sociais, já que, como apontaram Pereira e Sátyro (2016), os políticos têm que ir onde o povo está e, nesse momento, a presença nas redes tornou-se fundamental se se quiser um relacionamento com alguma proximidade com o eleitorado.

No Brasil já se vive uma realidade de ampla adesão de parlamentares às redes sociais. De acordo com dados dispostos em minha tese de doutorado (Almeida, 2017) e focando o olhar para o uso da rede social mais usada por brasileiros, o Facebook [1], 63,16% dos deputados federais tinham páginas no Facebook em 2013, já em 2017 vimos que 97,90% dos deputados federais brasileiros têm páginas no Facebook, ou seja, em apenas quatro anos houve um crescimento de 34,76%.



O que se percebe através dos dados é que há universalização no uso do Facebook pelas(os) parlamentares da Câmara dos Deputados. Ou seja, o que diferencia parlamentares não é mais sua presença ou ausência na rede. Todas(os) estão no Facebook.

Então o que as(os) diferenciarão? A qualidade de uso das redes sociais. Parece que há parlamentares que ainda permanecem em um estágio de web 1.0, em que as relações se pautavam por um modelo one-wayconversation e assim constroem suas figuras digitais em páginas que só difundem mensagens e consideram suas(seus) seguidoras(es) apenas como receptoras(es).

No entanto, ao mesmo tempo já se pode ver parlamentares que têm conseguido mergulhar na era da web 2.0 e instituem um modelo de feedback e uma conversa em duas vias, em que o debate é central nos espaços abertos por sua página e as(os) seguidores(as) são considerados agentes informacionais e fiscalizadores fundamentais.

Dessa forma, ao analisar-se melhor a diferença de uso e engajamento gerado pelas páginas de diferentes categorias de parlamentares, começa-se a entender que há deputados federais que já têm conseguido construir uma dinâmica interativa dentro de seus facebooks, o que pode contribuir com a tentativa de uma reaproximação entre representantes e representados.

Se se olha para categorias específicas e o número das comunidades de seguidoras(es) das páginas de deputadas(os) de ideologias diferentes, por exemplo, é possível sublinhar que deputadas(os) de centro têm uma mediana de seguidores um pouco maior que deputadas(os) de esquerda, e por último estão os deputados de direita.




As médias de postagens também demonstram algumas diferenças, em que deputados(as) da região Sudeste e deputados(as) de esquerda sobressaem.




Por fim, entendendo melhor o engajamento das(os) seguidores(as) percebido nas páginas na semana amostral de 2016, se vê que, mais uma vez, deputadas(os) de esquerda se sobressaem, o que pode indicar que essas(esses) têm seguidoras(es) mais participativos. Já na categoria ideologia, em primeiro lugar estão deputadas(os) de esquerda.



A conclusão que se chega é que a internet já tem sido encarada como um espaço de encontro entre parlamentares e cidadãos brasileiros. Para alguns parlamentares isso ocorre em menor escala, para outros em maior escala. Obviamente não se ignoram os problemas das fraturas digitais e as bolhas no Facebook, no entanto, pode-se afirmar que tem ocorrido uma abertura de comunicação não mediana para que representantes e representados possam interagir e debater.

Parece ainda ser esse um pequeno passo em direção a possibilidades mais consistentes de construção de um relacionamento entre eleitor e eleito no extenso período entre eleições.

É bom que lembremos que a representação democrática deve ser encarada como um relacionamento (YOUNG, 2006) e que mecanismos de comunicação devem ser estabelecidos exatamente para manter a interlocução entre representantes e representados (PITKIN, 1983).

Nota

[1] De acordo com o portal “The Statistics Portal” a taxa de penetração do Facebook na população brasileira de 53,9% (dados de Abril de 2017)

Referências em jornais:

“Confiança do brasileiro cai na maioria das instituições entre 2014 e 2015, aponta Direito SP” http://portal.fgv.br/noticias/confianca-brasileiro-cai-maioria-instituicoes-entre-2014-e-2015-aponta-direito-sp

Referências em literatura acadêmica:

ALMEIDA, Helga. (2014) Análise dos usos das NTICs pelos parlamentares brasileiros: Um estudo sobre o Facebook e o Twitter pelos deputados federais brasileiros em 2013. In: 38 Encontro da Anpocs, 2014, Caxambu. Anais do 38 Encontro Nacional da Anpocs. Caxambu: Anpocs, 2014

ALMEIDA, Helga. (2017) Tese de Doutorado. Programa de Pós-graduação em Ciência Política, Departamento de Ciência Política, Departamento de Ciência Política, Universidade Federal de Minas Gerais. Orientador: Prof. Dr. Marcus Abílio Gomes Pereira. Belo Horizonte, 2016.

CASTELLS, Manuel. (2004). A Galáxia Internet: Reflexões sobre Internet, negócios e sociedade. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

PEREIRA, Marcus Abílio. SATYRO, Natália. (2016) Os deputados estaduais mineiros e a apropriação da internet. In: Manoel Leonardo Santos; Fátima Anastasia. (Org.). Política e desenvolvimento institucional no legislativo de Minas Gerais. 1ed.Belo Horizonte: Editora PUC-MINAS, 2016.

PITKIN, Hanna. (1983) O conceito de representação. In: CARDOSO, Fernando Henrique; MARTINS, Carlos Estevam (Org.). Política e sociedade. São Paulo: Nacional, 1983. 8-22. Reproduzido de PITKIN, H. F. (org) Representation. Atherton Press, New York, 1969, pp. 1-21.

YOUNG, Iris. “Representação política, identidade e minorias.” Lua Nova 67 (2006): 139-190.

Documentos:

TIC Domicílios 2015. (2016) Pesquisa sobre o uso das tecnologias da informação e comunicação nosdomícilios brasileiros. Comitê Gestor da Internet no Brasil – CGI.br São Paulo, 2016.

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