Por Laurindo Lalo Leal Filho, na Revista do Brasil:
A construção foi longa e demorada. A destruição rápida. Falo da comunicação pública brasileira representada pela EBC, a Empresa Brasil de Comunicação, responsável pelas TV Brasil nacional e internacional, por oito emissoras de rádio e duas agências de notícias.
Ao contrário do que ocorreu na Europa e nos Estados Unidos, onde as emissoras públicas se constituíram na primeira metade do século passado, por aqui só conseguimos esse feito no final de 2007 com a criação da EBC.
Tentativas anteriores fracassaram. A mais arrojada delas ocorreu quando o segundo governo Vargas, no início dos anos 1950, se dispôs a outorgar um canal de televisão à Rádio Nacional, emissora líder de audiência no país, controlada governo federal. Com a morte do presidente o processo foi interrompido.
Juscelino Kubitschek tentou dar prosseguimento a iniciativa. A resposta da mídia comercial foi violenta. Assis Chateaubriand, o poderoso controlador dos Diários Associados, espécie de Organizações Globo da época, foi claro “se Vossa Excelência der o canal de televisão à Nacional, jogo toda a minha rede de rádio, imprensa e televisão contra o seu governo”, lembra o ator e compositor Mario Lago no livro de memórias “Bagaço de Beira de Estrada”. Diante da ameaça, JK esqueceu a promessa de criar o canal público. O espaço reservado no dial para a Nacional, o canal 4 do Rio de Janeiro, acabou nas mãos da Globo, ocupado por ela até hoje.
Consolidou-se assim o modelo de rádio e TV comercial em todo o país. Alguns estados, a partir dos anos 1960, até criaram emissoras não comerciais, no entanto elas sempre foram muito mais estatais do que públicas, controladas direta ou indiretamente pelos governantes do momento.
A EBC rompeu com essa prática. Ainda que impulsionada e mantida pelo governo federal, garantiu o seu caráter público com a participação ampla da sociedade em seu órgão máximo, o Conselho Curador. Além disso, deu ao seu presidente um mandato de quatro anos, revogável apenas por decisão do próprio Conselho.
Uma das primeiras medidas do governo que substituiu, por meio de um golpe parlamentar a presidenta Dilma Rousseff, foi acabar com esse dois instrumentos institucionais garantidores do caráter público da empresa. A EBC deixou de ser pública tornando-se apenas mais um ente estatal. Decisão contrária a própria Constituição Federal que em seu Artigo 223 determina a existência complementar de sistemas de radiodifusão privados, públicos e estatais. O atual governo acabou com o sistema público.
Decisão arbitrária que acabou com uma importante experiência de comunicação, fundamental para o funcionamento da democracia, sem receber da sociedade a contestação que merecia. Isso porque a EBC não conseguiu, em seus quase dez anos de existência conquistar os corações e mentes de ouvintes, leitores e telespectadores.
No Reino Unido, nos anos 1980, o governo neoliberal de Margareth Thatcher tentou privatizar a BBC. A resposta contrária da sociedade foi forte e imediata. A “dama de ferro” que havia dobrado o poderoso sindicato dos mineiros não conseguiu acabar com o caráter público do principal serviço de comunicação do país. Isso porque a BBC havia conquistado, com seu trabalho ao longo dos anos, o apoio da ampla maioria da população.
Por aqui, a TV Brasil nunca chegou a ser uma emissora nacional de fato, concorrente real das grandes corporações comerciais. Seu sinal não chegava a todo o território nacional ferindo um princípio básico da comunicação pública que é o da universalidade de acesso. Na maioria dos estados só podia ser sintonizada no canal controlado pelo governo local, ficando assim a mercê da vontade política dos governantes regionais de turno.
Das oito emissoras de rádio da EBC nenhuma delas chega a São Paulo. Um esforço para romper com essa situação foi feito pouco antes da intervenção do atual governo na empresa. A Rádio Brasil Atual passou a transmitir para a capital paulista e região um noticiário matinal em conjunto com a Rádio Nacional do Rio de Janeiro, controlada pela EBC. Seria a libertação do monopólio informativo radiofônico existente no Estado. Infelizmente a experiência durou poucas semanas. O golpe acabou com ela.
A destruição tornou-se acelerada. Transformados em estatais, os veículos da EBC passaram a ser meros divulgadores das ações do governo federal, deixando de lado qualquer compromisso público. Serviços importantes, como os prestados pela Rádio Nacional da Amazônia, outra emissora da EBC, foram abandonados. Uma pane em seu transmissor causada por um raio a tirou do ar, sem que se vissem maiores esforços para recuperá-lo. Um contingente enorme de ouvintes que tinha na emissora a sua única janela para o mundo deixou de ser atendido.
Propõem-se agora a demissão voluntária de 500 funcionários da empresa, fala-se em fundir a TV Brasil com a NBR, a emissora oficial do governo, ouvem-se reclamações de ingerências políticas nas pautas jornalísticas, criticam-se distorções nos textos da Agência Brasil, fonte noticiosa de inúmeros veículos de comunicação por todo o pais.
Destrói-se rapidamente, de maneira acintosa, uma dura conquista da sociedade brasileira. Que pelo menos os erros cometidos sirvam de lição para o momento em que a democracia plena for restaurada e a comunicação pública volte a ser entendida como patrimônio da nação.
Ao contrário do que ocorreu na Europa e nos Estados Unidos, onde as emissoras públicas se constituíram na primeira metade do século passado, por aqui só conseguimos esse feito no final de 2007 com a criação da EBC.
Tentativas anteriores fracassaram. A mais arrojada delas ocorreu quando o segundo governo Vargas, no início dos anos 1950, se dispôs a outorgar um canal de televisão à Rádio Nacional, emissora líder de audiência no país, controlada governo federal. Com a morte do presidente o processo foi interrompido.
Juscelino Kubitschek tentou dar prosseguimento a iniciativa. A resposta da mídia comercial foi violenta. Assis Chateaubriand, o poderoso controlador dos Diários Associados, espécie de Organizações Globo da época, foi claro “se Vossa Excelência der o canal de televisão à Nacional, jogo toda a minha rede de rádio, imprensa e televisão contra o seu governo”, lembra o ator e compositor Mario Lago no livro de memórias “Bagaço de Beira de Estrada”. Diante da ameaça, JK esqueceu a promessa de criar o canal público. O espaço reservado no dial para a Nacional, o canal 4 do Rio de Janeiro, acabou nas mãos da Globo, ocupado por ela até hoje.
Consolidou-se assim o modelo de rádio e TV comercial em todo o país. Alguns estados, a partir dos anos 1960, até criaram emissoras não comerciais, no entanto elas sempre foram muito mais estatais do que públicas, controladas direta ou indiretamente pelos governantes do momento.
A EBC rompeu com essa prática. Ainda que impulsionada e mantida pelo governo federal, garantiu o seu caráter público com a participação ampla da sociedade em seu órgão máximo, o Conselho Curador. Além disso, deu ao seu presidente um mandato de quatro anos, revogável apenas por decisão do próprio Conselho.
Uma das primeiras medidas do governo que substituiu, por meio de um golpe parlamentar a presidenta Dilma Rousseff, foi acabar com esse dois instrumentos institucionais garantidores do caráter público da empresa. A EBC deixou de ser pública tornando-se apenas mais um ente estatal. Decisão contrária a própria Constituição Federal que em seu Artigo 223 determina a existência complementar de sistemas de radiodifusão privados, públicos e estatais. O atual governo acabou com o sistema público.
Decisão arbitrária que acabou com uma importante experiência de comunicação, fundamental para o funcionamento da democracia, sem receber da sociedade a contestação que merecia. Isso porque a EBC não conseguiu, em seus quase dez anos de existência conquistar os corações e mentes de ouvintes, leitores e telespectadores.
No Reino Unido, nos anos 1980, o governo neoliberal de Margareth Thatcher tentou privatizar a BBC. A resposta contrária da sociedade foi forte e imediata. A “dama de ferro” que havia dobrado o poderoso sindicato dos mineiros não conseguiu acabar com o caráter público do principal serviço de comunicação do país. Isso porque a BBC havia conquistado, com seu trabalho ao longo dos anos, o apoio da ampla maioria da população.
Por aqui, a TV Brasil nunca chegou a ser uma emissora nacional de fato, concorrente real das grandes corporações comerciais. Seu sinal não chegava a todo o território nacional ferindo um princípio básico da comunicação pública que é o da universalidade de acesso. Na maioria dos estados só podia ser sintonizada no canal controlado pelo governo local, ficando assim a mercê da vontade política dos governantes regionais de turno.
Das oito emissoras de rádio da EBC nenhuma delas chega a São Paulo. Um esforço para romper com essa situação foi feito pouco antes da intervenção do atual governo na empresa. A Rádio Brasil Atual passou a transmitir para a capital paulista e região um noticiário matinal em conjunto com a Rádio Nacional do Rio de Janeiro, controlada pela EBC. Seria a libertação do monopólio informativo radiofônico existente no Estado. Infelizmente a experiência durou poucas semanas. O golpe acabou com ela.
A destruição tornou-se acelerada. Transformados em estatais, os veículos da EBC passaram a ser meros divulgadores das ações do governo federal, deixando de lado qualquer compromisso público. Serviços importantes, como os prestados pela Rádio Nacional da Amazônia, outra emissora da EBC, foram abandonados. Uma pane em seu transmissor causada por um raio a tirou do ar, sem que se vissem maiores esforços para recuperá-lo. Um contingente enorme de ouvintes que tinha na emissora a sua única janela para o mundo deixou de ser atendido.
Propõem-se agora a demissão voluntária de 500 funcionários da empresa, fala-se em fundir a TV Brasil com a NBR, a emissora oficial do governo, ouvem-se reclamações de ingerências políticas nas pautas jornalísticas, criticam-se distorções nos textos da Agência Brasil, fonte noticiosa de inúmeros veículos de comunicação por todo o pais.
Destrói-se rapidamente, de maneira acintosa, uma dura conquista da sociedade brasileira. Que pelo menos os erros cometidos sirvam de lição para o momento em que a democracia plena for restaurada e a comunicação pública volte a ser entendida como patrimônio da nação.
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