Por Haroldo Lima, no Blog do Renato:
“Intervenção militar” foi o tema trazido ao noticiário nacional nos últimos dias por um intelectual progressista, que admitiu esse procedimento como meio para vencer a crise, e por um general que disse estar em estudo uma tal “intervenção”.
“Intervenção militar” foi o tema trazido ao noticiário nacional nos últimos dias por um intelectual progressista, que admitiu esse procedimento como meio para vencer a crise, e por um general que disse estar em estudo uma tal “intervenção”.
Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira foi o intelectual brasileiro que levantou essa questão em primeiro lugar, nos últimos dias. É um autor de pensamento marxista, respeitável pela extensa obra produzida e pela militância de esquerda que tem. Em 2015, a pedido da Real Academia Sueca, a União Brasileira de Escritores o indicou para o Nobel de Literatura de 2015.
Moniz Bandeira caracteriza a derrubada de Dilma Rousseff como um “golpe”, critica setores do Judiciário, Ministério Público e Polícia Federal por terem politizando suas ações e por fazerem perseguição a Luiz Inácio Lula da Silva. Protesta ante a entrega de riquezas nacionais em curso e contra a liquidação de direitos de trabalhadores. Ao jornal A Tarde, da Bahia, sua terra natal, disse ter a sensação de que “o Estado brasileiro está se desintegrando”.
Com todo o respeito por esse perfil valoroso de Moniz Bandeira, discordo frontalmente da sua posição expressa em 1º de setembro passado, no Conversa Afiada, quando disse que “só vê uma saída para a crise política no Brasil: a intervenção militar”.
Moniz Bandeira acha que “só os canhões podem…evitar a venda do país a preço de liquidação” e diz que a intervenção que admite “é legal, (e ocorre) quando o governo sai dos quadros constitucionais vigentes. ”
Em entrevista a O Cafezinho, observa que “a facção que deu o golpe militar em 1964 não pode ser confundida com as Forças Armadas no seu conjunto”. Adverte ser “necessário …acabar com o preconceito contra as Forças Armadas, decorrente do golpe militar de 1964”. E lembra que “as Forças Armadas são uma instituição do Estado-Nação” que “existirão enquanto o Brasil for um Estado-Nação”.
Isto é verdade. Ademais, em outras oportunidades, as Forças Armadas já tiveram papel claramente progressista, como na Revolução de 30, na Força Expedicionária Brasileira, na campanha “o petróleo é nosso”, que criou a Petrobras.
Na guerra fria as Forças Armadas brasileiras empolgaram-se com a cantilena reacionária dos EUA e assumiram, como se fosse de interesse do Brasil, o interesse dos EUA no conflito entre as duas superpotências da época. Radicalizaram essa postura no tempo da ditadura e produziram o conceito de “inimigo interno”, onde foram postos de cambulhada comunistas, socialistas, esquerda, centro-esquerda, democratas, patriotas e até conservadores que pensavam com independência. Isto ajudou a cindir a nossa sociedade.
Terminar com o preconceito que subsiste em desfavor das Forças Armadas é um movimento de mão dupla, onde a imagem de profissionais dessas Forças vai se firmando, na própria medida em que o profissionalismo militar se aprofunda.
Na verdade, desde a redemocratização havida no país a partir de 1985 e até agora, o posicionamento das Forças Armadas tem sido o do respeito às suas funções constitucionais e o do aprimoramento da sua eficiência específica. Em consequência, tem havido uma crescente aproximação entre chefes militares e representantes de setores civis de diversos matizes.
Que o governo Temer está ameaçando a soberania do país e os direitos dos cidadãos é um fato, com o que estamos de acordo com Moniz Bandeira. A hipótese de uma “intervenção militar” ser feita para conter semelhante ameaça e depois devolver o país à legalidade democrática é, com todo o respeito, completamente despropositada.
Primeiro porque seria uma ação ilegal, pois, diferentemente do que diz Moniz Bandeira, a Constituição não abriga essa hipótese de “intervenção militar” legal em nenhum de seus artigos.
Segundo porque a história do Brasil mostra que golpe nunca abriu caminho para transição democrática.
Terceiro que os impulsos que seriam liberados a partir de uma semelhante intervenção, não seriam nem democráticos, nem nacionalistas. A impaciência que tem aparecido em alguns chefes militares é apenas com a corrupção, esta calamidade que tem nos assolado, mas a alienação de bens estratégicos e a ameaça que pesa sobre os direitos sociais dos brasileiros são olvidadas.
Em uma de suas entrevistas, Moniz Bandeira lembrou de novembro de 1955, quando “o General Lott interveio para garantir a posse de Juscelino Kubitschek”, o que foi certo, pois Lott deu um contragolpe em um golpe que estava em curso. Mas eu lembraria de agosto de 1958, quando o próprio secretário de Estado americano Foster Dulles estava no Brasil fazendo pressões contra a Petrobras. Lott chamou a imprensa e enfático declarou o que no dia seguinte estava em todas as manchetes: “A Petrobras é intocável.”
O general Antônio Hamilton Mourão foi o outro responsável por trazer à baila recentemente o tema da “intervenção militar”. Só que o general faz ameaça antidemocrática aberta, ele, que já fora rebaixado há algum tempo, quando fizera declaração semelhante, volta agora à carga, passando por cima do Regimento Disciplinar do Exército e dizendo que está em cogitação, no Estado Maior de sua corporação, uma “intervenção” para “impor” ordem.
De novo, o que angustia, impacienta e faz o general romper com a disciplina é a corrupção, de fato desenfreada, sórdida, indecorosa, mas que está sendo, apesar de problemas e oportunismos, desmascarada e combatida. Mas não se ouviu do general nada tipo “a Eletrobrás é intocável”, ou “tirem as patas da Amazônia”, ou “a previdência não será privatizada”. Não. Nada que lembre Lott.
Manifestações como as do general Mourão mostram que um governo ilegítimo, desconstrutor da Pátria e corrupto, é tão fraco, que pode despertar ideias aventureiras perigosas.
Interferências militares em questões políticas, geram problemas ao invés de soluções. As próprias formulações do general Mourão demandariam pronto tratamento disciplinar punitivo por parte do Comando do Exército e do Ministério da Defesa. Nem um nem outro tomaram as decisões a que estão obrigados pelos regimentos disciplinares. O presidente da República, chefe supremo das Forças Armadas, tampouco fez nada. É o retrato deplorável de um governo fraco, inseguro, que não se dá ao respeito.
As forças democráticas devem ficar atentas aos manejos golpistas que por ventura recrudesçam, ampliar a frente em defesa da democracia e do país e mostrar que a preliminar para uma saída verdadeira dos graves desafios que nos afligem é a solução democrática da questão do poder político do país.
* Haroldo Lima é membro da Comissão Política Nacional do comitê Central do Partido Comunista do Brasil.
Moniz Bandeira caracteriza a derrubada de Dilma Rousseff como um “golpe”, critica setores do Judiciário, Ministério Público e Polícia Federal por terem politizando suas ações e por fazerem perseguição a Luiz Inácio Lula da Silva. Protesta ante a entrega de riquezas nacionais em curso e contra a liquidação de direitos de trabalhadores. Ao jornal A Tarde, da Bahia, sua terra natal, disse ter a sensação de que “o Estado brasileiro está se desintegrando”.
Com todo o respeito por esse perfil valoroso de Moniz Bandeira, discordo frontalmente da sua posição expressa em 1º de setembro passado, no Conversa Afiada, quando disse que “só vê uma saída para a crise política no Brasil: a intervenção militar”.
Moniz Bandeira acha que “só os canhões podem…evitar a venda do país a preço de liquidação” e diz que a intervenção que admite “é legal, (e ocorre) quando o governo sai dos quadros constitucionais vigentes. ”
Em entrevista a O Cafezinho, observa que “a facção que deu o golpe militar em 1964 não pode ser confundida com as Forças Armadas no seu conjunto”. Adverte ser “necessário …acabar com o preconceito contra as Forças Armadas, decorrente do golpe militar de 1964”. E lembra que “as Forças Armadas são uma instituição do Estado-Nação” que “existirão enquanto o Brasil for um Estado-Nação”.
Isto é verdade. Ademais, em outras oportunidades, as Forças Armadas já tiveram papel claramente progressista, como na Revolução de 30, na Força Expedicionária Brasileira, na campanha “o petróleo é nosso”, que criou a Petrobras.
Na guerra fria as Forças Armadas brasileiras empolgaram-se com a cantilena reacionária dos EUA e assumiram, como se fosse de interesse do Brasil, o interesse dos EUA no conflito entre as duas superpotências da época. Radicalizaram essa postura no tempo da ditadura e produziram o conceito de “inimigo interno”, onde foram postos de cambulhada comunistas, socialistas, esquerda, centro-esquerda, democratas, patriotas e até conservadores que pensavam com independência. Isto ajudou a cindir a nossa sociedade.
Terminar com o preconceito que subsiste em desfavor das Forças Armadas é um movimento de mão dupla, onde a imagem de profissionais dessas Forças vai se firmando, na própria medida em que o profissionalismo militar se aprofunda.
Na verdade, desde a redemocratização havida no país a partir de 1985 e até agora, o posicionamento das Forças Armadas tem sido o do respeito às suas funções constitucionais e o do aprimoramento da sua eficiência específica. Em consequência, tem havido uma crescente aproximação entre chefes militares e representantes de setores civis de diversos matizes.
Que o governo Temer está ameaçando a soberania do país e os direitos dos cidadãos é um fato, com o que estamos de acordo com Moniz Bandeira. A hipótese de uma “intervenção militar” ser feita para conter semelhante ameaça e depois devolver o país à legalidade democrática é, com todo o respeito, completamente despropositada.
Primeiro porque seria uma ação ilegal, pois, diferentemente do que diz Moniz Bandeira, a Constituição não abriga essa hipótese de “intervenção militar” legal em nenhum de seus artigos.
Segundo porque a história do Brasil mostra que golpe nunca abriu caminho para transição democrática.
Terceiro que os impulsos que seriam liberados a partir de uma semelhante intervenção, não seriam nem democráticos, nem nacionalistas. A impaciência que tem aparecido em alguns chefes militares é apenas com a corrupção, esta calamidade que tem nos assolado, mas a alienação de bens estratégicos e a ameaça que pesa sobre os direitos sociais dos brasileiros são olvidadas.
Em uma de suas entrevistas, Moniz Bandeira lembrou de novembro de 1955, quando “o General Lott interveio para garantir a posse de Juscelino Kubitschek”, o que foi certo, pois Lott deu um contragolpe em um golpe que estava em curso. Mas eu lembraria de agosto de 1958, quando o próprio secretário de Estado americano Foster Dulles estava no Brasil fazendo pressões contra a Petrobras. Lott chamou a imprensa e enfático declarou o que no dia seguinte estava em todas as manchetes: “A Petrobras é intocável.”
O general Antônio Hamilton Mourão foi o outro responsável por trazer à baila recentemente o tema da “intervenção militar”. Só que o general faz ameaça antidemocrática aberta, ele, que já fora rebaixado há algum tempo, quando fizera declaração semelhante, volta agora à carga, passando por cima do Regimento Disciplinar do Exército e dizendo que está em cogitação, no Estado Maior de sua corporação, uma “intervenção” para “impor” ordem.
De novo, o que angustia, impacienta e faz o general romper com a disciplina é a corrupção, de fato desenfreada, sórdida, indecorosa, mas que está sendo, apesar de problemas e oportunismos, desmascarada e combatida. Mas não se ouviu do general nada tipo “a Eletrobrás é intocável”, ou “tirem as patas da Amazônia”, ou “a previdência não será privatizada”. Não. Nada que lembre Lott.
Manifestações como as do general Mourão mostram que um governo ilegítimo, desconstrutor da Pátria e corrupto, é tão fraco, que pode despertar ideias aventureiras perigosas.
Interferências militares em questões políticas, geram problemas ao invés de soluções. As próprias formulações do general Mourão demandariam pronto tratamento disciplinar punitivo por parte do Comando do Exército e do Ministério da Defesa. Nem um nem outro tomaram as decisões a que estão obrigados pelos regimentos disciplinares. O presidente da República, chefe supremo das Forças Armadas, tampouco fez nada. É o retrato deplorável de um governo fraco, inseguro, que não se dá ao respeito.
As forças democráticas devem ficar atentas aos manejos golpistas que por ventura recrudesçam, ampliar a frente em defesa da democracia e do país e mostrar que a preliminar para uma saída verdadeira dos graves desafios que nos afligem é a solução democrática da questão do poder político do país.
* Haroldo Lima é membro da Comissão Política Nacional do comitê Central do Partido Comunista do Brasil.
Lembrando que Muniz Bandeira não foi o primeiro a fazer essa proposta desesperada, fundada em uma fantasiosa crença na existência de sentimentos patrióticos e democráticos no âmbito de nossas Forças Armadas, pois, se não me equivoco, Luis Nassif também redigiu uma carta apelando aos militares para que defendessem a soberania nacional dos ataques que lhes disferem os golpistas-entreguistas do Palácio do Planalto.
ResponderExcluirOs militares - do ponto de vista da função que, de fato, exercem no âmbito do Estado enquanto instrumento de dominação de uma classe sobre as demais (e não no contexto do que estabelece a Constituição de um abstrato "Estado Democrático de Direito") - são a expressão literal, nua e crua, do Estado, segundo compreende o marxismo-leninismo, como se pode depreender dessa passagem de Lênin em "O Estado e a Revolução"
"Para Marx, o Estado é um órgão de dominação de classe, um órgão de opressão de uma classe por outra; é a criação de uma "ordem" que legaliza e consolida essa submissão, amortecendo a luta de classes. Para os políticos da pequena burguesia, ao contrário, a ordem é precisamente a conciliação das classes e não a submissão de uma classe por outra; ..."Engels desenvolve a noção dessa 'força' que se chama Estado, força proveniente da sociedade, mas superior a ela e que dela se afasta cada vez mais."... "Em que consiste, principalmente, essa força? EM DESTACAMENTOS DE HOMENS ARMADOS que dispõem das prisões (e, nos dias de hoje, de tanques, aviões, mísseis, etc) etc." ..."Como todos os grandes pensadores revolucionários", continua Lênin, comentando essa passagem, "Engels esforça-se por atrair a atenção dos trabalhadores conscientes para o que a medíocre pequena burguesia dominante considera menos digno de atenção, mais banal, consagrado por preconceitos não apenas resistentes, mas, pode-se dizer, petrificados. O EXÉRCITO PERMANENTE E A POLÍCIA são os principais instrumentos do poder do Estado. Mas, poderia ser de outra forma?"
Aceitando essa concepção de Estado como um princípio, me parece lícito admitir que os militares brasileiros não se comportarão de forma distinta dos membros do Poder Judiciário. Ao contrário, tendem a reforçar o papel do Judiciário enquanto parte do aparato de dominação do Estado da plutocracia definido acima por Marx, Engels e Lênin, acrescentando-lhes o poder de coação inerente ao "destacamento de homens armados" que são.
Não é à toa que o fascista general Mourão estabeleceu como condicional para a suposta intervenção militar uma incapacidade de o Poder Judiciário resolver a crise, revelando um apoio nada velado ao fascista Sergio Moro, membro da maçonaria a que pertence provavelmente o próprio general Mourão (se não pertencesse, não teria escolhido essa tribuna reacionária para apresentar as suas ameaças). Em minha opinião, o alvo de Mourão não foi a corrupção, não foi principalmente Michel Temer, como parece acreditar o ingênuo editor do 247, mas Lula e o PT, que ele, general Mourão (como, de resto, todos os agentes do Estado da plutocracia) tenta fazer passar como os responsáveis pela crise em que vive o Brasil, tirando-os da cena política, com o propósito de atender aos mesmos interesses servidos por Sérgio Moro, Michel Temer, Rede Globo, etc.