sexta-feira, 1 de setembro de 2017

"Se Lula for condenado vai ter guerra"

Foto: Ricardo Stuckert
Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:

Olhando para o resto do Brasil de um ponto qualquer do Nordeste, como Picuí, na Paraíba, Mossoró, no Rio Grande do Norte, ou ainda Juazeiro, no Ceará, não há dúvida que a caravana de Lula se encaminha para atingir o objetivo inicial: denunciar, por todos os meios legítimos, a consumação de um golpe dentro do golpe.

Não custa rememorar. Exatamente um ano depois do impeachment sem provas de crime de responsabilidade que afastou Dilma Rousseff, procura-se, pela segunda vez, fazer o mal pela raiz: impedir, de qualquer maneira, Lula de disputar a presidência da República Numa investigação que teve início no Ministério Público de São Paulo, muito antes da Lava Jato, a Justiça não consegue provar que Lula teria recebido um apartamento no Guarujá como suborno pela prestação de favores a uma empreiteira envolvida com transações corruptas com a Petrobras.

“Se Lula for condenado, vai haver guerra”, me disse Antônio Ednilo Costa, 72 anos, presente ao ato público em defesa de Lula que reuniu perto de 30 000 pessoas, terça-feira passada, no centro de Quixadá, no Ceará.

“O povo já entendeu: querem condenar Lula sem provas”, diz ele. “Vamos votar em quem?”, pergunta, definindo, com a simplicidade cortante que costuma faltar a analistas supostamente sofisticados, a questão central do recurso a ser examinado pelo Tribunal Federal de Recursos da 4ª. Região. Agricultor aposentado, ele foi sindicalista por 30 anos mas continua cuidando de uma pequena área de terra num assentamento próximo.

Numa região do país que Lula tem percorrido desde 17 de agosto, reações desse tipo são mais comuns do que se imagina. Não devem ser entendidas no sentido militar, obviamente, mas político.

Momentos antes de um ato público gigantesco – desta vez em Ouricuri, em Pernambuco -- na tarde de quinta-feira, o também aposentado Antônio Rodrigues dos Santos, pai de duas filhas, quatro netos, disse ao 247:

- Esse pessoal de Brasília pensa que a gente do interior não entende o que acontece. Na verdade, o povo está sacando até demais.

Sua mulher intervém na conversa para falar sobre a possibilidade de Lula ser impedido concorrer em 2018:

- O ódio contra Temer e Moro (ela fala “Moura”) só vai aumentar, diz ela.

Capaz de deixar a residência em Granito, a uma hora e 15 de viagem de carro, para assistir ao protesto em Ouricuri, Antônio Rodrigues dos Santos explica: “somos fanáticos por Lula. Toda pessoa que vive na pobreza foi beneficiada por ele, o que foi bom para todo o povo”.

Temperado pelo desnudamento dos escândalos que envolvem o comando do governo Temer e aliados, o agravamento das condições de vida da população de um ano para cá confirma uma verdade na qual muitas pessoas tinham dificuldade de acreditar: que a denúncia do impeachment estava longe de limitar-se a um debate jurídico. Envolvia decisões que teriam consequências imediatas na vida de toda a população, dando um novo conteúdo ao debate político do país.

“O pessoal está chegando à minha venda sem dinheiro para pagar um copo d’água” diz Francisca Nogueira, 52 anos, uma senhora elegante que na quarta feira foi às ruas de Solonópole, no interior do Ceará, para manifestar apoio a Lula. Consequência de uma política econômica em direção ao Estado Mínimo, uma recessão que atingiu grandes, médias, pequenas e minúsculas empresas produz cenas antes impensáveis.

“Às vezes eu fecho o caixa do dia com menos de 10 reais” contou Francisca ao 247. Com os cortes no FIES, sumiu o crédito que permitia a seu filho pagar a faculdade.

Em Banabiu, um aposentado com dificuldade para caminhar por causa de uma artrose foi a rua – movido pelo receio de ter o benefício cortado nos programas de redução de gastos da Previdência.

No interior do Ceará, mudanças relacionadas ao desmonte da Petrobras transformaram um investimento milionário em biodiesel, próximo de Quixadá, numa morte programada. Criada em 2008, como uma resposta tecnológica pela busca de formas de energia limpas e renováveis, uma usina de biodiesel da região gerava benefícios sociais de bom tamanho. Se o número de empregos diretos ficava em 170, nasceu uma cauda longa na criação de postos de trabalho e formas associadas de renda: permitia contratar 22 000 agricultores para fornecer óleo vegetal que pode ser transformado em combustível, num universo amplo que inclui a mamona – rara e cara – e a soja, mais barata e abundante. Meses depois da troca de diretoria da Petrobras, uma das medidas inaugurais do golpe, a usina foi descontinuada, para usar o eufemismo preferido dos programas de ajuste: sobreviveram 6 funcionários, ou apenas 5% do elenco inicial, que até hoje permanecem em seus cargos num ambiente de tensão permanente – sem nada para fazer, pois a produção foi inteiramente interrompida. O argumento para uma medida tão drástica foi que a usina trabalhava sem margem de lucro. Era uma questão solucionável. Parte interessada na negociação, o governo de Camilo Santana, do PT, topou uma negociação tripartite: abria mão de mais de 90% daquilo que o Estado deveria receber e, em troca a Petrobras poderia manter a usina em funcionamento. A empresa não aceitou, mantendo a usina em seu regime de purgatório, que ninguém sabe quando irá terminar.

Em Mossoró, a professora Hubeônia Morais de Alencar, diretora do curso de Letras e Artes da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte, amargou uma longa fila de espera na porta do hotel Garbos, onde a comitiva do presidente se hospedou, até chegar sua vez de dar um abraço em Lula. “Não é fanatismo,” disse ela ao 247. “É reconhecimento”. Num depoimento emocionado, enviado por email, Hubeônia explica: “vivi e senti na pele, no coração e na alma, o desprezo dos políticos por nós. Filha de pais semi-analfabetos, durante anos fui a exceção: a única da família a ter ensino superior. Fui a primeira a cursar mestrado, doutorado. Ao olhar para o passado e ver todas as dificuldades que passei, vejo o que Lula fez pelo nosso povo. Hoje, em minha cidadezinha (Caraúbas) tem um campus de uma universidade federal. No município vizinho (Apodi) tem um Instituto Federal. Os jovens da minha comunidade já não precisam passar pelo que passei. Isso é fantástico”.

No Instituto Federal de Educação de Quixadá, onde Lula fez uma aparição rápida, foi possível ouvir palavras de reconhecimento mesmo junto a estudantes que tem uma visão de mundo e um projeto político de oposição ao Partido dos Trabalhadores e ao pensamento de esquerda em geral. Enquanto uma parcela majoritária de alunos fazia uma festa em torno de Lula, o estudante Fernando Barreiro, 26 anos, do curso de Engenharia de Produção, mantinha-se à parte, estabelecendo uma diferença. “Sou a favor do Mercado e acho que a intervenção do Estado na economia prejudica o crescimento, gera desperdício e mesmo corrupção”, disse ele ao 247. Mesmo com um ponto de vista politicamente oposto, Fernando Barreiro apontava méritos no esforço do governo para colocar os Institutos Federais de pé – apenas no Rio Grande do Norte, foram 19 institucionais, um salto de 90%, em 12 anos. “São instituições que têm um padrão de pesquisa e produção de conhecimento que você não encontra nas escolas privadas,” disse ele.

A partir desta primeira Caravana, que se encerra 5 de setembro em São Luiz, Lula e a população nordestina mostram a disposição de fazer sua parte para preservar avanços que sintetizam o melhor da história social e política do país. Outras caravanas estão programadas para os próximos meses. Resta saber se serão correspondidas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comente: