terça-feira, 10 de outubro de 2017

Ativistas detonam a "Lei do Facebook"

Por Conceição Lemes, no blog Viomundo:

Madrugada de quinta-feira, 5 de outubro. O plenário da Câmara dos Deputados aprova, em meio à reforma política, a censura à internet durante o período eleitoral, violando o Marco Civil e incentivando denúncias vazias.

À tarde, o Senado ratifica o texto da Câmara, inclusive a obrigatoriedade de provedores removerem conteúdo sem ordem judicial, em até 24 horas, quando candidatos ou partidos reclamarem de críticas, mesmo improcedentes.

A insensatez foi tão grande que juntou, numa mesma trincheira, o impensável: de movimentos sociais e de direitos humanos a setores econômicos com os mais variados interesses.

Manhã de sexta-feira, 6 de outubro. O deputado Aureo (SD/RJ), autor da emenda, recua. Por volta de 11h30, em nota à imprensa, informa:

Procurei o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, para que ele peça o veto do trecho ao presidente da República. A repercussão do caso provou que o assunto precisa ser amplamente discutido e precisamos ouvir melhor os cidadãos para construir um texto que preserve a livre manifestação do pensamento e, ao mesmo tempo, combata os criminosos que circulam nos meios digitais.

Às 12h20, em nota oficial, a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência diz que Temer atenderá o pedido do parlamentar.

Foram aproximadamente 34 horas de perplexidade, suspense, debate e articulação.

“Absurdo total incluir na lei da reforma política um tema como esse, sem qualquer debate”, critica a jornalista e blogueira Renata Mielli, coordenadora-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC).

Porventura as leis do país não valem em períodos eleitorais, que devem ter então regras excepcionais?, questiona.

“Felizmente, a sociedade estava atenta e denunciou rápido. A imediata reação e mobilização de vários setores deixaram uma única alternativa ao governo, o veto”, salienta Renata. “A pressão funcionou.”

Dois problemas gravíssimos foram mantidos

Sérgio Amadeu é sociólogo, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) e pesquisador de cibercultura.

Em artigo postado em um grupo de whatsapp na manhã de sexta-feira, ele apontou três problemas, que considerava gravíssimos na lei aprovada no dia anterior no Congresso Nacional:

1) Censura à rede

2) Proibição de nicknames [apelidos] e codinomes

3) Privilégio às postagens pagas.

Após a divulgação de que o item seria vetado, Sergio Amadeu comentou no twitter:

“Governo recua na censura, mas mantém proibição de nicks e codinomes na disputa eleitoral. Também beneficia a propaganda paga no Facebook”.

Vejamos os problemas 2 e 3, começando pelos apelidos e codinomes.

A lei da reforma política – nº 13.488, de 6 de outubro de 2017, foi publicada na própria sexta-feira, em edição extra do Diário Oficial da União.

O parágrafo 2 do artigo 57-B diz:

2º Não é admitida a veiculação de conteúdos de cunho eleitoral mediante cadastro de usuário de aplicação de internet com a intenção de falsear identidade.

Portanto, a lei aprovada proíbe o uso de fakes ou outras identidades nas redes sociais para quem fizer veiculação de conteúdo eleitoral.

“Dito de outro modo, para discutir e comentar a política, você não poderá utilizar codinomes, nicknames”, traduz Amadeu.

Ele cita dois exemplos que, se ocorressem no Brasil do golpe de 2016, seriam atingidos pela nova lei.

Um deles, o jornalista, dramaturgo e escritor Nelson Rodrigues.

Na década de 1940, ele assinava com o pseudônimo Suzana Flag a coluna Meu destino é pecar, em O Jornal, dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand. Nelson Rodrigues seria criminalizado e não lançaria os sete livros que resultaram das colunas.

O outro exemplo: a grande obra da teoria política norte-americana, Escritos Federalistas. Afinal, foi a compilação de textos publicados nos jornais The Independent e The New York Packet por Alexandre Hamilton, James Madison e John Jay, sob o nickname Publius.

“Como vêem, a proibição pretendida pela nova lei eleitoral brasileira já seria anacrônica no século XVIII”, observa Amadeu.

O terceiro problema nova lei está no artigo 57-C:

“Art. 57-C. É vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet, excetuado o impulsionamento de conteúdos, desde que identificado de forma inequívoca como tal e contratado exclusivamente por partidos, coligações e candidatos e seus representantes.”

“Impulsionamento de conteúdo” é eufemismo.

“Para impulsionar tem que patrocinar”, explica Renata Mielli.

Em bom brasileiro: posts pagos.

Em “feicebuquês”: posts patrocinados, criados por Zuckerberg.

O projeto aprovado proíbe propaganda paga no rádio e TV, mas não, na internet.

Assim, os candidatos poderão “impulsionar” conteúdos – leia-se pagar likes e posts no Facebook e outros mecanismos dessas megacorporações—mas não poderão pagar anúncios em blogs.

“É a lei do Facebook!”, detona Amadeu no twitter.

Parêntese 1, de Renata Mielli, reiterando o que disse há três meses no artigo Facebook: 2 bilhões de usuários e um projeto para dominar o mundo

Eu, você, e todos que postamos NOSSOS conteúdos no Facebook trabalhamos gratuitamente para o Zuckerberg ficar cada vez mais risco.

E para se ter uma ideia do quanto nosso trabalho é lucrativo, em 2016 o Facebook teve um receita de US$ 26,8 bilhões, 57% maior que em 2015. Seu lucro líquido aumentou 117%.

Ah, você pode me questionar agora, “mas não pagamos nada por isso”, o Facebook é “de grátis” e a gente é visto por muita gente. Mais ou menos.

Primeiro, pagamos com o nosso trabalho, com o tempo que dedicamos a curtir, reagir e postar coisas no Facebook. E uma das máximas do capitalismo pode ser expressa pela frase time is money – tempo é dinheiro.

Segundo, a gente precisa pagar para ser visto, ou para termos a sensação que estamos sendo vistos, lidos e seguidos. São os tais posts patrocinados.

Terceiro, quem determina quando e quem vai ver sua postagem é um código que, no fundo, ninguém sabe como funciona de verdade e quais são os parâmetros de dados utilizados para definir a sua programação.


Fechando parêntese.

Como likes são vendidos em leilões, o Facebook lucrará muito. Afinal, quem tiver mais dinheiro, comprará mais likes e posts visualizados.

“Já os candidatos pobres terão seus posts bloqueados pela rede do Zuckerberg, que vai monetizar a alma dos eleitores”, vai fundo Amadeu, que defende a proibição dos posts pagos.

Não é à toa que as associações Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Nacional de Editores de Revistas (Aner), Nacional de Jornais (ANJ), Facebook e Google protestaram apenas em relação à censura.

“Não podemos nos enganar, os motivos que levaram setores empresariais a se posicionarem contra a lei são diferentes dos nossos”, alerta Renata Mielli, que também é membro da Coalizão Direitos na Rede.

Parêntese 2: A Coalizão Direitos na Rede é uma articulação de movimentos sociais e entidades da sociedade civil que se juntaram em defesa dos direitos constitucionais fundamentais, da liberdade de expressão e da pluralidade política, bem como as conquistas do Marco Civil da Internet.

Integram-na:

Actantes

Articulação Marco Civil Já

Artigo 19

ASL — Associação Software Livre

Casa da Cultura Digital de Porto Alegre

Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé

Ciranda da Comunicação Compartilhada

Coding Rights

Colaboratório de Desenvolvimento e Participação — COLAB-USP

Coletivo Digital

Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV-RJ

Garoa Hacker Clube

Grupo de Estudos em Direito, Tecnologia e Inovação do Mackenzie

Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso a Informação/GPoPAI da USP

Idec — Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor

Instituto Beta: Internet & Democracia

Instituto Bem-Estar Brasil

Intervozes — Coletivo Brasil de Comunicação Social

Instituto Iris

Instituto Igarapé

Instituto Nupef

ITS-Rio — Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro

LAVITS — Rede latina-americana de estudos sobre vigilância, tecnologia e Sociedade

Movimento Mega

Núcleo de Estudos em Tecnologia e Sociedade da USP — NETS/USP

PROTESTE — Associação de Consumidores

Internet Sem Fronteiras Brasil

Fechando parêntese.

No caso da mídia e provedores, Renata Mielli acredita que três fatores devem ter pesado muito para eles se posicionarem contra a censura na rede no período eleitoral.

Primeiro: a insegurança jurídica, uma vez que passaria a haver duas leis com comando totalmente distintos sobre o assunto. Uma seria esta que não prosperou. A outra é o Marco Civil da Internet. Poderia resultar num enxurrada de processos contra a retirada arbitrária de conteúdos, tomando como parâmetro o Marco Civil.

Segundo: a gestão de retirada de conteúdos com base apenas na denúncia de um usuário. Ela geraria responsabilidade aos provedores, que são intermediários, e eles não querem assumir isso – nem devem.

Terceiro: a logística para atender à demanda de retirada de conteúdos também poderia ser complexa de operar, levando a custos econômicos.

Já no campo dos movimentos sociais e de direitos humanos, a medida, além de promover a censura, abriria precedente perigoso para outras investidas contra a liberdade de expressão na internet.

“Mas, como há muitos projetos em tramitação no Congresso sobre o assunto, temos de continuar alertas”, antecipadamente já previne Renata Mielli, que, assim como Sérgio Amadeu, é ativista.

2 comentários:

  1. NÃO VAMOS ACEITAR MAIS GOLPE ALGUM CHEGA ESTAMOS FARTOS DE CAFAJESTES QUEREREM DITAR NORMAS AQUI.

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  2. Facam como eu, que a cada dia, acesso menos o face.

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