Foto: Cidoli |
“Um grande projeto corporativo”, nas palavras de Eugênio Aragão, a Operação Lava Jato foi tema de debate em São Paulo, nesta sexta-feira (20). O ex-ministro da Justiça e o jornalista Paulo Moreira Leite discutiram os abusos cometidos pela chamada “República de Curitiba” e o papel crucial dos meios de comunicação para transformar a pauta em um grande espetáculo. A atividade foi parte de ciclo de debates promovido pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé durante a Semana Nacional pela Democratização da Comunicação.
“Não é que a Lava Jato não tenha nada de relevante e não contenha pressupostos importantes para a sociedade”, pondera Aragão. O problema, segundo o procurador recentemente aposentado, é que isso “tem sido feito de forma atabalhoada e seletiva. É partidário, militante, sempre pela acusação”.
Para entender a aura de “cruzada ética” reivindicada pelo juiz Sérgio Moro e os demais protagonistas da Lava Jato, Aragão remonta ao impeachment de Fernando Collor, em 1989. “Ali, o Ministério Público já se ensaiava como órgão mais vocacionado para intermediar os interesses da sociedade civil e do Estado. Foi com essa atuação de tutela que o MP se catapultou dentro da Constituinte de 1987 e 1988”, diz.
Conforme explica o ex-ministro, a imprensa estimulou o MP a tomar esse caminho já naquela época. Sob o comando do então Procurador Geral da República Aristides Junqueira, que havia assumido as tarefas de acusar e investigar o presidente da República, os procuradores que participaram da investigação de Collor eram chamados pela mídia de “Os Intocáveis”, recorda Aragão. “Isso mexeu com os brios dessa gente, criando uma cultura do heroísmo no MP”. A Operação Lava Jato, neste sentido, é uma conquista do MP em obter tamanho protagonismo político no manuseio de suas atribuições constitucionais, frisa.
Segundo ele, é preciso entender quem são esses “intocáveis” para compreender como agem. “Muitos dos meninos que se sentiram atraídos para a carreira do MP estavam inebriados com essa cultura do individualismo. Uma carreira extremamente bem remunerada, com possibilidade de virar herói e com uma carteira que você esfrega na cara de toda e qualquer autoridade. Quem não quer?”. A Lava Jato, por isso, “é um grande projeto de auto-afirmação”.
Não à toa, Aragão opina que a condenação de Lula produzida por Moro é “vagabundérrima”. E o caso do ex-presidente ilustra bem o quadro exposto pelos debatedores: “A condenação não leva em conta testemunhas, ignora a defesa de Lula e passa mais da metade do texto tentando se justificar”.
A atuação daninha da mídia, na visão dos debatedores, é fundamental para que a sociedade passe a acreditar piamente nesse Direito Penal “expandido”, como se fosse praticado por “vestais”, como define o ex-ministro. “Esse Direito Penal, na verdade, é um instrumento estigmatizador, na mão de pessoas que não são melhores daqueles que eles acusam”, argumenta. “Os procuradores que dizem que a sociedade está infestada pelo mal são os mesmos que passam a mão na cabeça de seus pares quando cometem irregularidades”.
Autor do livro A outra história da Lava-Jato (Geração Editorial), Paulo Moreira Leite relembra que Moro, em sua tese de 2004 sobre a Operação Mãos Limpas, na Itália, diz que seria preciso o apoio de uma “mídia simpática” para “deslegitimar políticos populares difíceis de serem investigados”.
Segundo ele, o modus operandi da Operação tem consolidado a Lava Jato como o instrumento da construção de uma ditadura no Brasil. “Num Estado de exceção, já estamos. Abusos são encarados como algo normal, coisas da vida”, opina.
A mídia monopolista exerce também um monopólio da narrativa sobre a Lava Jato, aponta o jornalista. “Não existe Lava Jato sem a mídia. Ela impede e desmoraliza quem faz a sua crítica. Ela é uma realidade e, ao mesmo tempo, uma grande fantasia”. Os grandes meios de comunicação, acrescenta Paulo Moreira Leite, produzem ideologia e alimentam uma visão de mundo que legitimam ações autoritárias e afirmam preconceitos - “o brasileiro é naturalmente corrupto”, “nossos políticos não prestam”, “nossos empresários são malandros” e por aí vai. “É uma doutrina. Uma ideologia reanimada pela Lava Jato. Dá, para o conservadorismo brasileiro e para a elite, um herói que eles não tinham há tempos: Sérgio Moro”.
De acordo com ele, o projeto erguido a partir da Lava Jato, que impõe a exceção no Estado democrático de direito, tem como pressuposto esmagar as diferenças e a oposição. “Não se pode nem tentar arranhar a imagem da hegemonia do capital financeiro”, salienta Leite. “Se tivéssemos uma mídia plural, provavelmente não teríamos essa unanimidade. Não soubemos enfrentar a mídia, tomar medidas para, de fato, modificar a tal correlação de forças. Foi uma opção equivocada dos governos progressistas no país e que custaram caro”.
Na visão do jornalista, a estratégia dos governos do PT foi explorar ao máximo os ganhos que pudessem ser obtidos com o menor risco, conflito e confrontos possíveis. “Isso foi muito bem sucedido durante algum tempo. Mas é complicado conservar essa visão quando você lida com a mídia. Mídia é poder. Se você não mexe com um poder do tamanho do poder que a mídia tem no Brasil, você não consegue trabalhar e nem se defender”.
Apesar disso, o jornalista avalia que a situação política de hoje não é mais a de triunfo do golpe. Há desgaste no governo e na própria Lava Jato. “Nem com a cobertura protetora por parte da mídia a Lava Jato tem se sustentado”, argumenta. “A parcela da população que gosta da Lava Jato caiu de 90% para 50%, segundo pesquisas. Tem quem ache, até, que ela agravou a corrupção. O herói Sérgio Moro é imperfeito. E já começa a ruir”.
Desnacionalização, desemprego, desmonte
Os danos à democracia e ao Estado de direito não são os únicos efeitos da midiática Lava Jato. A Operação também deixa um rastro de destruição na economia, que vem resultando em um processo de crescente desnacionalização e desemprego. “Alguns desses procuradores acham, de forma ingênua, que o dever deles é livrar o Brasil das chagas da corrupção. Mas é uma garotada sem nenhuma noção de política, de economia e de gestão de empresas. E se metem a explorar o modo de vida de empresas de grande porte, sem nem saber como operam”, critica.
O caráter punitivo adotado por Moro e seus pares, segundo Aragão, é suicida, agravando o cenário de desmonte provocado pelo governo de Michel Temer. “É como punir a Volskwagen por desvios de alguns funcionários ou gerentes”, compara. “Não é porque a empresa teve uma conduta equivocada, por conta de decisões de seus executivos, que você destrói a empresa”.
Ao demolir a reputação e a credibilidade de empresas como a Odebrecht, a Lava Jato não está apenas destruindo a empresa, mas praticando uma espécie de auto-sabotagem do Brasil, detonando ativos próprios. “É razoável fazer algum tipo de intervenção na empresa, algum acordo para afastar diretores, levantar estragos e buscar negociação de leniências para que a empresa sobreviva. Com a mais absoluta discrição. É assim que se faz em qualquer país do mundo”, reflete.
“Nenhum outro país entrega informações estratégicas sobre suas empresas para a imprensa marrom. É isso que a Lava Jato fez”, acrescenta Aragão. O efeito é devastador: desemprego nas alturas e o impedimento de participação em licitações. “Empresas foram destruídas sem que se colocassem nada em seu lugar. Brasil ficou desprovido de empresas nacionais para suprir lacuna dessas empresas destruídas pela Lava Jato. O investidor que preenche essa lacuna é o aventureiro, o urubu. Sabe que o risco é grande, mas dadas as condições, pode montar o seu preço”.
O viés ideológico, hegemônico e oportunista dos procuradores por trás da Lava Jato, somado à ideia de se empoderarem, “do poder pelo poder”, não os deixa enxergar esse cenário, avalia. Em consonância com Paulo Moreira Leite, Aragão também pensa que o establishment já está percebendo que a Operação tem sido mais um estorvo do que uma força positiva para a recuperação econômica do Brasil. “Só o fato de ser aceitável, hoje, você ter uma posição crítica à Lava Jato, mostra que há uma mudança em curso na opinião pública. Há um desgaste claro. O problema é que às vezes um leão ferido pode ser mais perigoso que um leão saudável”.
Para entender a aura de “cruzada ética” reivindicada pelo juiz Sérgio Moro e os demais protagonistas da Lava Jato, Aragão remonta ao impeachment de Fernando Collor, em 1989. “Ali, o Ministério Público já se ensaiava como órgão mais vocacionado para intermediar os interesses da sociedade civil e do Estado. Foi com essa atuação de tutela que o MP se catapultou dentro da Constituinte de 1987 e 1988”, diz.
Conforme explica o ex-ministro, a imprensa estimulou o MP a tomar esse caminho já naquela época. Sob o comando do então Procurador Geral da República Aristides Junqueira, que havia assumido as tarefas de acusar e investigar o presidente da República, os procuradores que participaram da investigação de Collor eram chamados pela mídia de “Os Intocáveis”, recorda Aragão. “Isso mexeu com os brios dessa gente, criando uma cultura do heroísmo no MP”. A Operação Lava Jato, neste sentido, é uma conquista do MP em obter tamanho protagonismo político no manuseio de suas atribuições constitucionais, frisa.
Segundo ele, é preciso entender quem são esses “intocáveis” para compreender como agem. “Muitos dos meninos que se sentiram atraídos para a carreira do MP estavam inebriados com essa cultura do individualismo. Uma carreira extremamente bem remunerada, com possibilidade de virar herói e com uma carteira que você esfrega na cara de toda e qualquer autoridade. Quem não quer?”. A Lava Jato, por isso, “é um grande projeto de auto-afirmação”.
Não à toa, Aragão opina que a condenação de Lula produzida por Moro é “vagabundérrima”. E o caso do ex-presidente ilustra bem o quadro exposto pelos debatedores: “A condenação não leva em conta testemunhas, ignora a defesa de Lula e passa mais da metade do texto tentando se justificar”.
A atuação daninha da mídia, na visão dos debatedores, é fundamental para que a sociedade passe a acreditar piamente nesse Direito Penal “expandido”, como se fosse praticado por “vestais”, como define o ex-ministro. “Esse Direito Penal, na verdade, é um instrumento estigmatizador, na mão de pessoas que não são melhores daqueles que eles acusam”, argumenta. “Os procuradores que dizem que a sociedade está infestada pelo mal são os mesmos que passam a mão na cabeça de seus pares quando cometem irregularidades”.
Autor do livro A outra história da Lava-Jato (Geração Editorial), Paulo Moreira Leite relembra que Moro, em sua tese de 2004 sobre a Operação Mãos Limpas, na Itália, diz que seria preciso o apoio de uma “mídia simpática” para “deslegitimar políticos populares difíceis de serem investigados”.
Segundo ele, o modus operandi da Operação tem consolidado a Lava Jato como o instrumento da construção de uma ditadura no Brasil. “Num Estado de exceção, já estamos. Abusos são encarados como algo normal, coisas da vida”, opina.
A mídia monopolista exerce também um monopólio da narrativa sobre a Lava Jato, aponta o jornalista. “Não existe Lava Jato sem a mídia. Ela impede e desmoraliza quem faz a sua crítica. Ela é uma realidade e, ao mesmo tempo, uma grande fantasia”. Os grandes meios de comunicação, acrescenta Paulo Moreira Leite, produzem ideologia e alimentam uma visão de mundo que legitimam ações autoritárias e afirmam preconceitos - “o brasileiro é naturalmente corrupto”, “nossos políticos não prestam”, “nossos empresários são malandros” e por aí vai. “É uma doutrina. Uma ideologia reanimada pela Lava Jato. Dá, para o conservadorismo brasileiro e para a elite, um herói que eles não tinham há tempos: Sérgio Moro”.
De acordo com ele, o projeto erguido a partir da Lava Jato, que impõe a exceção no Estado democrático de direito, tem como pressuposto esmagar as diferenças e a oposição. “Não se pode nem tentar arranhar a imagem da hegemonia do capital financeiro”, salienta Leite. “Se tivéssemos uma mídia plural, provavelmente não teríamos essa unanimidade. Não soubemos enfrentar a mídia, tomar medidas para, de fato, modificar a tal correlação de forças. Foi uma opção equivocada dos governos progressistas no país e que custaram caro”.
Na visão do jornalista, a estratégia dos governos do PT foi explorar ao máximo os ganhos que pudessem ser obtidos com o menor risco, conflito e confrontos possíveis. “Isso foi muito bem sucedido durante algum tempo. Mas é complicado conservar essa visão quando você lida com a mídia. Mídia é poder. Se você não mexe com um poder do tamanho do poder que a mídia tem no Brasil, você não consegue trabalhar e nem se defender”.
Apesar disso, o jornalista avalia que a situação política de hoje não é mais a de triunfo do golpe. Há desgaste no governo e na própria Lava Jato. “Nem com a cobertura protetora por parte da mídia a Lava Jato tem se sustentado”, argumenta. “A parcela da população que gosta da Lava Jato caiu de 90% para 50%, segundo pesquisas. Tem quem ache, até, que ela agravou a corrupção. O herói Sérgio Moro é imperfeito. E já começa a ruir”.
Desnacionalização, desemprego, desmonte
Os danos à democracia e ao Estado de direito não são os únicos efeitos da midiática Lava Jato. A Operação também deixa um rastro de destruição na economia, que vem resultando em um processo de crescente desnacionalização e desemprego. “Alguns desses procuradores acham, de forma ingênua, que o dever deles é livrar o Brasil das chagas da corrupção. Mas é uma garotada sem nenhuma noção de política, de economia e de gestão de empresas. E se metem a explorar o modo de vida de empresas de grande porte, sem nem saber como operam”, critica.
O caráter punitivo adotado por Moro e seus pares, segundo Aragão, é suicida, agravando o cenário de desmonte provocado pelo governo de Michel Temer. “É como punir a Volskwagen por desvios de alguns funcionários ou gerentes”, compara. “Não é porque a empresa teve uma conduta equivocada, por conta de decisões de seus executivos, que você destrói a empresa”.
Ao demolir a reputação e a credibilidade de empresas como a Odebrecht, a Lava Jato não está apenas destruindo a empresa, mas praticando uma espécie de auto-sabotagem do Brasil, detonando ativos próprios. “É razoável fazer algum tipo de intervenção na empresa, algum acordo para afastar diretores, levantar estragos e buscar negociação de leniências para que a empresa sobreviva. Com a mais absoluta discrição. É assim que se faz em qualquer país do mundo”, reflete.
“Nenhum outro país entrega informações estratégicas sobre suas empresas para a imprensa marrom. É isso que a Lava Jato fez”, acrescenta Aragão. O efeito é devastador: desemprego nas alturas e o impedimento de participação em licitações. “Empresas foram destruídas sem que se colocassem nada em seu lugar. Brasil ficou desprovido de empresas nacionais para suprir lacuna dessas empresas destruídas pela Lava Jato. O investidor que preenche essa lacuna é o aventureiro, o urubu. Sabe que o risco é grande, mas dadas as condições, pode montar o seu preço”.
O viés ideológico, hegemônico e oportunista dos procuradores por trás da Lava Jato, somado à ideia de se empoderarem, “do poder pelo poder”, não os deixa enxergar esse cenário, avalia. Em consonância com Paulo Moreira Leite, Aragão também pensa que o establishment já está percebendo que a Operação tem sido mais um estorvo do que uma força positiva para a recuperação econômica do Brasil. “Só o fato de ser aceitável, hoje, você ter uma posição crítica à Lava Jato, mostra que há uma mudança em curso na opinião pública. Há um desgaste claro. O problema é que às vezes um leão ferido pode ser mais perigoso que um leão saudável”.
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