Por Gilberto Maringoni, na revista Fórum:
Não sei avaliar a qualidade da ração para pobres lançada por João Doria em vídeo para lá de bizarro. É bem possível que seja uma gororoba indigesta feita para saciar a demagogia endêmica do turista que ora ocupa a prefeitura de São Paulo.
Não sei avaliar a qualidade da ração para pobres lançada por João Doria em vídeo para lá de bizarro. É bem possível que seja uma gororoba indigesta feita para saciar a demagogia endêmica do turista que ora ocupa a prefeitura de São Paulo.
Há algo mais grave na operação marqueteira. É o potencial socialmente desagregador da coisa.
Sem comparações mecanicistas, lembremos de como se deu a Revolta da Vacina, em novembro de 1904, no Rio de Janeiro. Ela irrompeu no bojo da campanha de vacinação obrigatória contra a varíola, dirigida pelo governo federal.
A vacina em si era medida profilática positiva. A campanha fora proposta por Osvaldo Cruz e sua aplicação resultou em uma das medidas mais desastrosas da República Velha. Agentes sanitários tinham permissão para entrar em residências, acompanhados de escolta policial, para ministrar o medicamento.
Logo disseminou-se o boato de que a vacina era na verdade veneno para matar pobres. Pior: seria aplicada em partes íntimas das mulheres. Havia um caldo de cultura para lá de explosivo. Ainda não estava superada a brutal recessão produzida pelo governo Campos Salles (1898-1902), com o propósito de estabilizar a economia.
Não há indício algum que algo semelhante possa acontecer.
Mas se pegar a ideia de que Doria está destinando lixo aos pobres, as consequências podem levar a declinante popularidade do saltitante alcaide definitivamente para o ralo.
Sem comparações mecanicistas, lembremos de como se deu a Revolta da Vacina, em novembro de 1904, no Rio de Janeiro. Ela irrompeu no bojo da campanha de vacinação obrigatória contra a varíola, dirigida pelo governo federal.
A vacina em si era medida profilática positiva. A campanha fora proposta por Osvaldo Cruz e sua aplicação resultou em uma das medidas mais desastrosas da República Velha. Agentes sanitários tinham permissão para entrar em residências, acompanhados de escolta policial, para ministrar o medicamento.
Logo disseminou-se o boato de que a vacina era na verdade veneno para matar pobres. Pior: seria aplicada em partes íntimas das mulheres. Havia um caldo de cultura para lá de explosivo. Ainda não estava superada a brutal recessão produzida pelo governo Campos Salles (1898-1902), com o propósito de estabilizar a economia.
Não há indício algum que algo semelhante possa acontecer.
Mas se pegar a ideia de que Doria está destinando lixo aos pobres, as consequências podem levar a declinante popularidade do saltitante alcaide definitivamente para o ralo.
Todos os restos de comida descartada podem, efetivamente, ser reaproveitados bioquimicamente. Na década de 1990, quando estudante de Medicina na UFMG (curso que abandonei por não ser capaz de conciliá-lo com o trabalho no CESEC do Banco do Brasil), me lembro de ter ouvido algo a respeito de pesquisas na universidade federal mineira que levaram ao desenvolvimento de uma farinha extremamente nutritiva, passível de ser acrescentada à refeição corriqueira de seres humanos , complementando-a com nutrientes indispensáveis ao bom funcionamento e desenvolvimento do organismo humano, melhorando, portanto, a nutrição das pessoas que viessem a utilizar essa farinha. O problema da proposta do Dória é o elitismo que sustentou a proposta. Deveríamos elogiar um governante qualquer que dissesse que destinaria recursos para o desenvolvimento de tecnologias destinadas ao aproveitamento dos descartes de comida, visando à produção de uma farinha como a que citei (essa é a forma final mais provável deste tipo de reciclagem de alimentos). O destino do produto final - da hipotética farinha com comprovado alto valor nutritivo e com sabor devidamente adequado ao paladar humano, de preferência neutro - poderia ser as creches e escolas públicas, onde se juntaria aos alimentos comprados junto aos pequenos produtores de alimentos. Mesmo em uma sociedade como a Noruega ou Japão, a produção de um alimento deste gênero deveria ser incentivado e acolhido como medida racionalmente correta. Portanto, a crítica ao Dória é correta porque a sua proposta foi envolvida com nítido caráter de classe, ao imaginar que tal alimento seria conveniente apenas aos pobres, e não a todos os membros de uma sociedade empenhada em aproveitar da melhor forma possível os recursos naturais, visando conviver em harmonia com o meio ambiente, otimizando o aproveitamento dos nutrientes produzidos, combatendo o desperdício absurdo e criminoso de alimentos, estimado em 30% de todo alimento que se produz no mundo.
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