Por João Paulo Cunha, no jornal Brasil de Fato:
Temer venceu mais uma vez. A Câmara rejeitou a segunda denúncia contra ele e dois de seus ministros, interrompendo o envio da acusação dos crimes de organização criminosa e obstrução da Justiça (esse exclusivamente dele) ao STF. Com isso, o presidente não eleito se mantém no cargo.
Pode-se argumentar que sai enfraquecido, que foi mais difícil dessa vez, que o preço dos votos foi inflacionado e que a oposição obstruiu na medida do possível. Vale tudo na estratégia constrangida de reescrever a derrota como vitória moral: o eleitor dará sua resposta em 2018, a aprovação das reformas paralisadas com a crise será mais custosa e o povo vai retomar as ruas.
A realidade, no entanto, é menos generosa. Não foi apenas mais uma conquista do golpe, que ganha fôlego para completar seu objetivo dentro do calendário político previsto, mas sua elevação a um novo patamar. Em vez de apenas um executor, o projeto antipopular e antinacional agora tem duas cabeças.
Maia e Temer compõem um monstro bifronte, separados na ambição pelo poder, mas que juntos fortalecem ainda mais a destruição do que resta do estado social. Quando a fraqueza de Michel se fizer presente, o pragmatismo oportunista de Rodrigo passa a dar as cartas. No fundo, pode mudar a estratégia, o instrumento legal (emenda ou projeto de lei) e o capataz, mas a encomenda é a mesma.
O sucesso da articulação vitoriosa no plenário não se deu apenas no vazio da crise e da falta de união da oposição. Foi a comprovação de uma estratégia política que vem dominando o país desde a chamada Nova República e que já deu sinais de falência.
Trata-se da construção de maiorias parlamentares artificiais, que permitam a governabilidade, a partir do loteamento do poder e do afrouxamento das regras republicanas. Distribuição de cargos e do butim dos recursos públicos. Essa é a grande tecnologia política do PMDB. Foi assim quando era coadjuvante e se mantém agora quando, pela segunda vez, chega ao poder máximo do país sem voto popular. A diferença é que não precisa mais do véu da convenção nem de procedimentos expiatórios dirigidos ao baixo clero.
Temer, como formulador e um dos mais competentes executores desse poder condominial, é o melhor representante desse estilo tóxico de política. Que, é bom frisar, foi de grande utilidade tanto para tucanos como para petistas.
Vencido o obstáculo posto pelo Ministério Público, o golpe retoma a marcha. Já há algumas ruínas no caminho: o esfacelamento da CLT, o fim dos investimentos sociais, a privatização e desnacionalização de setores estratégicos, a interrupção de políticas sociais, a perda do papel indutor dos bancos públicos e, para o horror e vergonha mundial, a leniência com a escravidão. Ciência, cultura e educação, setores que são índice de futuro, foram esfacelados. A moralização atingiu as políticas de Estado. As próximas etapas já estão desenhadas no horizonte, com primazia para a reforma da previdência.
Atento ao calendário internacional de fóruns e reuniões de organizações de comércio, o governo quer oferecer ao capital internacional seu cartel de benefícios ao mundo globalizado. Há pressa em manifestar a submissão.
É aí que os presidentes do executivo e do legislativo se encontram. Os dois disputam a partir de agora o protagonismo da regressão. Se o vexame da blindagem de Temer for sentido como impeditivo para uma reforma mais ampla, que precisaria de emenda constitucional, o pragmatismo de Maia pode entrar em ação. Comandando a pauta, ele se mostraria como opção mais viável. Atuando no âmbito de projetos de lei, que demandam menos votos para aprovação, ele daria sequência ao jogo de retirada de direitos.
Essa estratégia permitiria garantir do núcleo duro da reforma, com idade mínima, aumento do tempo de contribuição e diminuição das ações de seguridade, com impacto entre trabalhadores rurais e de menor qualificação.
Além da base do governo, independentemente do comando, a oposição envergonhada de parte do PSDB, que votou contra Temer, se junta agora nesse esforço de lesa direitos, movida por identidade programática. Duas situações são capazes de reunir a direita dividida: o gozo pelo privilégio e o ódio ao povo.
Tudo parece levar a crer que a população acompanhará mais essa derrota com indignação e espanto em novas sessões de mau gosto televisivo. E depois outras e mais outras. Os mais ingênuos acreditam que os deputados e senadores mudarão de atitude com medo da perda de apoio nas bases. Os mais otimistas acreditam numa retomada espontânea da mobilização nas ruas como forma de pressão coletiva.
Os que mesclam ingenuidade com otimismo sonham com uma união progressista em torno de um projeto alternativo, com força política para vencer as próximas eleições. Mas não parecem ainda ter a grandeza ou astúcia em dar o primeiro passo. Os mansos sonham com a redenção no futuro, enquanto amargam perdas que se acumulam até a irreversibilidade da destruição dos direitos sociais e da democracia.
As virtudes complacentes não têm sido boas inspirações nem ajudado a desenhar cenários mais promissores.
Pode-se argumentar que sai enfraquecido, que foi mais difícil dessa vez, que o preço dos votos foi inflacionado e que a oposição obstruiu na medida do possível. Vale tudo na estratégia constrangida de reescrever a derrota como vitória moral: o eleitor dará sua resposta em 2018, a aprovação das reformas paralisadas com a crise será mais custosa e o povo vai retomar as ruas.
A realidade, no entanto, é menos generosa. Não foi apenas mais uma conquista do golpe, que ganha fôlego para completar seu objetivo dentro do calendário político previsto, mas sua elevação a um novo patamar. Em vez de apenas um executor, o projeto antipopular e antinacional agora tem duas cabeças.
Maia e Temer compõem um monstro bifronte, separados na ambição pelo poder, mas que juntos fortalecem ainda mais a destruição do que resta do estado social. Quando a fraqueza de Michel se fizer presente, o pragmatismo oportunista de Rodrigo passa a dar as cartas. No fundo, pode mudar a estratégia, o instrumento legal (emenda ou projeto de lei) e o capataz, mas a encomenda é a mesma.
O sucesso da articulação vitoriosa no plenário não se deu apenas no vazio da crise e da falta de união da oposição. Foi a comprovação de uma estratégia política que vem dominando o país desde a chamada Nova República e que já deu sinais de falência.
Trata-se da construção de maiorias parlamentares artificiais, que permitam a governabilidade, a partir do loteamento do poder e do afrouxamento das regras republicanas. Distribuição de cargos e do butim dos recursos públicos. Essa é a grande tecnologia política do PMDB. Foi assim quando era coadjuvante e se mantém agora quando, pela segunda vez, chega ao poder máximo do país sem voto popular. A diferença é que não precisa mais do véu da convenção nem de procedimentos expiatórios dirigidos ao baixo clero.
Temer, como formulador e um dos mais competentes executores desse poder condominial, é o melhor representante desse estilo tóxico de política. Que, é bom frisar, foi de grande utilidade tanto para tucanos como para petistas.
Vencido o obstáculo posto pelo Ministério Público, o golpe retoma a marcha. Já há algumas ruínas no caminho: o esfacelamento da CLT, o fim dos investimentos sociais, a privatização e desnacionalização de setores estratégicos, a interrupção de políticas sociais, a perda do papel indutor dos bancos públicos e, para o horror e vergonha mundial, a leniência com a escravidão. Ciência, cultura e educação, setores que são índice de futuro, foram esfacelados. A moralização atingiu as políticas de Estado. As próximas etapas já estão desenhadas no horizonte, com primazia para a reforma da previdência.
Atento ao calendário internacional de fóruns e reuniões de organizações de comércio, o governo quer oferecer ao capital internacional seu cartel de benefícios ao mundo globalizado. Há pressa em manifestar a submissão.
É aí que os presidentes do executivo e do legislativo se encontram. Os dois disputam a partir de agora o protagonismo da regressão. Se o vexame da blindagem de Temer for sentido como impeditivo para uma reforma mais ampla, que precisaria de emenda constitucional, o pragmatismo de Maia pode entrar em ação. Comandando a pauta, ele se mostraria como opção mais viável. Atuando no âmbito de projetos de lei, que demandam menos votos para aprovação, ele daria sequência ao jogo de retirada de direitos.
Essa estratégia permitiria garantir do núcleo duro da reforma, com idade mínima, aumento do tempo de contribuição e diminuição das ações de seguridade, com impacto entre trabalhadores rurais e de menor qualificação.
Além da base do governo, independentemente do comando, a oposição envergonhada de parte do PSDB, que votou contra Temer, se junta agora nesse esforço de lesa direitos, movida por identidade programática. Duas situações são capazes de reunir a direita dividida: o gozo pelo privilégio e o ódio ao povo.
Tudo parece levar a crer que a população acompanhará mais essa derrota com indignação e espanto em novas sessões de mau gosto televisivo. E depois outras e mais outras. Os mais ingênuos acreditam que os deputados e senadores mudarão de atitude com medo da perda de apoio nas bases. Os mais otimistas acreditam numa retomada espontânea da mobilização nas ruas como forma de pressão coletiva.
Os que mesclam ingenuidade com otimismo sonham com uma união progressista em torno de um projeto alternativo, com força política para vencer as próximas eleições. Mas não parecem ainda ter a grandeza ou astúcia em dar o primeiro passo. Os mansos sonham com a redenção no futuro, enquanto amargam perdas que se acumulam até a irreversibilidade da destruição dos direitos sociais e da democracia.
As virtudes complacentes não têm sido boas inspirações nem ajudado a desenhar cenários mais promissores.
As análises políticas do João Paulo Cunha, comentarista também da Rede Minas (pelo menos enquanto a Rede Minas podia ser sintonizada onde moro), são sempre muito lúcidas e repletas de percepções que costumam escapar a muitos dos analistas do campo progressista. Confesso que também tive vontade de postar uma análise com o mesmo significado, porém, sem a amplitude e competência desta que aqui se lê. Há, aqui, três pontos em que João Paulo Cunha diverge das análises mais comuns, e que deveriam ser levados mais a sério por todos os que militam no campo da oposição, de maneira geral, e da esquerda, de maneira específica. O primeiro deles é a crença de que as eleições de 2018, ao eleger um candidato de esquerda como Lula, recolocarão o Brasil nos rumos, apagando com algo como um referendo revogatório todas as medidas reacionárias do governo golpista. O segundo ponto é o da desqualificação da fé que fundamenta inúmeras análises do campo progressista no espontaneísmo como fator político ideológico invisível e imperceptível que operaria por si só uma mudança do comportamento das massas populares, levando-as a sair do estado de inação em que se encontram para um estado de reação às medidas do pacote de maldades que se implementa. Por último, é a desqualificação da tese de que Temer não teria mais condições de aprovar as contrarreformas que anunciou, ao chamar a atenção, implicitamente, para o fato de que as contrarreformas defendidas por Temer não foram a motivação da contração de sua base de sustentação política, ou seja, muitos dos deputados que votaram contra Temer não se oporão, entretanto, a estas contrarreformas, quando forem chamados a vota-las. Tais contrarreformas contarão também com o apoio, por exemplo, da Rede Globo que tudo fez para afastar Temer do Palácio do Planalto.
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