Por Patrick Cockburn, no site Outras Palavras:
Estava a meio caminho do banheiro quando a agitação parou. As luzes ainda funcionavam, o que me pareceu um bom sinal. Sentei num banquinho e teclei no Google: “terremoto em Bagdá”. Li uma série de tweets alarmados em meu laptop confirmando que, de fato, havia sido um tremor de terra.
Foi um terremoto de magnitude 7,3 com epicentro a 30 km de Halabja, uma pequena cidade no Curdistão iraquiano, a cerca de 250 km a nordeste de Bagdá e perto da fronteira iraniana. Nove pessoas morreram no Iraque - o dano catastrófico foi no Irã, onde morreram 530 pessoas.
Em tempos passados, um terremoto como esse seria tomado como um presságio: um aviso dos maus momentos à frente. As peças de Shakespeare estão cheias de sinais sombrios que geralmente precedem assassinatos e derrotas nas batalhas. Isso seria terrível no caso do Iraque hoje, porque, pela primeira vez desde que Saddam Hussein começou sua guerra com o Irã em 1980, as perspectivas parecem positivas.
O governo central está mais forte, derrotou o Estado Islâmico depois do longo cerco de Mosul, que durou nove meses, e superou o movimento secessionista do Curdistão iraquiano, reocupando pacificamente Kirkuk e outros territórios em disputa.
São sucessos expressivos, mas o que realmente mudou a paisagem política do Iraque é que já não há qualquer comunidade, partido ou facção que combata o governo central com ajuda financeira e militar estrangeira. Pela primeira vez, Iraque tem boas relações com todos os estados vizinhos.
O terremoto não teve o condão de prenunciar mais violência no Iraque, mas no mundo real é um lembrete útil de que o país, juntamente com o resto do Oriente Médio, é vulnerável a eventos inesperados e imprevisíveis. Claro, estas são sempre uma possibilidade em qualquer lugar, mas nunca como agora, devido à estranha mudança de posição de duas potências conservadoras com enorme poder na região: os EUA e a Arábia Saudita. Anteriormente comprometidos com a preservação do status quo político, ambos se tornaram mercuriais e dispostos a serrar o ramo em que estão sentados.
Pouco antes do terremoto em Bagdá, eu estava apresentado este cenário sobre a estabilização do Iraque para um diplomata europeu. Ele disse que isso pode ser verdade, mas que há um perigo real para a paz que “vem de uma combinação de três pessoas: o príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman, o genro de Trump e seu enviado ao Oriente Médio, Jared Kushner, e Bibi Netanyahu em Israel”.
Provavelmente, os sauditas e os americanos exageram quanto à vontade de Netanyahu e Israel de ir à guerra. Netanyahu sempre foi agressivo na retórica belicosa, mas cauteloso quanto a um verdadeiro conflito militar (exceto em Gaza, que ali é mais um massacre do que uma guerra).
A verdade é que a força militar de Israel tende a ser exagerada -seu exército nunca ganhou uma guerra desde 1973. Os compromissos passados com o Hezbollah fracassaram. Os generais israelenses sabem que a ameaça da ação militar pode ser mais efetiva do que a sua efetiva utilização para maximizar a influência política israelense, pois a verdadeira guerra significa perda de controle da situação. Eles conhecem a frase do chefe do Estado-Maior alemão no século 19, Helmuth Von Moltke: “nenhum plano sobrevive ao contato com o inimigo”.
Mas, mesmo que os israelenses não tenham a intenção de lutar contra o Hezbollah ou o Irã, isso não significa que eles não gostariam que outro fizesse isso por eles. O primeiro-ministro iraquiano Haider al-Abadi contou-me numa entrevista no início deste mês que seu maior medo é um confronto entre os Estados Unidos e o Irã Iraque. Tanto poderia ser um confronto direto como um confronto através de terceiros, mas em ambos os casos acabaria com a frágil paz atual.
Uma visão otimista do cenário indica que a política dos EUA no Iraque e na Síria é gerida em grande parte pelo Pentágono e não pela Casa Branca e isso não mudou muito desde os dias do presidente Obama. Além disso, o Iraque tem sido bem sucedido no seu objetivo de destruir o Estado Islâmico e seu auto declarado califado.
As guerras no Iraque e na Síria já têm seus vencedores e perdedores: o presidente Bashar al-Assad permanece no poder em Damasco, assim como o governo dominado pelos xiitas em Bagdá. Ao mesmo tempo, um eixo xiita apoiado pelo Irã em quatro países – Irã, Iraque, Síria e Líbano – estende-se da fronteira afegã ao Mediterrâneo. Este é o resultado das guerras desde 2011, que não será revertido, exceto por uma invasão dos EUA – como aconteceu no Iraque em 2003.
O grande perigo no Oriente Médio hoje é a compreensão distorcida e irreal sobre o mundo à sua volta que compartilham o príncipe herdeiro Mohamed bin Salman e Jared Kushner. O inspetor Clouseau parece ter uma maior influência sobre a política saudita do que Maquiavel, a julgar pelas articulações que cercaram a renúncia forçada de Saad Hariri como primeiro-ministro do Líbano. Iniciativas como essa não irão assustar os iranianos ou o Hezbollah.
Os sinais são de que o Irã decidiu percorrer um longo caminho para evitar o confronto com os EUA. No Iraque, Teerã aparentemente apoiará a reeleição de Abadi como primeiro ministro, o que é também o desejo dos EUA. O Irã sabe que ele saiu-se vencedor no Iraque e na Síria e não precisa exibir seu sucesso. Além disso, Teerã parece acreditar que o Príncipe Herdeiro está usando a retórica nacionalista anti-iraniana para garantir seu próprio poder e não pretende ir muito além disso.
Ninguém tem muito a ganhar com outra guerra no Oriente Médio, mas as guerras geralmente são iniciadas por aqueles que calculam mal seus próprios pontos fortes e interesses. Tanto os EUA como a Arábia Saudita tornaram-se personagens voláteis no cenário regional. Os think thankers neoconservadores e de extrema-direita, que em 2003 diziam que uma guerra contra o Iraque seria um passeio, voltaram ao poder em Washington, pressionando pela guerra com o Irã -e são mais fortes do que nunca.
As guerras no Oriente Médio deveriam estar terminando, mas elas podem, ao contrário, estar entrando em uma nova fase. Líderes nos EUA e na Arábia Saudita podem não planejar uma nova guerra, mas podem simplesmente meter os pés pelas mãos.
Eu estava no meu quarto no Hotel Bagdá na rua Al-Sadoun no domingo (12), escrevendo sobre as chances de a estabilidade ganhar terreno no Iraque, quando as paredes e o chão começaram a tremer. Eles balançaram de lado e para cima e para baixo várias vezes, como se meu quarto fosse a cabine de um barco num mar agitado.
Meu primeiro pensamento confuso foi - estando em Bagdá - que devia ter ocorrido a explosão de uma grande de bomba, o que explicaria o chacoalhar de tudo ao meu redor. Mas quase simultaneamente percebi que não tinha ouvido o som de uma explosão –então, a melhor explicação foi mesmo a de que teria havido um terremoto, embora eu nunca tivesse pensado em Bagdá como uma zona de terremoto.
Os movimentos bruscos das paredes e do chão do meu quarto eram tão brutais que me perguntei se o prédio iria cair. Olhei debaixo da escrivaninha onde eu estava, mas o espaço era pequeno demais para eu me proteger ali. Comecei a engatinhar para o banheiro, que é o lugar mais seguro no caso de uma bomba, supondo que o mesmo deve ser verdade para terremotos.
Meu primeiro pensamento confuso foi - estando em Bagdá - que devia ter ocorrido a explosão de uma grande de bomba, o que explicaria o chacoalhar de tudo ao meu redor. Mas quase simultaneamente percebi que não tinha ouvido o som de uma explosão –então, a melhor explicação foi mesmo a de que teria havido um terremoto, embora eu nunca tivesse pensado em Bagdá como uma zona de terremoto.
Os movimentos bruscos das paredes e do chão do meu quarto eram tão brutais que me perguntei se o prédio iria cair. Olhei debaixo da escrivaninha onde eu estava, mas o espaço era pequeno demais para eu me proteger ali. Comecei a engatinhar para o banheiro, que é o lugar mais seguro no caso de uma bomba, supondo que o mesmo deve ser verdade para terremotos.
Estava a meio caminho do banheiro quando a agitação parou. As luzes ainda funcionavam, o que me pareceu um bom sinal. Sentei num banquinho e teclei no Google: “terremoto em Bagdá”. Li uma série de tweets alarmados em meu laptop confirmando que, de fato, havia sido um tremor de terra.
Foi um terremoto de magnitude 7,3 com epicentro a 30 km de Halabja, uma pequena cidade no Curdistão iraquiano, a cerca de 250 km a nordeste de Bagdá e perto da fronteira iraniana. Nove pessoas morreram no Iraque - o dano catastrófico foi no Irã, onde morreram 530 pessoas.
Em tempos passados, um terremoto como esse seria tomado como um presságio: um aviso dos maus momentos à frente. As peças de Shakespeare estão cheias de sinais sombrios que geralmente precedem assassinatos e derrotas nas batalhas. Isso seria terrível no caso do Iraque hoje, porque, pela primeira vez desde que Saddam Hussein começou sua guerra com o Irã em 1980, as perspectivas parecem positivas.
O governo central está mais forte, derrotou o Estado Islâmico depois do longo cerco de Mosul, que durou nove meses, e superou o movimento secessionista do Curdistão iraquiano, reocupando pacificamente Kirkuk e outros territórios em disputa.
São sucessos expressivos, mas o que realmente mudou a paisagem política do Iraque é que já não há qualquer comunidade, partido ou facção que combata o governo central com ajuda financeira e militar estrangeira. Pela primeira vez, Iraque tem boas relações com todos os estados vizinhos.
O terremoto não teve o condão de prenunciar mais violência no Iraque, mas no mundo real é um lembrete útil de que o país, juntamente com o resto do Oriente Médio, é vulnerável a eventos inesperados e imprevisíveis. Claro, estas são sempre uma possibilidade em qualquer lugar, mas nunca como agora, devido à estranha mudança de posição de duas potências conservadoras com enorme poder na região: os EUA e a Arábia Saudita. Anteriormente comprometidos com a preservação do status quo político, ambos se tornaram mercuriais e dispostos a serrar o ramo em que estão sentados.
Pouco antes do terremoto em Bagdá, eu estava apresentado este cenário sobre a estabilização do Iraque para um diplomata europeu. Ele disse que isso pode ser verdade, mas que há um perigo real para a paz que “vem de uma combinação de três pessoas: o príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman, o genro de Trump e seu enviado ao Oriente Médio, Jared Kushner, e Bibi Netanyahu em Israel”.
Provavelmente, os sauditas e os americanos exageram quanto à vontade de Netanyahu e Israel de ir à guerra. Netanyahu sempre foi agressivo na retórica belicosa, mas cauteloso quanto a um verdadeiro conflito militar (exceto em Gaza, que ali é mais um massacre do que uma guerra).
A verdade é que a força militar de Israel tende a ser exagerada -seu exército nunca ganhou uma guerra desde 1973. Os compromissos passados com o Hezbollah fracassaram. Os generais israelenses sabem que a ameaça da ação militar pode ser mais efetiva do que a sua efetiva utilização para maximizar a influência política israelense, pois a verdadeira guerra significa perda de controle da situação. Eles conhecem a frase do chefe do Estado-Maior alemão no século 19, Helmuth Von Moltke: “nenhum plano sobrevive ao contato com o inimigo”.
Mas, mesmo que os israelenses não tenham a intenção de lutar contra o Hezbollah ou o Irã, isso não significa que eles não gostariam que outro fizesse isso por eles. O primeiro-ministro iraquiano Haider al-Abadi contou-me numa entrevista no início deste mês que seu maior medo é um confronto entre os Estados Unidos e o Irã Iraque. Tanto poderia ser um confronto direto como um confronto através de terceiros, mas em ambos os casos acabaria com a frágil paz atual.
Uma visão otimista do cenário indica que a política dos EUA no Iraque e na Síria é gerida em grande parte pelo Pentágono e não pela Casa Branca e isso não mudou muito desde os dias do presidente Obama. Além disso, o Iraque tem sido bem sucedido no seu objetivo de destruir o Estado Islâmico e seu auto declarado califado.
As guerras no Iraque e na Síria já têm seus vencedores e perdedores: o presidente Bashar al-Assad permanece no poder em Damasco, assim como o governo dominado pelos xiitas em Bagdá. Ao mesmo tempo, um eixo xiita apoiado pelo Irã em quatro países – Irã, Iraque, Síria e Líbano – estende-se da fronteira afegã ao Mediterrâneo. Este é o resultado das guerras desde 2011, que não será revertido, exceto por uma invasão dos EUA – como aconteceu no Iraque em 2003.
O grande perigo no Oriente Médio hoje é a compreensão distorcida e irreal sobre o mundo à sua volta que compartilham o príncipe herdeiro Mohamed bin Salman e Jared Kushner. O inspetor Clouseau parece ter uma maior influência sobre a política saudita do que Maquiavel, a julgar pelas articulações que cercaram a renúncia forçada de Saad Hariri como primeiro-ministro do Líbano. Iniciativas como essa não irão assustar os iranianos ou o Hezbollah.
Os sinais são de que o Irã decidiu percorrer um longo caminho para evitar o confronto com os EUA. No Iraque, Teerã aparentemente apoiará a reeleição de Abadi como primeiro ministro, o que é também o desejo dos EUA. O Irã sabe que ele saiu-se vencedor no Iraque e na Síria e não precisa exibir seu sucesso. Além disso, Teerã parece acreditar que o Príncipe Herdeiro está usando a retórica nacionalista anti-iraniana para garantir seu próprio poder e não pretende ir muito além disso.
Ninguém tem muito a ganhar com outra guerra no Oriente Médio, mas as guerras geralmente são iniciadas por aqueles que calculam mal seus próprios pontos fortes e interesses. Tanto os EUA como a Arábia Saudita tornaram-se personagens voláteis no cenário regional. Os think thankers neoconservadores e de extrema-direita, que em 2003 diziam que uma guerra contra o Iraque seria um passeio, voltaram ao poder em Washington, pressionando pela guerra com o Irã -e são mais fortes do que nunca.
As guerras no Oriente Médio deveriam estar terminando, mas elas podem, ao contrário, estar entrando em uma nova fase. Líderes nos EUA e na Arábia Saudita podem não planejar uma nova guerra, mas podem simplesmente meter os pés pelas mãos.
* Tradução de Mauro Lopes.
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